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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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domingo, 27 de janeiro de 2008

Ninguém deve censurar o Carnaval


Revista Época – Edição 506

26/01/2008 - 00:18 | Edição nº 506


Ninguém deve censurar o Carnaval
Adriano Silva


Os carnavalescos é que devem decidir se o Holocausto vai para o sambódromo


A escola de samba Viradouro, do Rio de Janeiro, cujo enredo este ano se chama “É de Arrepiar”, vai trazer para o desfile um carro alegórico representando o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas. Mas também é possível que não o traga. A comunidade judaica não gostou da idéia – a alegoria estaria banalizando “a maior tragédia da História da humanidade”.

Ninguém ignora o absurdo perpetrado contra os judeus no século passado. Um genocídio que encabeça uma longa lista de morticínios cruéis: dos gulags soviéticos à ação de Pol Pot no Camboja, das sangrentas guerras civis africanas à recente tragédia nos Bálcãs. A humanidade tem um bocado de coisas de que se envergonhar.

Mas será preciso pedir licença a alguém para falar desses acontecimentos? Para estudá-los, narrá-los ou representá-los artisticamente? O carnavalesco da Viradouro, Paulo Borges, tido como um dos mais criativos do Carnaval carioca, visitou a Federação Israelita do Rio de Janeiro para conversar sobre o carro alegórico. Uma cortesia que rapidamente abriu espaço para interferência ideológica e censura prévia a uma manifestação que deveria ser autônoma. Eis o ponto: os judeus não são os donos do Holocausto. Aquele evento brutal é um patrimônio indesejável de todos nós. Ninguém pode deter o direito intelectual sobre um fato histórico.

Quem tem de decidir se o Holocausto pode ser tema de desfile são os carnavalescos, não a Federação Israelita.

A Federação não viu nenhuma intenção anti-semita no desfile da Viradouro – mas achou que o Holocausto não é um tema afeito ao Carnaval. Ora, quem tem de decidir isso são as escolas e os carnavalescos – não a Federação Israelita ou qualquer outra instituição. Não é de hoje que o Carnaval funciona como uma expressão popular que absorve e relê, de sua maneira peculiar, temas dos mais variados matizes. Deve ter o direito de continuar a fazê-lo, com erros e acertos, com mais ou menos bom gosto. Depois do desfile, uma escola pode ser criticada, processada até. Não deveria, jamais, ser censurada de antemão.

Algumas das pessoas mais inteligentes que eu conheço são judias. Como o são algumas das manifestações mais acachapantes de auto-ironia e bom humor que já presenciei. Ao mesmo tempo, há uma ala judaica que se ocupa de manter abertas as feridas do passado. E que cultua as próprias chagas como se não quisesse deixá-las cicatrizar, como se dependesse da existência delas para continuar vivendo. Será que não está mais que na hora de quebrar essa reserva de mercado da dor e olhar, com alegria, para a frente? O Carnaval está aí para isso mesmo.

Veja ainda:
Informe FIERJ
Nota oficial – Carnaval 2008 – Dois casos muito diferentes


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