P U R I M
O Samba do Rabino Doido
Adár, 5758
A história começa quando Assuero (Ahashverósh), Rei da Pérsia e da Média, um grande império com 127 províncias, resolve comemorar o seu terceiro aniversário no Trono. Ele manda fazer um tremendo banquete, e convida todos os homens importantes – e também os que não eram importantes, para comerem e beberem à vontade durante os dias da festa. E convida Vashti, a Rainha, para vestir-se com suas roupas mais esplendorosas para que os convidados a vissem ao vivo e em cores.
Mas Vashti, a Rainha da Pérsia e da Média, simplesmente desobedece à ordem do Rei Ahashverósh, e os seus conselheiros apressam-se a exigir a sua cabeça dizndo que, se a própria rainha desobedece ao rei em pessoa, e nada lhe acontece, o que seria deles, pobres mortais, quando chegassem em casa?... Assim, devidamente castigada a rainha por sua audácia, diz o livro explicitamente, ‘todas as mulheres darão valor a seus maridos, sejam grandes (poderosos) ou pequenos (joões ninguém)’ (cap. 1; 20)... Vashti, a rainha desobediente, tornou-se na verdade um ícone do movimento feminista.
Expulsa a rainha, o rei manda fazer um concurso de beleza nacional para escolher a sua nova esposa. E depois de quatro anos de concurso, a vencedora é... Esthér, sobrinha de Mordechái (Mardoqueu), o judeu, levada ao palácio como todas as outras, mas logo assumindo a preferência dos organizadores do concurso, por sua extrema obediência! (cap. 2; 15, 16).
O rei apaixona-se por Esthér e a nomeia Rainha de toda a Pérsia. E faz para ela um grande banquete da coroação, com tudo a que tinha direito.
Mas... Esthér não contou a ninguém sua origem judaica, por ordem de seu tio Mardoqueu (cap. 2; 10). E agora vemos Mordechai, ‘sentado à porta do rei’, isto é, nomeado alto funcionário pouco depois da coroação...
Nesse mesmo momento, no alojamento dos seguranças do palácio, com os escaninhos e os bancos de madeira, dois funcionários de médio escalão, da guarda do rei, sentindo-se prejudicados por alguma razão, tramam o assassinato do rei. E aí vemos Mordechai num furgão cheio de aparelhos eletrônicos perto do palácio, ouvindo a conversa deles pelo microfone secreto instalado no alojamento.
Mordechai conta para Esthér, que sopra no ouvido do rei e menciona Mordechai como sua fonte. Se era para o rei valorizar o tio, ou se o tio fez da sobrinha porta-voz para que ela ganhasse mais pontos junto ao rei, ninguém sabe. O que se sabe é que o lucro da operação foi repartido entre os dois (cap. 2; 22).
Agora estamos nos porões do palácio. Escuridão. Um ventilador na parede, contra a luz. Raios de luz atravessando a poeira revelam duas figuras amarradas, cabeças pendentes escorrendo água: Eles confessaram. Corta para a forca: dois corpos caem pesadamente, com um baque surdo. Os funcionários encarregados da tarefa recolhem seus materiais e retiram-se sem dizer palavra. E nos Arquivos Reais, funcionários com longas penas de pavão registram todo o episódio em enormes livros à sua frente.
Na cena seguinte, bem à frente no tempo, Hamán, o agagita (esse é o nome do seu clã, o que na época servia de sobrenome), é nomeado primeiro ministro – sua cadeira é mais alta que as dos outros ministros. Ele passeia pelo palácio, outro pavão (as penas usadas pelos escribas foram tiradas do rabo dele...) e todos se curvam à sua passagem – menos Mordechai. Pedem que ele se explique, e ele responde enigmaticamente: ‘Eu sou judeu’ (cap. 3; 4). Corta para a ala esquerda do palácio, onde uma série de cambistas aceitam apostas sobre o tempo que Mordechai vai sobreviver depois dessa... Multidão se acotovela e empurra o dinheiro das apostas, os cambistas anotam, enlouquecidos...
Hamán fica sabendo disso – e imagina um comício em Nürenberg, com Hitler esbravejando e a multidão incalculável delirando...
Alto comando persa (todos cheios de medalhas) reunido em torno de uma enorme mesa, com Hamán, de bigodinho, na presidência. Assinam o Protocolo de Susa – Shushan, a capital do reino – a ‘Solução Final para o Problema Judaico’.
