por Maria Luiza Tucci Carneiro
Um dia marcado para lembrar...
Em novembro de
Retomo aqui uma matéria divulgada pela BBC de Londres que, após a aprovação da citada resolução, remete a lembrança a outros genocídios incluindo os que aconteceram em Hiroshima e Nagasaki, Ruanda e Cambodja. O próprio presidente da Assembléia Geral, à época, Jan Elliasson, lembrou que parte da missão original da ONU, criada após a Segunda Guerra, era assegurar que atrocidades como o Holocausto não voltassem a acontecer: `Nós não podemos continuar repetindo ´Nunca mais´ – depois de Cambodja, Ruanda e Srebrenica`, afirmou Elliasson.
No entanto, o que mais deve nos preocupar é que hoje, exatamente há 61 anos da libertação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, o mundo tem que ser “obrigado” pela ONU a lembrar que o Holocausto existiu. Parece que o passado não serviu de lição. Até quando precisaremos de “decretos” para sair do estado de amnésia e passar ao trabalho da memória?
Fatos recentes têm demonstrado que o nazismo não se esgotou no Holocausto, e que as conseqüências dessa tragédia ainda não foram totalmente avaliadas dada a dimensão da sua monstruosidade. Todos aqueles que testemunharam a abertura dos campos nazistas, temem que a lição de Auschwitz seja esquecida. Isto é certo, pois o anti-semitismo continua latente alimentando mentiras e espalhando o ódio para além das fronteiras do mundo muçulmano. E os jovens são, como sempre, as presas mais fáceis de manipulação. A onda de atos neonazistas em 2006 na Alemanha, reforça o conceito que a desinformação favorece a proliferação de ideologias extremistas que, reaparecem camufladas como novidade.
Nestes dias que antecedem as rememorações, parte do mundo fica temporariamente chocado pelo Holocausto; a outra parte, dedica-se, vergonhosamente, a negá-lo ou então, silencia colaborando com o processo de amnésia política. As escolas em férias, descompromissadas com a resolução da memória, escapam do compromisso de `ter que lembrar` um fato que sequer integra o programa obrigatório do ensino fundamental, enfim, alguns poucos, prestam suas homenagens aos seis milhões de judeus, repetindo o já desgastado slogan `Nunca Mais`. Após o `27 de janeiro`, a sociedade global relega este assunto para um segundo plano, esquecendo-se que a mentalidade anti-semita continua viva alimentando a cegueira.
Devemos temer pela política negacionista do Holocausto que, neste último ano, encontrou no presidente do Irã o seu principal mentor. Ciente das fragilidades do mundo ocidental, este país investiu no humor e no tradicional modelo da conferência pseudo-científica, estratégias que no passado serviram a Hitler e aos seus aliados. Pseudo-intelectuais e caricaturistas do horror, não hesitaram em endossar a ideologia da mentira engrossando a lista dos anti-semitas e anti-sionistas descompromissados com a memória histórica.
Devemos temer pela ignorância daqueles que convivem, calados, com as distorções impostas à História. Devemos temer pelos nossos jovens que, despreparados para o futuro, sequer aprendem sobre o que foi o Holocausto porque este tema `não é obrigatório` nos currículos escolares. É necessário insistir numa única via possível para evitar a reabilitação do anti-semitismo e da barbárie nazista: a educação.
Rememorar por decreto não é solução. Em primeiro lugar devemos criar referências para, com base no conhecimento histórico, situarmos os reais efeitos das catástrofes. Ao avaliarmos o que significou a prática do anti-semitismo pelo Estado nazista que arquitetou de forma sistemática a destruição do povo judeu e outras minorias étnicas e políticas, percebemos que os direitos humanos foram conquistados a duras penas; que os avanços e recuos, fazem parte de um longo e árduo processo histórico. Assim, a pesquisa histórica e o estudo interdisciplinar do Holocausto, podem colaborar para a afirmação dos princípios democráticos. Princípios, no seu conjunto, regem a vida social e política de toda a nação que valoriza a dignidade humana e a igualdade de direitos.
No entanto, a nossa sociedade ainda carece de políticas públicas que, aplicadas em todos os níveis de ensino, poderiam educar para a cidadania e a democracia. Não devemos deixar que a ignorância favoreça a proliferação do ódio e da violência. Daí a importância de investirmos em jornadas interdisciplinares sobre o ensino do Holocausto, atividade pedagógica desenvolvida pela Universidade de São Paulo em parceria com a B´nai Brith do Brasil desde 2004. Acreditamos que o ato de lembrar deve integrar um programa permanente de educação comprometida com a verdade e a memória histórica.
Que os radicalismos e a intolerância sejam excluídos da agenda ideológica para que novos dias internacionais de rememoração da dor não sejam instituídos. Que prevaleça a educação como meio de imunizar e desmascarar os fanatismos e a violência.
_____________________________________________
Maria Luiza Tucci Carneiro, historiadora e Professora Livre Docente do Departamento de História da USP. Autora dos livros Holocausto, Crime Contra a Humanidade (Ática); e O Anti-semitismo na Era Vargas (Perspectiva) e O Veneno da Serpente (Perspectiva).
Fonte: B´nai B´rith do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário