Ulrike Putz, Na Faixa de Gaza
Der Spiegel, em 19/07/2008.
O poder global é a meta deles e estão dispostos a matar inocentes para chegar lá. Um grupo de ultra-radicais islâmicos está treinando na Faixa de Gaza, e a "Spiegel Online" se encontrou com um de seus líderes.
Não é fácil encontrar um lugar para uma entrevista com um homem que atende pelo nome de Abu Mustafa. Vários lugares foram aceitos e depois descartados. Finalmente, após horas circulando pela Cidade de Gaza com o motorista de Abu Mustafa, veio o chamado. O encontro ocorreria na praia. Há pessoas suficientes na praia para que a entrevista não atraia muita atenção, explicou a pessoa do outro lado do telefonema. Quão absurda era essa noção logo ficaria clara.
A maioria das pessoas não se destaca tanto nas praias de Gaza quanto Abu Mustafa. Ele atravessa a areia em muletas, com sua perna envolta em gesso até a coxa. As roupas paquistanesas que veste também são estrangeiras - e a camisa branca que desce até seus joelhos dificulta ainda mais o andar com muletas. Finalmente, ele despenca em uma cadeira de plástico. "Que a paz esteja com você", ele diz em voz baixa, saudando seu convidado.
Muitas pessoas gostariam de falar com Abu Mustafa - ele calcula que cerca de 10 pessoas telefonam para ele diariamente. Ele possui a chave para uma ideologia para a qual muitos estão se voltando na Faixa de Gaza: o jihadismo salafista, uma crença na forma mais radical de Islã. "Nós nos reunimos em segredo em mesquitas e residências particulares", diz Abu Mustafa, que se tornou o ponto de entrada no movimento para muitos. Ele diz que os salafistas agora chegam a 5 mil pessoas, sem contar mulheres e crianças.
'Um homem muito perigoso'
"Nós ainda não somos muito bem organizados, mas estamos no processo de formação de redes", diz o homem de 33 anos. No final, ele espera, um movimento poderoso terá nascido. Os membros já estão recebendo treinamento com armas e são educados tanto a respeito do dogma quanto da estratégia. "Quando a luta começar, eles não exibirão misericórdia", disse um intermediário para a entrevista - ele também um combatente em uma milícia armada - antes do encontro na praia. "Abu Mustafa é um homem muito perigoso."
Os salafistas - às vezes chamados de wahabistas - sonham com um mundo antes do Islã ter ficado entulhado com inovações e influências culturais. Eles buscam viver uma vida devota, temente a Deus, regida pelas leis da religião, uma vida semelhante às dos muçulmanos originais. À princípio, esse sistema de crença não difere muito do de outras seitas utópicas - se não fossem suas idéias relacionadas a guerra santa. Para tornar sua visão uma realidade, Abu Mustafa e seus homens estão dispostos a lutar - e estão dispostos a massacrar espectadores inocentes.
"Veja", diz Abu Mustafa, cuja barba desce ao seu peito, "haverá três possibilidades. Alguns encontrarão seu caminho ao Islã. Aqueles que não quiserem se converter poderão viver em paz sob a autoridade do Islã". Mas para aqueles que não quiserem aceitar a hegemonia do Islã, a guerra santa é a única receita. "Então teremos que lutar - assim como nossos irmãos do 11 de Setembro", diz Abu Mustafa.
Os ataques contra Nova York e Washington, D.C., há sete anos foram uma resposta ao desprezo pelo Islã por parte do mundo ocidental, ele diz. "Se os muçulmanos são atacados em qualquer parte do mundo, é preciso reagir, não importa onde." O Islã salafista é como um gato, ele diz. "Ele é muito amigável, mas se é atacado, ele se transforma em um tigre."
O verdadeiro Islã
"Nós nos sentimos como a Al Qaeda e pensamos como ela", diz Abu Mustafa. Ele não diz se tem contato com o grupo terrorista de Osama Bin Laden, mas diz vagamente que é "uma possibilidade". Ele também se esquiva da pergunta sobre se estrangeiros ingressaram no movimento salafista na Faixa de Gaza.
Abu Mustafa não gosta de falar com jornalistas. Ainda é arriscado para o grupo sair do esconderijo, já que o Hamas - o grupo islâmico palestino que controla a Faixa de Gaza - vê os salafistas com suspeita. Ambos os grupos alegam representar o verdadeiro Islã, e ambos competem pelos mesmos seguidores. O fato de Abu Mustafa ter finalmente concordado em dar uma entrevista para a "Spiegel Online" se deve à gratidão, ele diz. "Eu devo muito aos alemães", ele explica em seu alemão lento e cuidadoso.