Sorteia-se o dia 13 do mês de Adár (imaginem o grande globo do qual saem as bolinhas), doze meses depois do sorteio, como o Dia do Extermínio dos Judeus.
Hamán explica para o rei que um tal de povo judeu, que pulula por todo o seu reino, não obedece às Leis do Reino, tem uma religião diferente, em suma, é um bando de traidores! (Detalhe da boca espumante de Hamán quando pronuncia a palavra...) Oferece ao rei uma enorme soma em dinheiro em troca da licença para acabar com eles. O rei, que não vê motivos para discordar, distraidamente dá a Hamán o anel real (close sobre o rosto enfadado do rei, e depois sobre o anel) para com ele selar o decreto de extermínio. Novamente vemos os escribas, desta vez escrevendo éditos que serão enrolados e entregues a agentes vestidos de preto, pilotando motocicletas poderosas e capacetes com viseiras escuras, que levarão as ordens da matança a todos os cantos do reino.
No decreto, as palavras exterminar, matar e eliminar são repetidas várias vezes, e isso inclui mulheres e crianças, no dia 13 de Adár.
As motos percorrem trilhas de terra em sertões distantes, para entregar os decretos. Nuvens de poeira elevam-se à sua passagem...
O rei e Hamán fazem num banquete, comemorando a nova lei. Vemos rostos de pessoas do povo, inclusive judeus, alguns lendo os panfletos, intrigados e apavorados com a inédita notícia.
Mordechai, em casa, ao saber de tudo, rasga suas roupas, veste um saco e joga cinzas da lareira sobre a cabeça, num grande desespero, com o rosto desesperado à semelhança de ‘O Grito’, de Münch. Em seguida, sai de casa e vai até o palácio, mas os guardas barram sua entrada – está vestido de modo inadequado.
Sucessão rápida de cenas: contam a Esthér sobre Mordechai. Esthér manda roupas para o tio, que as recusa. Esthér manda emissário para saber dele o que há. Mordechai conta ao emissário tudo, e entrega-lhe uma cópia do decreto para ser dada a Esthér, com a instrução de ela apresentar-se ao rei e pedir clemência. Esthér fala da lei que manda matar quem se apresenta ao rei sem ter sido chamado, a não ser que o rei estende o cetro e permita à pessoa tocá-lo. Esthér está numa sinuca. Mordechai manda dizer a ela: ‘Se te calares neste momento, os judeus serão salvos de outro modo, mas tu e tua família ireis perecer.’ Esthér manda dizer ao tio: ‘Reúne todo o povo e o manda jejuar três dias. Irei ao rei apesar da lei, e se eu morrer, morrerei.’ (cap. 4; 13, 15).
Esthér vai até o pátio interno do palácio, diante do trono, e ao vê-la, o rei estende seu cetro (ouve-se um ‘Uffff...’ na platéia). Na melhor tradição das Mil e Uma Noites, Esthér simplesmente convida o rei, e também Hamán, para um banquete, ao fim do qual os convida para outro, e depois outro. Hamán sai do banquete meio bêbado, feliz da vida, mas fica furioso ao ver Mordechai no pátio sentado à sua passagem, sem se levantar nem se curvar.
Agora vemos Hamán em casa, cercado da mulher e dos amigos, queixando-se pateticamente de Mardoqueu. Choraminga. Diz que de nada adianta ser o primeiro do reino e ter sido convidado ao banquete da rainha e convidado de novo para o banquete de amanhã, enquanto Mordechai o judeu fica sentado no portão e não se curva à sua passagem. Diz-lhe Zéresh, sua esposa: ‘Façamos uma árvore (quer dizer, um tronco) de cinqüenta metros de altura e penduremos nela esse judeu nojento, e assim irás feliz ao banquete da rainha.’ Hamán gosta, e constrói a forca (cap. 5; 17).
Ao mesmo tempo, no palácio real: Naquela mesma noite, o rei não consegue dormir. Manda trazerem as Crônicas do Reino para serem lidas à sua frente. (Podemos ver os escravos carregando às costas, curvados, os grandes livrões que apareceram no início.) Logo chegam ao episódio dos dois assassinos executados depois da informação prestada por Mordechai. O rei pergunta como recompensar Mordechai, mas ninguém diz nada. O rei pergunta: ‘Quem mais está no pátio?’ E justamente Hamán estava lá, tinha vindo ao palácio para contar ao rei que pretendia pendurar Mordechai na forca. Dizem ao rei: ‘Hamán está ali.’ O rei manda chamá-lo e pergunta: ‘O que fazer a alguém a quem o rei deseja exaltar?’ Hamán, pensando que ‘alguém’ é ele próprio, diz: ‘Que seja vestido com roupas do rei, e que monte num cavalo do rei, e um dos ministros vá à sua frente gritando: ‘Assim faz o rei a quem ele deseja exaltar’. Então o rei diz a Hamán: ‘Corre, pega a roupa e o cavalo, e os dê a Mordechai, o judeu sentado no portão, e não deixe de lado nada do que falaste.’ Close para a cara de espanto, horror e por fim desespero de Hamán, como se alguém lhe tivesse dado uma martelada na cabeça.
