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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quarta-feira, 16 de julho de 2008

Para analista, troca de prisioneiros é "falha estratégica" de Israel

FERNANDO SERPONE

da Folha Online, em 16/07/2008.


A troca de prisioneiros com o grupo radical xiita Hizbollah, baseado no Líbano, realizada nesta quarta-feira, representa uma "grande falha estratégica" do governo de Israel", na opinião de Ely Karmon, pesquisador sênior do Instituto para Contra-Terrorismo de Israel.


"Deveria haver uma estratégia clara do governo sobre qual é o preço para libertar soldados, e claramente, para conseguir corpos em troca da libertação de terroristas responsáveis pelo assassinato de dezenas de pessoas", disse Karmon, PhD em Ciências Políticas pela Universidade de Haifa, em entrevista por telefone à Folha Online nesta terça-feira.

Para o especialista, como não há uma "estratégia clara" por parte do governo, o acordo irá tornar ainda mais difícil a libertação do soldado israelense Gilad Shalit, seqüestrado em 2006 pela organização radical palestina Hamas, que controla a faixa de Gaza. "O Hamas será ainda mais duro para negociar, mesmo que eles já estejam duros no preço que pedem: dezenas de terroristas que mataram centenas de israelenses, autores dos piores ataques da Segunda Intifada, pessoas que mataram 20 ou 30 pessoas em um ataque", diz Karmon.

Segundo o analista o acordo -- que ocorre após Israel realizar uma guerra, em 2006, para tentar libertar, sem êxito, os soldados, e que resultou na morte de 134 israelenses, entre civis e militares-- também fortaleceria o Hizbollah, tanto no Líbano quanto entre os palestinos, já que um famoso prisioneiro libanês e vários palestinos serão libertados. Além disso, ele critica o fato de o acordo foi fechado antes que se soubesse nem mesmo se os dois militares estavam vivos ou mortos.

Autor de "Coalitions of Terrorist Organizations: 1968-1990" ("Coalizões de Organizações Terroristas: 1968-1990"), Karmon vê ainda como um "erro" Israel ter tomado apenas quatro membros do Hizbollah como prisioneiros durante a guerra. "No passado, Israel fez milhares de prisioneiros na Síria, Egito e Jordânia. O Exército de Israel não se esforçou em conseguir prisioneiros, em ter moedas de barganha para negociar com o Hizbollah", diz.

O acordo --aprovado pelo gabinete de Israel por 22 votos a favor e apenas três contra-- resultou na entrega dos restos mortais dos reservistas Ehud Goldwasser e Eldad Regev, em troca da libertação de quatro integrantes do Hizbollah e do terrorista Samir Kuntar.

Israel também devolverá ao Líbano os restos mortais de 190 integrantes do Hizbollah e de outros libaneses que morreram em diversas circunstâncias enquanto cruzavam a fronteira. O governo israelense entregará ainda à Autoridade Nacional Palestina (ANP) os corpos de membros de diversas organizações palestinas mortos nas últimas décadas.

O pacto foi mediado por negociadores apontados pela ONU e envolve ainda o envio de um relatório sobre um militar israelense desaparecido no Líbano em 1986, em troca de um relatório sobre diplomatas iranianos que também desapareceram durante a guerra civil libanesa.

Leia a seguir a íntegra da entrevista:

Folha Online - É a primeira vez que Israel troca prisioneiros por corpos?
Ely Karmon - Não. Na última [troca] feita pelo (ex-premiê israelense) Ariel Sharon, havia um prisioneiro, acusado de ter promovido a sua própria prisão e três corpos de soldados mortos pelo Hizbollah. Na ocasião, o preço que Israel pagou foi muito alto. Além de dois importantes membros de organizações xiitas, outros prisioneiros palestinos também foram libertados. Mas o problema com a troca atual é que ela ocorre após uma guerra que Israel fez a fim de libertar os dois soldados. E, nessa guerra, Israel teve 134 mortos, entre civis e militares. E, no final, paga um preço --que talvez não seja tão alto em uma troca, tento quatro ou cinco terroristas libertados-- mas nos âmbitos simbólico, psicológico e político, é um grande prêmio para [o líder do Hizbollah, Hassan] Nasrallah após a guerra, na qual Israel não conseguiu libertar os prisioneiros. E, pela forma que a negociação foi conduzida, não se sabia até o último momento se os soldados estavam vivos ou mortos, o que eu vejo como um grande erro do governo de Israel e da equipe negociadora.
Há também o fato de que provavelmente liberaremos dezenas de palestinos, apesar de o governo dizer que os palestinos serão libertados em desagravo ao secretário-geral das Nações Unidas (Ban ki-Moon). Mas está claro que o Hizbollah levará o crédito por isso, aumentando a influência da milícia libanesa entre os palestinos. E também complica a libertação dos soldados de Israel nas mãos do Hamas. Por isso, vejo essa troca como uma grande falha estratégica do governo israelense. O Hizbollah irá aparecer como o "libertador" do povo palestino e libanês. Samir Kuntar, que será libertado, não é um membro do Hizbollah, era um terrorista de organizações palestinas. E ele é druso, o que terá influência na comunidade drusa no Líbano, que é dividida entre simpatizantes e opositores do Hizbollah.

