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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quarta-feira, 19 de março de 2008

Negro e judeu ortodoxo, Y-Love faz rap sem fronteiras

Artista norte-americano rima em inglês, hebraico, aramaico e árabe.
Em entrevista ao G1, ele fala sobre como é conciliar hip hop e sua fé.

Shin Oliva Suzuki - Do G1, em São Paulo (17/03/2008).

Cena: na cidade de Baltimore, nos EUA, um garoto negro de sete anos assiste a um comercial de TV sobre os festejos da Páscoa judaica. Como acontece freqüentemente com as crianças, o menino surpreende a mãe, de origem porto-riquenha e católica, com uma frase inusitada: "mamãe, eu quero ser judeu!". Mas a história não ficou só como uma anedota de guri para render risadas anos mais tarde. O garoto percorreria um longo e nada fácil caminho para se tornar um devoto judeu ortodoxo do ramo hassídico e ainda usaria um instrumento nada convencional, o hip hop, para apregoar a sua fé.

Yitzchak Jordan, o menino da história, hoje é o rapper Y-Love, que mistura batidas poderosas com versos em inglês, hebraico, árabe e até aramaico (aliás, a língua que Jesus Cristo falava, já que o papo é religião) e faz rimas do tipo "não vejo judeus balançarem assim desde o êxodo" (!) - mas também sobre união racial e reconciliação com os palestinos. Aos 29 anos, ele atualmente vive no bairro do Brooklin, em Nova York, e se prepara para lançar seu primeiro álbum, "This is Babylon" (Ouça faixas aqui).

Em entrevista ao G1, Y-Love fala de sua conversão, de como é ter sofrido preconceito tanto por parte de judeus quanto de negros e de sua visão sobre o Oriente Médio. E diz que tem vontade de passar pelo Brasil, como o seu amigo reggaeiro Matisyahu, outro judeu ortodoxo cantor. Confira a seguir:

G1 - Gostaria de perguntar sobre suas raízes. Como foi a sua criação e como você começou a ter contato com as tradições judaicas?
Y-Love - Eu nasci em Baltimore, que fica a uns 320 quilômetros de Nova York. Fui criado pela minha mãe, que era católica e tinha imagens de virgens e santos pela casa, mas ela nunca foi de ir muito à missa. O meu primeiro contato com o judaísmo foi um comercial de TV quando eu tinha sete anos e dizia: "Feliz Páscoa de seus amigos do canal 2". Cheguei para minha mãe e disse: "Mamãe, quero ser judeu" e eu comecei a desenhar estrelas de David a torto e a direito. As pessoas falam sobre uma batalha pessoal quando se trata de conversões religiosas, que procuram por respostas, mas eu tinha sete anos e nem sabia amarrar meus sapatos. Eu apenas sabia que havia um grupo de pessoas chamado judeus e eu queria ser um deles.

G1 - E como foi sua ida para Israel?
Y-Love -
Na verdade eu fui para Israel depois da minha conversão. A partir dos meus 14 anos eu comecei usar alguns hábitos judaicos, a freqüentar cultos e a respeitar o shabat [descanso semanal dos judeus, do pôr-do-sol da sexta-feira ao pôr-do-sol do sábado]. Eu tinha 21 anos quando decidi me mudar para Nova York e iniciar o processo de conversão. Um dos rabinos da minha comunidade me disse que eu deveria viajar para Israel para aprender nas escolas religiosas. Então eu fui para lá, seis semanas depois da minha conversão.

G1 - O processo de conversão geralmente é muito difícil. Foi para você?
Y-Love -
Durou 13 meses e é preciso muito, muito estudo. Se é difícil? Sim e não. Sim, porque é lei [o que está nos ensinamentos], porque praticamente muda o jeito de você viver. Em vez de você acordar e procurar algo para comer, você levanta, lava suas mãos e rezar antes de fazer qualquer coisa. Você precisa também memorizar muita coisa, aprender hebraico e o Talmud [conjunto de leis e costumes judaicos]. Mas mudar sua rotina é realmente a parte difícil.

G1 - As tradições judaicas estão muito ligadas ao verbo, a palavra falada. Como você relaciona ao rap.
Y-Love -
Bom, eu comecei a fazer rap na escola religiosa. A gente sempre faz os estudos relacionados às tradições judaicas em pares, porque você não pode convencer a si mesmo sobre as respostas erradas. Então a gente usava hip hop para decorar as leis do Talmud. A gente fazia um freestyle [improvisação] como modo de memorização. Então, para mim, foi desse jeito que judaísmo e hip hop se uniram. No livro do Êxodo, está escrito quando Moisés separou as águas do Mar Vermelho e o povo atravessou, a primeira coisa que eles fizeram foi cantar uma música. Era uma expressão do que Deus fez, de ter salvado a vida.

