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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Novo dicionário ressalta palavras nazistas a evitar

Novo dicionário ressalta palavras nazistas a evitar


Dezenas de palavras na língua alemã, desde "degenerado" até "solução final" tornaram-se tabu por seu uso pelos nazistas. Um novo dicionário de termos do Terceiro Reich fornece um guia do campo minado lingüístico

Der Spiegel, 31/01/2008
David Gordon Smith

Como se o alemão já não fosse difícil o suficiente. Três gêneros, palavras intermináveis, verbos no final de frases impossivelmente longas.

Mas há outra armadilha lingüística mais sutil na qual tanto alemães quanto não alemães podem facilmente cair -e que é muito pior do que um mero esquecimento de artigo. Mencione que você encontrou "Endlösung" (solução final) para um problema com o qual vem trabalhando, ou que você fez uma "Selektion" (seleção) de uma série de alternativas, e irá se ver alvo de olhares de desaprovação.

A razão é simples -as palavras acima citadas são tão maculadas por seu uso pelos nazistas que agora são totalmente tabu. Para os ouvidos alemães modernos, "Endlösung" para sempre estará associada com a "solução final da questão judaica", o genocídio de Hitler, enquanto "Selektion" agora é um verbo não aceito devido ao seu uso para se referir à prática dos campos de extermínio de "selecionar" os detentos a serem executados.

Agora, um novo dicionário examina qual papel tais termos têm na psique coletiva alemã. O "Wörterbuch der 'Vergangenheitsbewältigung'" (dicionário de fazer as pazes com o passado) examina cerca de 1.000 palavras e frases -tudo, desde "Anschluss", usado para se referir à "anexação" de 1938 da Áustria até "Wehrmacht", nome das forças armadas da era nazista. O dicionário acompanha como o significado e o uso dos termos desenvolveu-se desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Termos nazistas tabus
O professor de estudos alemães Georg Stötzel, que foi co-autor do dicionário junto com Thorste Eitz, explica como as palavras desapareceram do idioma após o final da guerra. "Muito poucos termos associados com os nazistas continuaram a ser usados com o mesmo significado após 1945", disse em entrevista. De fato, tão cedo quanto no final dos anos 40, intelectuais alemães como Dolf Sternberg e Wilhelm Süskind -pai de Patrick Süskind, autor do livro "Perfume"- escreveram ensaios examinando os termos nazistas que tinham recém virado tabu.

Para muitos, o simples poder das palavras e suas associações tornavam-nas literalmente indizíveis. Isso se aplicou especialmente às vítimas dos nazistas. "Os sobreviventes simplesmente não agüentavam ouvir a palavra 'lager'", diz Stötzel, referindo-se ao termo alemão para campo de concentração ou extermínio.

Outra razão para evitar termos nazistas no discurso público é o fato do palestrante correr o risco de ser acusado de ser simpatizante nazista. Freqüentemente, tal uso é suficiente para deixar o palestrante nas primeiras páginas dos jornais alemães. O ex-diretor do Conselho Central de Judeus na Alemanha, Paul Spiegel, gerou controvérsia em 2005 quando criticou a política alemã na qual judeus tinham permissão para imigrar da ex-União Soviética, dizendo que os judeus russos estavam sendo "selecionados". Similarmente, o arcebispo da Igreja Católica Romana de Colônia, Joachim Meisner, foi duramente criticado no ano passado quando usou a palavra "entartete" (degenerado) em um discurso sobre arte. A palavra é tabu -particularmente nesse contexto- por causa de seu uso pelos nazistas para condenar a arte moderna.

Acontece que a Igreja Católica é uma das instituições mais dispostas a fazer comparações com o Terceiro Reich, outro fenômeno lingüístico que o dicionário de Eitz e Stötzel examina. Outros grupos que tiveram compulsão em comparar seus oponentes com Hitler, ou fenômenos indesejados com Auschwitz, incluem grupos pacifistas e ambientalistas, explica Stötzel. "Esses grupos sentem que têm o direito moral de fazer comparações explícitas com os nazistas", diz ele.

"Holocausto em seu prato"
Tais comparações recebem atenção instantânea da mídia -e freqüente condenação. O arcebispo controverso Meisner também foi alvo de críticas neste respeito, quando fez uma comparação implícita entre a pílula do aborto e o gás venenoso Zyklon B usado pelos nazistas nas câmaras de gás em Auschwitz, enquanto outros militantes católicos cunharam o termo "bebêcausto" por analogia com o "Holocausto" para condenar o aborto. Enquanto isso, ativistas de direitos animais atraíram atenção com uma campanha contra as criações intensivas chamadas "Holocausto em seu prato".

A pessoa, entretanto, nem precisa usar termos maculados pelos nazistas para ter problemas. Apenas usar algumas técnicas de retórica nazistas, como Joseph Goebbels, rei da propaganda do Terceiro Reich, e outros líderes nazistas, podem levá-la a cair em água fervente. O ex-vice-chanceler Franz Müntefering descobriu isso da maneira difícil em 2005, quando descreveu os investidores estrangeiros hostis como "lagostas". Müntefering, que pertence à esquerda do Partido Social Democrata, foi criticado por comparar as pessoas com animais, uma estratégia considerada profundamente problemática devido à prática nazista de retratar judeus como parasitas e vermes.

"Sessenta anos mais tarde, as pessoas ainda estão sendo comparadas a animais e pragas que têm que ser destruídas", escreveu o historiador Michael Wolffsohn em um ensaio crítico.

Onde é a Alemanha Oriental?
São os grupos que presumivelmente mais admiram os nazistas que tomam mais cuidado em evitar o uso dos termos do Terceiro Reich. Partidos de extrema-direita, como o Partido Democrático Nacional da Alemanha (NPD), flertam com a ideologia nazista enquanto evitam seus termos. "Você pode reconhecer a implicação, mas não pode acusá-los de usar terminologia nazista", diz Stötzel.

Por exemplo, o alto político do NPD Holger Apfel falou da ambição de seu partido de conquistar assentos no "Reichstag", usando o termo anterior a 1945 para o governo alemão em vez do moderno "Bundestag" -hoje, "Reichstag" só pode ser usado em alemão politicamente correto para se referir ao prédio histórico do parlamento, não à instituição. Da mesma forma, políticos da extrema direita alemã gostam de se referir aos Estados da ex-Alemanha Oriental como "Mittledeutschland" ("Alemanha central") -sendo a implicação que a Polônia atual de fato compreende a parte oriental do país.

Talvez ao menos alguns termos nazistas perderão sua mancha com o tempo. O termo "Mädel", por exemplo, era uma palavra de dialeto para "menina" favorecida pelos nazistas. As conotações do Terceiro Reich parecem esquecidas pelos jovens alemães de hoje, muitos dos quais usam a palavra -freqüentemente de forma irônica- sem pensar duas vezes. "Vocês não sabem que era usada pelos nazistas", diz Stötzel.

O "Wörterbuch der 'Vergangenheitsbewältigung'", de Thorsten Eitz e Georg Stötzel, foi publicado por Georg Olms Verlag, por 29,80 euros (em torno de R$ 90).

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