Abu Mustafa tem um diploma pela Universidade de Saarbrücken, no extremo oeste da Alemanha. Por sete anos, até 2000, ele estudou engenharia mecânica e levou uma existência praticamente normal de estudante. Ele trabalhava temporariamente para uma empresa de mudanças ou em construções, e às vezes cozinhava especialidades palestinas para outros estudantes que viviam no dormitório. "Eu sinto saudades da Alemanha", ele diz. Ele até usa o Google Earth para ver a rua onde morava e o café onde costumava comer.
Ele explica que era aceito na Alemanha e considerava as pessoas lá bastante amistosas. Os únicos problemas surgiam quando encontrava mulheres pouco vestidas ou colegas estudantes que passavam grande parte do tempo em clubes e bares. Ele diz que essas experiências o fizeram se aprofundar ainda mais em suas crenças. "Seria melhor para aquelas pessoas se seguissem o Islã puro", ele diz. "Nós vamos tentar levar a fé a elas."
O salafista alerta que a Alemanha, ao apoiar Israel e participar em operações no Afeganistão, é um alvo claro para seus companheiros islamitas. Ele diz que ele pessoalmente nunca atacaria seu "segundo lar", mas alerta que "a Alemanha deve temer um ataque".
Luta pela influência global
Os salafistas da Faixa de Gaza ganharam atenção mundial em março de 2007, quando os jihadistas da Jaish al-Islam (Exército do Islã) seqüestraram o jornalista Alan Johnston da BBC, que trabalhava na Faixa de Gaza. O grupo é uma pequena facção entre os salafistas. Eles mantiveram Johnston refém por quatro meses, ameaçando matá-lo e mostrando imagens dele vestindo um cinturão suicida. Abu Mustafa diz ter sido uma tática legítima na luta em prol do Islã. "Não foi nada pessoal. Foi uma mensagem ao Ocidente de que devem libertar os muçulmanos aprisionados." Por ora, ele acrescenta de modo tranqüilizador, jornalistas estrangeiros não correm risco na Faixa de Gaza.
De fato, diz Abu Mustafa, ele e seus companheiros de armas compreendem que precisam ser pacientes. Há um longo caminho a seguir antes que possam iniciar sua luta pela influência global. Primeiro, eles precisam cuidar de um inimigo mais próximo de casa: o Hamas.
Até o momento, o Hamas tem feito o que pode para manter os salafistas sob controle. Eles sabem que os ultra-radicais estão apenas esperando para tomar a posição de liderança do Hamas. "Eles são traidores", diz Abu Mustafa sobre o Hamas. "Comparado conosco, eles são o islamismo light."
Todavia, ele está disposto a ser misericordioso. "Para muitas pessoas em Gaza, o Hamas personificava a promessa de um bom estilo de vida islâmico", diz Abu Mustafa. Mas assim que o grupo chegou ao poder na Faixa de Gaza há um ano, muitos ficaram decepcionados. Dentre os 10 desertores que telefonam a cada dia para ele, muitos deles são combatentes do Hamas, segundo ele. "São homens durões e possuem conhecimento interno. Eles serão muito úteis caso ocorra uma disputa de poder."
O maior pecado do grupo, diz Abu Mustafa, que também é pai de dois filhos, é seu esforço para unir o Islã e a democracia. "O Hamas representa um estilo americano de Islã. Eles tentaram uma bajulação." O que não é algo ruim para Abu Mustafa e seus salafistas. "O Hamas é como um bloco de gelo no sol", ele diz. "A cada minuto ele fica menor - e ficamos maiores."
A perna quebrada de Abu Mustafa e as cicatrizes em sua mão direita são resultado de um ataque de foguete israelense. Em janeiro, ele e alguns poucos companheiros dispararam foguetes contra o território israelense. Depois, enquanto seguiam para casa, um míssil israelense os atingiu.
Quatro homens ficaram feridos e um, como diz Abu Mustafa, se tornou um mártir. O fato de sua perna ainda doer seis meses depois é algo que ele suporta com estoicismo. "Não é importante como alguém se sente nesta vida, mas sim se entrará no paraíso ou no inferno após a morte", ele diz.
Por sua vez, Abu Mustafa diz não ter medo da morte. Ele afirma não estar combatendo por coisas terrenas. E ele espera tombar na luta por suas crenças.
"Por outro lado", ele diz enquanto voltava com dificuldade para seu carro, "eu adoraria ver minha filha casada. Quem sabe ela se casará primeiro e depois me tornarei um mártir".
Tradução: George El Khouri Andolfato
Troca de prisioneiros com o Hizbollah é delicada para Israel (Der Spiegel, 17/07/2008)
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