Folha Online - Então essa troca não irá ajudar a libertar Shalit?
Karmon - Provavelmente irá aumentar o valor [da troca]. O Hamas será ainda mais duro para negociar, embora eles já estejam sendo duros no preço que pedem: dezenas de terroristas que mataram centenas de israelenses, autores dos piores ataques da Segunda Intifada, pessoas que mataram 20, 30 pessoas com um ataque. Agora, o Hamas tem o exemplo fornecido pelo Hizbollah a seguir. Em entrevistas à imprensa, os membros do Hamas se mostram felizes com o que houve, porque dá mais espaço para demandas a Israel.

Folha Online - Por que Israel decidiu aprovar o acordo?
Karmon - Na troca realizada por Sharon há alguns anos, a maior parte da opinião pública era contra. Mas ele a fez, apesar da pressão. Hoje, a imprensa israelense é muito favorável a essa troca, assim como parte da população e os militares. Esse é um processo que começou com o primeiro seqüestro de soldados, após Israel se retirar do Líbano, em maio de 2000. Houve uma falta de reação do governo de Israel (ao seqüestro), em outubro de 2000. Então, houve a troca feita por Sharon, e os fracos resultados da Guerra do Líbano, em 2006. Há ainda o fato de que quase não fizemos prisioneiros oficiais --Israel praticamente fez quatro guerrilheiros prisioneiros. No passado, Israel fez milhares de prisioneiros na Síria, Egito e Jordânia. Agora temos quatro. O Exército de Israel não se esforçou em conseguir prisioneiros, em ter moedas de barganha, para negociar com o Hizbollah.

Folha Online - O sr. crê que essa negociação possa mudar as relações entre Israel e o Líbano?
Karmon - Não. O premiê [Fuad] Siniora já declarou que essa é uma grande vitória para o Hizbollah e o Líbano. E o novo presidente do Líbano, general (Michael) Suleiman, conhecido general cristão pró-Síria, em uma conferência há dois dias, indicou que irá demandar as Fazendas de Shaba de volta. A região é um pequeno território que era ocupado pela Síria, e eles dizem agora que é território libanês. O Hizbollah ocasionalmente ataca Israel por causa desse território. Agora, o novo presidente indicou que, se Israel não devolver esse território, eles irão liberá-lo pela força. Esse é o resultado da fraqueza de Israel nas negociações com o Hizbollah.

Folha Online - O sr. crê que essa troca possa fortalecer o premiê israelense e seu governo?

Karmon - Não. Em termos políticos, eles mostraram sua fraqueza. Talvez, em outras condições, ele poderia usar isso para se beneficiar, mas hoje ele não está em posição para ganhar pontos sobre isso, principalmente, porque os soldados devem estar mortos. Ao ver os corpos chegando amanhã (quarta-feira) à nossa fronteira, acho que as pessoas irão entender que foi um preço alto. Eu entendo as famílias e pais daqueles que foram mortos, que tem o interesse em ver suas crianças de volta pra casa, mesmo que estejam mortos. Para enterrá-los em cerimônia com toda família e amigos. Mas há um grau de interesse estratégico no plano político, mesmo entre os militares. Os militares dizem "devemos trazer de volta, a qualquer preço, um soldado, pois ele é enviado para lutar e tem o direito de ser trazido de volta pelo Estado. O problema é que as decisões --iniciadas há muito tempo-- sobre como se comportar "vis-a-vis" com o Hizbollah, como se comportar com o Líbano, têm sido errôneas. Essa é a situação atual, que irá piorar a situação em um futuro próximo.

A troca atual irá diminuir nosso poder de barganha com o Hamas e outros grupos. Se houver novos seqüestros de soldados, como poderemos dizer aos soldados. "Não podemos liberá-los porque decidimos parar com essa seqüência de acontecimentos?" Isso já devia ter sido pensado há anos atrás, e deveria haver uma estratégia clara do governo sobre qual é o preço para libertar soldados, e claramente, para conseguir corpos em troca da libertação de terroristas responsáveis pelo assassinato de dezenas de pessoas.


Folha Online - Segundo a religião judaica você deve ter o corpo para provar a morte?

Karmon - Não é para provar, você pode provar mesmo se você sabe que há um corpo na mão dos inimigos. Há um aspecto religioso que diz que temos de fazer tudo o que podemos para libertar prisioneiros. Mas, novamente, você deve pensar nas conseqüências, e na influência que isso tem nas famílias dos que morreram com o terrorismo. Há várias famílias que foram vítimas de terrorismo nesse país, não apenas as que foram seqüestradas pelo Hizbollah ou pelo Hamas, mas aqueles que tiveram civis e militares mortos nessa guerra.

Há pessoas, inclusive no alto escalão do governo, que aceitam esse preço. Mas, eu acho que, nesse caso, as considerações políticas foram mais altas que o interesse estratégico do país a longo prazo.


Folha Online - Cria-se um precedente perigoso...

Karmon - O precedente irá continuar. Após um acordo negativo, iremos a outro.

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