Tema de recém-lançada fotobiografia, Clarice Lispector supera cem comunidades no Orkut e é tema de blogs e vídeos no YouTube.
DA REPORTAGEM LOCAL - FSP, Ilustrada, em 19/04/2008.
Toda estrela que se preze já ganhou biografia não-autorizada ou álbum de fotos de sua carreira. Com Clarice Lispector (1920-1977) não poderia ser diferente. "Clarice - Fotobiografia" (Imprensa Oficial; R$ 90, 656 págs.), livro com 800 imagens, muitas delas inéditas, reforça o apelo extraliterário, o "star quality" da autora de "A Paixão Segundo G. H.", cujos traços singulares muitas vezes pareciam ecoar a estranheza de seus próprios livros.
Na blogosfera, não é diferente. Há seis meses, a estudante Keidy Lee Costa, 19, administra, do Rio Grande do Norte, o blog claricelispector.blogspot.com, que chega a ter mais de 4.700 visitas diárias. Para a estudante, a recém-lançada fotobiografia tem "800 novas maneiras de tentar entendê-la e de se apaixonar ainda mais", pois, "quando se olha nos olhos de uma foto de Clarice, a sensação que se tem é de mistério".
Imagem a favor da obra
Autora do livro "Clarice -Uma Vida que se Conta", a professora da USP Nádia Battella Gotlib, que organizou a fotobiografia, diz que não pensou no "estrelato" de Clarice, e sim na história da literatura por trás das fotografias. Gotlib acredita que o apelo entre os jovens se dê pela capacidade de Clarice de traduzir traços da personalidade humana, sobretudo em fase de formação e em ritos de passagem.
"Ela possuía uma capacidade de fisgar o leitor em pontos sensíveis. E o adolescente está com a sensibilidade à flor da pele, tem uma percepção lisérgica das coisas", diz a professora, numa referência ao escritor Hélio Pellegrino (1924-1988), para quem Clarice tinha uma "personalidade lisérgica". Gotlib também reconhece que a figura da escritora é forte e encantadora. Mas ressalva: "É uma imagem a favor da literatura, porque instiga a pessoa a ler a sua obra".
Clarice é emo?
Outro altar de celebração da imagem de Clarice é o YouTube, em que uma busca pelo nome da escritora gera mais de 170 resultados, entre eles videopoemas em sua homenagem e trechos da última entrevista que ela concedeu, em 1977, à TV Cultura.
Após ver uma passagem da tal entrevista
Fã de Clarice, a estudante Fernanda Markus, 17, também parece identificar a tal faceta "hardcore": "Ela atrai os jovens porque era confusa, vivia num mundo de paradoxos em que nós, jovens, também vivemos. Ler Clarice parece um remédio para tanto desconforto".
Autora do perfil "Clarice Lispector" (Publifolha), Yudith Rosenbaum acredita que a obra de Clarice seja uma literatura de iniciação de adolescentes, mais "abertos" ao que a escritora chamava de "experiência de contato" de seus textos.
Rosenbaum, no entanto, não concorda que a fotobiografia estimule a idolatria ou celebre o lado "pop" da autora. Para ela, "o livro mostra faces novas da escritora e renova o quadro de imagens já estabelecido sobre ela. Tudo se mostra mais contextualizado e inter-relacionado, criando condições para uma apreciação menos idealizada e mais fundamentada sobre a trama vida/obra de Clarice".
Amor antigo
Há quem discorde. O poeta Ferreira Gullar, colunista da Folha, diz que foi "vítima" da beleza de Clarice na sua juventude. Gullar tem até hoje uma foto da musa, recortada de uma revista, sobre uma estante. Ele conta que, quando a conheceu, em 1954, na casa da escultora Zélia Salgado, ficou impressionado com a beleza exótica da mulher de "traços asiáticos, pomos saltados e olhos oblíquos".
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