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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A demografia se transformou em uma questão existencial para Israel

Os candidatos à sucessão de Olmert compartilham sua obsessão por manter um Estado de maioria judia

El País, em 06/08/2008.
Ana Carbajosa,
Em Jerusalé
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O primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, está de saída. Dentro de poucos meses deixará o governo, derrubado por um dos inúmeros escândalos de corrupção que acumula. Olmert sai, mas permanece sua crença de que Israel não será um Estado viável no dia em que os palestinos forem maioria tanto dentro de suas fronteiras quanto nos territórios ocupados. Os políticos que disputam para suceder Olmert compartilham com ele a crença de que as projeções demográficas, que refletem um forte crescimento da população árabe junto a uma queda do número de emigrantes judeus que chegam anualmente à "terra prometida" para ficar, ditarão as políticas que serão adotadas nessa região do planeta.

Na demografia, como em quase tudo, Israel é um caso único. É um país que em 60 anos quintuplicou sua população. Hoje conta com pouco mais de 7 milhões de habitantes, contra os 650 mil que nele viviam em 1948, data da fundação do Estado. O crescimento vertiginoso foi possível graças a uma alta natalidade e ao desembarque de 3 milhões de judeus, 1 milhão deles procedentes da antiga União Soviética. A mudança que se aproxima poderia ter a mesma rapidez que no passado, só que desta vez contrária aos interesses do projeto sionista, segundo advertem os demógrafos e começam a mostrar as estatísticas.

Por um lado, são cada vez menos os judeus que fazem "aliya", ou emigram para Israel: 2007 foi o primeiro ano desde 1989 em que o número de imigrantes judeus não superou os 20 mil. E por outro a população árabe dentro das fronteiras do Estado de Israel, assim como em Gaza e na Cisjordânia, cresce em velocidade duas vezes maior que a judia. Sergio Della Pergola, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e uma autoridade na matéria, explica que enquanto os judeus têm em média 2,7 filhos os palestinos - dentro e fora de Israel - beiram os 4 filhos em média. "Isso indica que daqui a cerca de 20 anos a população árabe que vive dentro de Israel alcançará 30% (contra os 20% atuais). Uma nação com uma minoria de 30% já não é uma sociedade unitária, é binacional", afirma Della Pergola.

Mas os políticos israelenses se preocupam com as estatísticas que se referem não só à evolução demográfica dentro das fronteiras do Estado de Israel, mas nos 28 mil quilômetros quadrados que separam o Mediterrâneo do rio Jordão ou, o que é o mesmo, a Palestina do mandato britânico. Se somarmos os habitantes de Gaza e Cisjordânia ao 1,5 milhão de árabes que vivem em Israel, e os compararmos com o número de judeus israelenses, a diferença resultante é mínima. "Mas se levarmos em conta a avidez com que a população árabe cresce, logo serão mais", acrescenta Della Pergola.

Foram esses números que fizeram disparar todos os alarmes entre a classe política, tanto à esquerda como à direita, e o que levou alguns deles, incluindo Olmert, a perceber que a criação de um Estado palestino não é nenhuma dádiva, mas a via para a sobrevivência do projeto sionista. A demografia se transformou em uma questão existencial, como há anos Sharon defenderia para justificar a retirada de Gaza de 2005 e como não se cansou de repetir o primeiro-ministro de saída. Porque Olmert afirma que no dia em que o número de árabes superar o de judeus a existência do Estado de Israel estará em risco diante da impossibilidade - mesmo que seja só de um ponto de vista democrático - de submeter a ocupação uma população que constitui uma maioria.

"Se chegar o dia em que a solução de dois Estados (um israelense e um palestino) fracassar, e formos obrigados a enfrentar uma luta pela igualdade de direitos no estilo sul-africano; no dia em que isso ocorrer o Estado de Isabel estará acabado", afirmou Olmert em Washington no último dia da conferência de Anápolis, que deverá desembocar na criação de um Estado palestino. Yossi Beilin, do esquerdista Meretz, compartilha com os demais partidos a preocupação: "Uma minoria de judeus dominando uma maioria palestina seria como o regime sul-africano. O mundo não toleraria".

Os aspirantes à sucessão de Olmert também analisam o conflito do Oriente Médio e suas possíveis soluções pelo prisma demográfico. "Para os três (Tzipi Livni, Benjamin Netanyahu e Shaul Mofaz) constitui uma questão crucial", diz Arnon Soffer, o profeta da "ameaça demográfica árabe", catedrático de geoestratégia da Universidade de Haifa e uma referência para a direita israelense. Livni, Netanyahu e Mofaz passaram por suas aulas e se deixaram embeber pelas temerosas previsões de Soffer. Netanyahu, à frente do direitista Likud e na liderança, segundo algumas pesquisas, chegou inclusive a pedir a Soffer que lhe desse 20 aulas particulares e ainda telefona para ele com freqüência para consultá-lo sobre a questão demográfica. "Trata-se de preservar o Estado judeu, e para isso é preciso retirar-se da Cisjordânia", diz Soffer, que defende o desmonte dos assentamentos na Cisjordânia nos quais vivem 250 mil colonos - sem contar outros 250 mil em Jerusalém Leste. Sua tese lhe custou sonoros choques com os partidos religiosos, que acreditam ter direito a se assentar em toda a "terra prometida". Não são poucos os políticos de centro-direita israelense que se apropriaram de sua tese.

E são esses pensamentos que ocupam a mente dos políticos israelense quando se sentam para negociar com os palestinos. Esses e, como explica Calev Ben-Dor, analista do Reut, um grupo de pensadores de Tel Aviv, saber que o tempo joga contra Israel e a favor dos palestinos do ponto de vista demográfico. "Na medida em que o tempo passa diminuem as possibilidades para Israel conseguir um bom acordo." E explica que no Oriente Médio ocorre hoje o paradoxo de que enquanto a classe política israelense defende cada vez com mais força a solução de dois Estados os palestinos, políticos e intelectuais, falam cada vez mais em um só. Um Estado no qual conviveriam israelenses e palestinos.

Mas se a classe política israelense tem tanta necessidade e tanta urgência de alcançar um acordo que leve à criação de um Estado palestino, ou de pelo menos definir fronteiras definitivas, por que não só isso não acontece como também fatos como a expansão dos assentamentos apontam em direção contrária? Porque, como diz Ben-Dor, uma coisa é estar até de acordo com a criação de um Estado palestino, "e outra que haja consenso em que fronteiras deve ter, o que fazer com Jerusalém ou com os refugiados". E Beilin arremata: "Reconhecer que existe um problema não é suficiente para solucioná-lo. Todos sabemos que o status quo é insustentável e que é preciso avançar para a divisão; a questão é se temos líderes dispostos a fazer isso".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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