Jornal do Brasil, Caderno B, página B 2, em 05/08/2008 – Leila Richers, Especial para o JB, em Jerusalém - Com a exibição de Tropa de elite, de José Padilha, a abertura da oitava edição do Festival de Cinema Brasileiro em Israel - sábado à noite, na Cinemateca de Tel Aviv- teve direito a um conjunto de bossa nova, muita caipirinha e guaraná gelado. Antes da projeção, os cinéfilos mais desinibidos chegaram a tentar alguns passos desengonçados de samba. Depois, como já aconteceu em vários países, o longa de Padilha dividiu opiniões. Muitos já tinham visto o trailer que apresenta o Rio de janeiro como "a cidade mais violenta do mundo", mas isso não diminuiu entre os israelenses o impacto da estréia. No fim, metade da platéia aplaudia com entusiasmo, enquanto a outra parte demonstrava clara contrariedade.
Yael Goren, de 22 anos, que acaba de dar baixa do serviço militar e foi à sessão com a mãe, Nimra Goren, advogada de 55 anos, sabia que o filme era violento, e mesmo assim sentiu dificuldade para ficar até o fim da projeção. A jovem conta que sempre quis conhecer o Brasil, porém não acredita que se sentiria segura num lugar onde a polícia atua com tamanha truculência:
-Aqui em Israel é diferente. Muitas vezes ando de ônibus ao lado de um soldado com a metralhadora encostada na minha perna. Mas sei que ele é muito bem treinado e só usaria a arma para me defender.
Heror Cohen, estudante de cinema na Universidade de Tel Aviv, gostou do filme e fez um paralelo entre a situação do Rio atual e o holocausto dos judeus na Segunda Guerra Mundial:
- Ainda é muito forte entre nós a memória de uma época, como a dos meus avós, que morreram na Alemanha entre 1944 e 1945, em que a vida humana não valia nada. Assim como acontece hoje com vocês.
Tropa também foi selecionado para a sessão inaugural, ontem, da Cinemateca de Jerusalém - um belo prédio com quatro salas de projeção, restaurante e um café. O coquetel de abertura foi nos jardins da Cinemateca, de frente para a muralha da Cidade Antiga, para um público mais formal do que o de Tel Aviv, com menos jovens na platéia. Mesmo assim, muitos ficaram para o debate com o ator André Ramiro (o tenente Matias do filme) que se seguiu à projeção.
Pelas perguntas, foi possível perceber que os israelenses ficaram muito impressionados com o fato de policiais envolvidos em corrupção e abuso de poder não serem devidamente punidos. Outros queriam saber se no Rio existe um monumento às vítimas da violência. Os brasileiros, em maioria na platéia do debate, mostraram-se indignados com a péssima imagem do Brasil que filmes com a mesma temática do longa de José Padilha divulgam no exterior.
Ao fim do debate, na saída da Cinemateca, ainda havia quem quisesse continuar a discutir o filme. Numa roda de amigos, Netanel, empresário de 28 anos que não quis revelar o sobrenome, dizia ver os traficantes como terroristas que precisam ser eliminados da sociedade. Para ele, é inevitável que haja vítimas inocentes nessa guerra:
-Quando atuava no Exército de Israel e combatia o terrorismo, ficava muito impressionado. Eu continuava a "ver" os rostos dos inocentes mortos no conflito por meses. Mas você acha que podemos deixar os terroristas agirem?
A pergunta pairou por alguns segundos no ar, até que o próprio Netanel continuou, dessa vez contando que a coisa que mais o impressiona é saber que, apesar de tudo, o Brasil é um lugar de pessoas felizes. Disse ainda se lembrar da dança de Ronaldinho Gaúcho para comemorar os gols no Barcelona e terminou levantando outra questão difícil de responder:
-Como essas pessoas podem. Viver tão contentes rodeadas de tanta pobreza e violência? Como essas duas coisas podem vir juntas?
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