Hamán faz tudo conforme disse o rei. Podemos ver o rosto dos dois, um espantado de felicidade, outro totalmente arrasado. Cenas do desfile de Mardoqueu pela cidade, com a multidão delirando, e Hamán conduzindo o cavalo e gritando a frase famosa. Apoteose.
Casa de Hamán. Ele com a cara no chão. A mulher dele e seus amigos o enterram de vez: ‘Se da estirpe dos judeus é esse Mordechai, diante de quem começaste a cair, tu não poderás com ele. Acabarás derrotado a seus pés.’ Nesse momento os eunucos do rei chegam para levar Hamán ao banquete da rainha. Música lúgubre ao fundo. Hamán sai, arrastando os pés.
Grande clímax: No banquete, o rei novamente pergunta a Esthér o que ela deseja, e até a metade do reino lhe será dado. Esthér, engolindo em seco, sobe ao palco, pega o microfone e começa o discurso, lembrando o discurso da Fada Madrinha ao final de Shreck II: ‘Se encontrei graça aos olhos do rei, e se é do agrado do rei, peço que me seja dada a minha alma, e as almas do meu povo. Porque fomos vendidos, eu e meu povo, para nos exterminar, matar e eliminar. Mas se como escravos fôssemos vendidos, eu me calaria, pois não seria problema digno de incomodar o rei.’
Cena de clip repetitivo de filme de ação: um mesmo ato é visto várias vezes em sucessão, o rei começa a falar, e começa a falar de novo: ‘Disse então o rei Assuero - - - e disse à Esther, a rainha (trovejando – imaginemos Pavarotti furioso ao extremo): ‘Quem é esse e onde está esse, cujo coração o levou a assim fazer?’ Esthér responde, no mesmo tom: ‘Um homem cruel e malvado, Hamán, esse homem atroz.’ Rosto de Hamán, apavorado (agora ele com cara de ‘O Grito’). O rei levanta-se furioso (derrubando a cadeira e virando a mesa) e sai do banquete para o jardim. Hamán joga-se sobre o leito onde a rainha está reclinada, para pedir clemência. O rei volta do jardim e encontra Hamán debruçado sobre o leito da rainha, e diz (subindo ainda mais o tom, se isso é possível): ‘O que?????????????? Conquistar a Rainha também pretendes, e comigo dentro de casa?????????’ (cap. 6; 8) Close para o rosto agora estraçalhado de Hamán, como o de algum dos vilões famosos do cinema quando levam o tiro fatal do mocinho.
Chega-se um dos escravos ao rei, e lhe diz ao pé do ouvido: ‘Rei, esse cara arrumou um poste de cinqüenta metros no jardim de sua casa para pendurar Mordechai, aquele que salvou sua vida.’ Resposta imediata do rei: ‘Pendurem-no nele.’
Sucessão rápida: Cenas do enforcamento de Hamán, com a multidão exultando. Cena de Esthér contando ao rei seu parentesco com Mordechai. Cena do rei dando a Mordechai o anel (close no anel) que tirou de Hamán. Cenas de Mordechai recebendo as chaves da casa (e os bens) de Hamán. Cenas de Esthér pedindo clemência aos pés do rei, para que este revogue o decreto de Hamán. Close sobre o cetro que o rei estende a Esthér. Cenas de escribas escrevendo o novo édito. Motociclistas (agora de branco) percorrendo as mesmas estradas poeirentas, levando o novo decreto. Cenas de judeus, de espadas e lanças em riste, dando o troco aos partidários de Hamán. Cena de folhinha na parede de uma casa humilde, onde se vê nitidamente o dia 13 do mês de Adár. Cenas de judeus dançando Hôira nas ruas de Shushna, a capital da Pérsia e da Média. Música apoteótica final (de preferência Yerushaláim shel Zaháv, depende do preço dos direitos), e o filme acaba com cenas dos festejos dos judeus.
THE END
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