G1 - Como é a recepção de seu trabalho na comunidade judaica, já que o que você faz é uma manifestação cultural moderna?
Y-Love -
Varia muito. Quando eu comecei a minha carreira, eu tive muitos problemas porque o rap é considerado uma forma de arte distintivamente não-judaica. Então o desafio era como tornar algo não-judaico judaico? Para mim isso nem corresponde à realidade, já que os judeus têm feito rap desde o começo do gênero, exemplo os Beastie Boys [cujos três integrantes são judeus]. E agora há um movimento ainda mais conservador no judaísmo ortodoxo, para restringir as performances ao vivo de música. Há muita oposição por um lado. Mas, por outro, há muitos garotos e adolescentes [da comunidade] que adoram a minha música. E na minha música sobre festas, sobre estar em um clube, mas eu não falo sobre homens e mulheres fazendo qualquer coisa juntos. Mostro às pessoas que elas podem ser respeitar o judaísmo e se divertir como qualquer outra pessoa.

G1 - Você sofre algum tipo de preconceito da comunidade negra pelo fato de você ser judeu ortodoxo?
Y-Love -
Quando você tem contato com negros que não são judeus - porque na verdade há muitos negros judeus - às vezes falam que eu estou tentando ser algo que na verdade eu não sou. Dizem que eu estou vivendo uma mentira. Isso justamente por causa de uma mentira que é afirmar que ser judeu é igual a ser branco. Mas também na comunidade judaica, até a minha conversão, eu tive que enfrentar muito racismo.

G1 - E como você lidou com isso?
Y-Love -
Eu queria ser judeu a minha vida inteira. eu não ia deixar um grupo de racistas, que representa apenas 5% ou 10% de todas a comunidade, tirar isso de mim. É algo que significa muito para mim para simplesmente tomarem de mim. Claro que muitas vezes que eu chorei, mas com o passar dos anos meu rosto começou a se tornar familiar para as pessoas da comunidade judaica... Por outro lado, quando fui visitar os meus amigos em Baltimore, eles falavam: "Ei, o que aconteceu com você??".

G1 - No seu blog você faz críticas tanto ao [grupo palestino terrorista e político] Hamas quanto ao governo israelense. Qual é a sua visão do conflito no Oriente Médio?
Y-Love - É muito infeliz que as pessoas falem sobre fronteiras e nacionalismos enquanto tanta gente não tenha suas necessidades básicas atendidas. Quando os judeus tinham assentamentos na Faixa de Gaza, o desemprego era de 50%. Quando eles saíram, foi para 70%. O que o Hamas fez por essas pessoas? As pessoas dizem que não é possível haver desenvolvimento econômico na Palestina com ocupação israelense, mas, em 2006, em uma pesquisa na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, a população dizia que a corrupção do governo palestino era um problema pior do que a ocupação israelense. No lado do governo israelense, há os judeus que foram obrigados a sair durante a retirada israelense da faixa de Gaza, continuam vivendo em hotéis, dois anos depois. Eu vejo uma grande falta de atenção às necessidades básicas do cidadão médio.

G1 - Qual é a sua opinião sobre o rap de sucesso de hoje, que é criticado por falar de mulheres, dinheiro e armas?
Y-Love
- Acho que a realidade do hip hop não tem nada a ver com isso. Essa é uma pequena parte. O que você vê na TV, um cara em um carrão alugado, ao lado de mulheres contratadas para o clipe, e o que acontece com essas pessoas quando a filmagem acaba? Voltam para a casa de metrô! Nos anos 80 e no começo dos 90 o hip hop tinha muitas mensagens. "Brenda's gotta a baby", de Tupac Shakur, falava sobre a decadência urbana, prostituição e gravidez adolescente em uma única música. Hoje o hip hop é criado e concebido para que as pessoas comprem o álbum. Para comprar.

G1 - Seu amigo Matisyahu esteve aqui no ano passado. Há alguma chance de você aparecer aqui?
Y-Love -
O Brasil ficou marcado como uma nova Índia, né? Em termos de crescimento econômico e desenvolvimento no cenário mundial. Bom eu espero ter a chance de aparecer bastante em breve. Adoraria me apresentar no país.

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