da Folha Online, em 16/07/2008.
A troca de prisioneiros com o grupo radical xiita Hizbollah, baseado no Líbano, realizada nesta quarta-feira, representa uma "grande falha estratégica" do governo de Israel", na opinião de Ely Karmon, pesquisador sênior do Instituto para Contra-Terrorismo de Israel.
"Deveria haver uma estratégia clara do governo sobre qual é o preço para libertar soldados, e claramente, para conseguir corpos em troca da libertação de terroristas responsáveis pelo assassinato de dezenas de pessoas", disse Karmon, PhD
Ely Karmon - Não. Na última [troca] feita pelo (ex-premiê israelense) Ariel Sharon, havia um prisioneiro, acusado de ter promovido a sua própria prisão e três corpos de soldados mortos pelo Hizbollah. Na ocasião, o preço que Israel pagou foi muito alto. Além de dois importantes membros de organizações xiitas, outros prisioneiros palestinos também foram libertados. Mas o problema com a troca atual é que ela ocorre após uma guerra que Israel fez a fim de libertar os dois soldados. E, nessa guerra, Israel teve 134 mortos, entre civis e militares. E, no final, paga um preço --que talvez não seja tão alto em uma troca, tento quatro ou cinco terroristas libertados-- mas nos âmbitos simbólico, psicológico e político, é um grande prêmio para [o líder do Hizbollah, Hassan] Nasrallah após a guerra, na qual Israel não conseguiu libertar os prisioneiros. E, pela forma que a negociação foi conduzida, não se sabia até o último momento se os soldados estavam vivos ou mortos, o que eu vejo como um grande erro do governo de Israel e da equipe negociadora.
Há também o fato de que provavelmente liberaremos dezenas de palestinos, apesar de o governo dizer que os palestinos serão libertados em desagravo ao secretário-geral das Nações Unidas (Ban ki-Moon). Mas está claro que o Hizbollah levará o crédito por isso, aumentando a influência da milícia libanesa entre os palestinos. E também complica a libertação dos soldados de Israel nas mãos do Hamas. Por isso, vejo essa troca como uma grande falha estratégica do governo israelense. O Hizbollah irá aparecer como o "libertador" do povo palestino e libanês. Samir Kuntar, que será libertado, não é um membro do Hizbollah, era um terrorista de organizações palestinas. E ele é druso, o que terá influência na comunidade drusa no Líbano, que é dividida entre simpatizantes e opositores do Hizbollah.
Karmon - Provavelmente irá aumentar o valor [da troca]. O Hamas será ainda mais duro para negociar, embora eles já estejam sendo duros no preço que pedem: dezenas de terroristas que mataram centenas de israelenses, autores dos piores ataques da Segunda Intifada, pessoas que mataram 20, 30 pessoas com um ataque. Agora, o Hamas tem o exemplo fornecido pelo Hizbollah a seguir. Em entrevistas à imprensa, os membros do Hamas se mostram felizes com o que houve, porque dá mais espaço para demandas a Israel.
Karmon - Na troca realizada por Sharon há alguns anos, a maior parte da opinião pública era contra. Mas ele a fez, apesar da pressão. Hoje, a imprensa israelense é muito favorável a essa troca, assim como parte da população e os militares. Esse é um processo que começou com o primeiro seqüestro de soldados, após Israel se retirar do Líbano, em maio de 2000. Houve uma falta de reação do governo de Israel (ao seqüestro), em outubro de 2000. Então, houve a troca feita por Sharon, e os fracos resultados da Guerra do Líbano, em 2006. Há ainda o fato de que quase não fizemos prisioneiros oficiais --Israel praticamente fez quatro guerrilheiros prisioneiros. No passado, Israel fez milhares de prisioneiros na Síria, Egito e Jordânia. Agora temos quatro. O Exército de Israel não se esforçou em conseguir prisioneiros, em ter moedas de barganha, para negociar com o Hizbollah.
Karmon - Não. O premiê [Fuad] Siniora já declarou que essa é uma grande vitória para o Hizbollah e o Líbano. E o novo presidente do Líbano, general (Michael) Suleiman, conhecido general cristão pró-Síria, em uma conferência há dois dias, indicou que irá demandar as Fazendas de Shaba de volta. A região é um pequeno território que era ocupado pela Síria, e eles dizem agora que é território libanês. O Hizbollah ocasionalmente ataca Israel por causa desse território. Agora, o novo presidente indicou que, se Israel não devolver esse território, eles irão liberá-lo pela força. Esse é o resultado da fraqueza de Israel nas negociações com o Hizbollah.
Karmon - Não. Em termos políticos, eles mostraram sua fraqueza. Talvez, em outras condições, ele poderia usar isso para se beneficiar, mas hoje ele não está em posição para ganhar pontos sobre isso, principalmente, porque os soldados devem estar mortos. Ao ver os corpos chegando amanhã (quarta-feira) à nossa fronteira, acho que as pessoas irão entender que foi um preço alto. Eu entendo as famílias e pais daqueles que foram mortos, que tem o interesse em ver suas crianças de volta pra casa, mesmo que estejam mortos. Para enterrá-los em cerimônia com toda família e amigos. Mas há um grau de interesse estratégico no plano político, mesmo entre os militares. Os militares dizem "devemos trazer de volta, a qualquer preço, um soldado, pois ele é enviado para lutar e tem o direito de ser trazido de volta pelo Estado. O problema é que as decisões --iniciadas há muito tempo-- sobre como se comportar "vis-a-vis" com o Hizbollah, como se comportar com o Líbano, têm sido errôneas. Essa é a situação atual, que irá piorar a situação em um futuro próximo.
A troca atual irá diminuir nosso poder de barganha com o Hamas e outros grupos. Se houver novos seqüestros de soldados, como poderemos dizer aos soldados. "Não podemos liberá-los porque decidimos parar com essa seqüência de acontecimentos?" Isso já devia ter sido pensado há anos atrás, e deveria haver uma estratégia clara do governo sobre qual é o preço para libertar soldados, e claramente, para conseguir corpos em troca da libertação de terroristas responsáveis pelo assassinato de dezenas de pessoas.
Folha Online - Segundo a religião judaica você deve ter o corpo para provar a morte?
Karmon - Não é para provar, você pode provar mesmo se você sabe que há um corpo na mão dos inimigos. Há um aspecto religioso que diz que temos de fazer tudo o que podemos para libertar prisioneiros. Mas, novamente, você deve pensar nas conseqüências, e na influência que isso tem nas famílias dos que morreram com o terrorismo. Há várias famílias que foram vítimas de terrorismo nesse país, não apenas as que foram seqüestradas pelo Hizbollah ou pelo Hamas, mas aqueles que tiveram civis e militares mortos nessa guerra.
Há pessoas, inclusive no alto escalão do governo, que aceitam esse preço. Mas, eu acho que, nesse caso, as considerações políticas foram mais altas que o interesse estratégico do país a longo prazo.
Folha Online - Cria-se um precedente perigoso...
Karmon - O precedente irá continuar. Após um acordo negativo, iremos a outro.
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