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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quinta-feira, 17 de abril de 2008

Mudança climática ameaça berço da civilização

O famoso Crescente Fértil no Oriente Médio foi o local onde surgiram a agricultura, as primeiras povoações e a civilização. Mas um novo estudo revela que a mudança climática secará os rios da área e destruirá a sua agricultura - com efeitos devastadores para a região

Volker Mrasek

A região conhecida como Crescente Fértil forma um corredor em forma de foice com 3.000 quilômetros de extensão no extremo norte da Península Arábica. Encaixado entre montanhas e o deserto, ele se estende em um arco gigante do Vale do Nilo, no Egito, até a costa leste do Mediterrâneo, e daí até o Golfo Pérsico. Ele passa por Israel, Líbano e oeste da Síria, toca o sul da Anatólia e, a seguir, o Irã, para finalmente descer até a área que fica entre os rios Tigre e Eufrates, naquilo que atualmente é o Iraque.

Esta é uma paisagem de importância verdadeiramente épica. Trata-se do berço da agricultura e da pecuária, onde há dez mil anos teve início a Revolução Neolítica - a transformação dos nômades da Idade da Pedra em populações fixas, aliada ao surgimento das primeiras cidades e civilizações. Lá os sumérios gravaram símbolos cuneiformes em tabletes de argila e criaram a primeira escrita do mundo.

Mas a área conhecida como o berço da civilização está sob grave ameaça. Antes do final deste século, o lendário celeiro de alimentos do Oriente Médio poderá secar como resultado do aquecimento global, a ponto de não ser mais apropriado para a agricultura tradicional baseada nas chuvas. A região deixaria de existir como espaço agrário.

"A antiga agricultura sustentada pelos regimes de chuvas permitiu que civilizações prosperassem na região do Crescente Fértil", declarou Pinhas Alpert, professor de ciências atmosféricas da Universidade de Tel Aviv, à "Spiegel Online". "Mas esta benção em breve deverá desaparecer devido à mudança climática provocada pelos seres humanos".

Junto com colegas do Japão, o físico israelense simulou como os padrões pluviométricos e a vazão dos principais rios da região mudarão no decorrer do século 21. Para isso, eles usaram um modelo de mudança climática desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Meteorológicas em Tsukuba, no Japão. O modelo é único no sentido de que permite aos pesquisadores simular o clima com uma resolução espacial de 20 quilômetros, uma escala anteriormente não obtida por outros modelos climáticos globais.

O modelo prevê dois possíveis cenários para o futuro da área: um moderado, no qual, até o final deste século, a temperatura atmosférica média na região aumentaria 2,6°C em relação ao período pré-industrial. Já no cenário mais extremo, a temperatura aumentaria 4,8°C.

Alpert apresentou os resultados da sua pesquisa na conferência anual da União Européia de Geociências, em Viena, nesta semana. Ele declarou que, mesmo com aumentos moderados da temperatura, o índice pluviométrico anual na costa do Mediterrâneo - na Síria, em Israel e no Líbano - sofreria uma queda de 50 a 200 milímetros. A quantidade de água do Eufrates seria 30% menor que a atual; no Rio Ceyhan, no sul da Turquia, a vazão diminuiria 40%, e no Rio Jordão a queda seria de até 80%.

Mas, levando-se em conta o cenário extremo, os recursos de água iriam se tornar ainda mais escassos. Segundo as previsões, em tal cenário, a região entre o Tigre e o Eufrates sofreria uma redução de dois terços do seu índice pluviométrico atual. As vazões do Eufrates e do Ceyham diminuiriam em mais de 70% e 80%, respectivamente. E o Rio Jordão praticamente secaria - ele teria apenas parcos 2% do seu volume original.

O Crescente Fértil e o cultivo de grãos praticado na área necessitam de bastante precipitação no inverno, já que só assim o nível dos rios aumenta suficientemente para que eles durem no decorrer da estação seca, que vai da primavera ao outono. "A principal estação para as chuvas é o inverno", explica Alpert. "De outubro a março a região conta com 90% do total anual de chuvas".

Durante esse período, o ar úmido do Atlântico vem do oeste pelo Mediterrâneo. Quantidades abundantes de neve caem nas Montanhas Taurus, na Turquia, e nas Montanhas Zagros, no Irã e no Iraque, que têm mais de 4.000 metros de altitude, bem como sobre as Colinas de Golã. Na primavera a neve derrete, elevando o nível dos rios. Esses rios, cujas águas são desviadas para a irrigação, são as fontes de vida do Crescente Fértil.

Mas, devido à alteração climática, o berço da agricultura está secando. Mesmo com um aumento apenas moderado das temperaturas, o Crescente Fértil secaria e a terra do Oriente Médio apropriada para o cultivo encolheria, adverte Alpert. "E os sinais são extremamente problemáticas para a região", acrescenta ele. "Todos sabemos que essa região é muito frágil... A maioria dos governos neste território é frágil e as economias dos países da área são muito débeis".

Países ricos, como Canadá e Rússia, se beneficiarão com as mudanças climáticas, já que partes das suas regiões ao norte passarão a ser aproveitáveis para a agricultura. No entanto, nos países subtropicais pobres, onde o clima ficará ainda mais seco, as terras cultiváveis serão perdidas, conforme provavelmente ocorrerá em breve no Oriente Médio.

Primeiros sinais ameaçadores
O cientista climático israelense deposita grande fé nos resultados dos novos modelos. Ele admite que este é o primeiro estudo no Oriente Médio a utilizar o modelo japonês de mudança climática. No entanto, modelos anteriores não foram capazes de produzir simulações precisas da região porque não tinham uma resolução espacial suficiente. "Esta é a primeira simulação global com um supercomputador que foi capaz de reproduzir de maneira excelente o formato do Crescente Fértil", afirma o cientista.

Atualmente já existem sinais de uma tendência a uma maior aridez, por exemplo, na bacia do Rio Jordão. Lá, cientistas alemães também estão criando simulações dos efeitos da alteração climática sobre as reservas de água como parte de um projeto internacional de pesquisa chamado Glowa Jordan. "Já não existe tanta neve nas Colinas de Golã", avisa Peter Suppan, do Instituto de Pesquisa Meteorológica e Climática em Garmisch-Partenkirchen, na Alemanha. "E quando a neve derrete, a água corre com uma rapidez bem maior".

Como resultado, a água não flui das montanhas no final do ano, o nível do Rio Jordão diminui drasticamente e fica difícil irrigar os campos. "Os habitantes da região não se importam se o clima ficar um ou dois graus mais quente. Muito mais importante para eles é aquilo que ocorre com o índice pluviométrico. Uma queda de apenas 10% neste índice já poderia ter conseqüências desastrosas", afirma Suppan.

Porém, Alpert acredita que o Crescente Fértil ainda pode ser salvo. "Isso vai depender muito de como o mundo reagirá, se o mundo de fato agirá com a seriedade necessária no sentido de adotar medidas contra a alteração climática", afirma o pesquisador.

A nova pesquisa deixa uma coisa bem clara. A mudança climática não está ameaçando apenas acabar com banquisas, geleiras e espécies animais. Ela poderá também destruir regiões modeladas pelo homem e que são insubstituíveis para a humanidade.

Tradução: UOL

Extraído de:
Der Spiegel, em 17/04/2008.

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