É uma rua reservada para pedestres, imprensada entre as duas estações rodoviárias de Tel-Aviv. Agências de câmbio, lanchonetes que vendem "shawarma" (sanduíches típicos à base de carne), cabeleireiros especializados nos cortes de tipo "afro", e lojas de equipamentos de telefonia estão enfileirados numa extensão de 300 metros de asfalto em mau estado, numa rua coberta por embalagens gordurosas jogadas ali pelos usuários. Nesta área, não há nenhum surfista estilizado, e tampouco qualquer jovem executivo apressado. Invadido pela cacofonia das buzinas e pelos gases de escapamento dos microônibus, o bairro de Neve Sha'anan há muito foi desertado pela fauna antenada de Tel-Aviv. Aqui, vivem aqueles que foram deixados para trás pelo crescimento econômico israelense, os marginais de toda laia. E, num movimento que vem ocorrendo há um ano, também moram aqui milhares de refugiados, oriundos em sua maioria do Sudão e da Eritréia, os quais conferem a este lugar uma aura improvável de "Little Africa" (Pequena África).
Ismail Ahmed é um desses imigrantes recém-chegados. Este pai de família bonachão que aparenta ter 40 anos é um sobrevivente dos massacres do Darfur. Ele abriu no início de abril um pequeno cibercafé. Nele, as crianças sudanesas costumam reunir-se para intermináveis partidas de videogames on-line. À noite, Ismail dá aulas de inglês e de informática para os seus pais. À medida que ele vai sendo bem-sucedido, Ismail se prepara para renovar seu parque de computadores. Na vitrine do café, ele dependurou uma grinalda de bandeiras cunhadas com a estrela de Davi. Ele assim fez para expressar o seu profundo reconhecimento pelo seu país de adoção. As bandeirinhas são as testemunhas do percurso inesperado que ele efetuou no espaço de um ano.
Foi no dia 1º de julho de 2007 que Ismail pisou pela primeira vez o solo de Israel, junto com a sua mulher Halima e seus quatro filhos. "Faltavam quinze para as 11h da manhã, precisamente", diz. Após uma caminhada extenuante de sete horas pelo deserto do Sinai, a família havia conseguido enganar a vigilância das tropas egípcias e encontrar um caminho para transpor a cerca de arame-farpado que marca a fronteira com o Estado judaico. "Nós empreendemos a viagem a partir do Cairo, amontoados na traseira da picape do nosso passador beduíno; todos nós tínhamos um cobertor sobre a cabeça", conta Ismail. Após terem descansado durante 24 horas num acampamento a pouca distância da fronteira, e após terem enfrentado uma derradeira caminhada por uma trilha de cascalho, os refugiados avistam finalmente o alvo que tanto almejavam.
"Havia um barranco de cerca de 60 metros de comprimento, completamente a descoberto", prossegue. "Nós deixamos para trás todos os nossos apetrechos, até mesmo as garrafas de água. O guia nos disse que caso ouvíssemos disparos de armas, era preciso mesmo assim continuar correndo. Nós fizemos uma breve oração, eu peguei uma das crianças, coloquei-a sobre as minhas costas, segurei outra pela mão, e começamos a correr em disparada. Cinco minutos mais tarde, estávamos num caminho de areia, do outro lado da fronteira. Deliberadamente, nós fizemos questão de deixar as marcas dos nossos passos. Uma hora mais tarde, um jipe do exército israelense apareceu e os soldados nos deram carona. Estávamos a salvo".
Da mesma forma que Ismail e sua família, milhares de africanos se infiltraram em Israel nestes últimos meses. A antena do Alto-Comissariado para os refugiados em Tel-Aviv recenseou cerca de 4.000 eritreus e 3.500 sudaneses. Até então, a maioria dentre eles vivia no Cairo. Quase todos são opositores do regime de Asmara, que impõe com mão de ferro na Eritréia um socialismo autoritário à cubana; ou ainda, sobreviventes do sul do Sudão ou do Darfur, onde os janjawids, milicianos a cavalo a serviço da ditadura de Cartum, espalham o terror. As reportagens que o fotógrafo e jornalista Yonathan Weitzman realizou de agosto de 2006 a agosto de 2008 documentam a chegada caótica desses imigrantes a Israel, desde a perigosa passagem da fronteira até o momento em que eles são acolhidos pelas autoridades. Estas, por sua vez, não sabiam ao certo se elas deviam decretar sua detenção, sua recondução até a fronteira, ou fornecer-lhes uma autorização para residência temporária.
As soluções que elas estudaram para o problema foram mudando à medida que o afluxo de refugiados foi se tornando mais amplo. Na origem do fenômeno estava a repressão sangrenta de uma manifestação, pela polícia egípcia, no Cairo, em dezembro de 2005, que havia provocado a morte de 27 pessoas. De um dia para o outro, centenas de famílias tomaram a decisão de fugirem para Israel. Considerados como os súditos de um "país inimigo", os refugiados sudaneses foram inicialmente encarcerados.
Contudo, diante da população excessiva nas prisões, e frente à pressão da opinião pública, comovida pelos relatos de "genocídio" no Darfur, as autoridades locais foram obrigadas a libertar uma parte dos refugiados. Os felizes eleitos se aproveitaram então da situação para conseguirem emprego nos kibutz ou nos hotéis de Eilat, uma cidade de veraneio no mar Vermelho. Essa "sorte grande" acaba chegando aos ouvidos daqueles que haviam permanecido no Cairo que, por sua vez, empreendem a mesma viagem pelas trilhas do deserto do Sinai. Na esteira do movimento, congoleses, marfinenses e ganenses que procuram fugir da miséria do seu país, também resolvem arriscar sua sorte.
No verão de 2007, quando percebem que perderam todo controle sobre aquilo que um dos seus dirigentes qualifica de "tsunami humano", as autoridades de Israel resolveram tomar medidas mais drásticas. Uma construção anexa para a prisão de Ketziot, no meio do deserto do Neguev, foi construída às pressas. No mês de agosto, violando a Convenção das Nações Unidas sobre os refugiados da qual ele é signatário, o Estado judeu enviou de volta para o Egito, 48 refugiados que estavam pedindo asilo, em sua maioria foragidos do Darfur. A medida desencadeou na opinião uma indignação tão grande que ela incitou o governo a emitir um mês mais tarde autorizações para residência temporária, para 600 refugiados sudaneses.
Paralelamente, o primeiro-ministro Ehoud Olmert intimou o seu vizinho egípcio a não deixar passar mais ninguém pela sua fronteira. A mensagem foi bem recebida. Daqui para frente, as tropas que ocupam posições no Sinai passam a atirar em todo e qualquer indivíduo que tentar passar a fronteira. As autoridades do Cairo falam em 16 mortos desde o começo do ano, mas, segundo afirma Sigal Rozen, do Fórum para os direitos dos refugiados, "o número é de fato muito mais importante. Há cadáveres ao longo da fronteira que ninguém se habilita a recolher". Atualmente, o ritmo das chegadas diminuiu.
Da mesma forma que Ismail, os sudaneses de Israel se esforçam para construírem uma nova vida. Mas esta empreitada tem sido dificultada pelas hesitações do governo em relação à questão. "Ninguém aqui consegue compreender o que Israel pretende fazer ao certo", diz Mohyeddin Abdallah, o patrão de um pequeno café de Neve Sha'anan, que também é utilizado como hotel improvisado pelos sudaneses sem domicílio. "Até hoje, nenhuma decisão foi tomada a respeito do nosso estatuto". A esse respeito, o mais recente sinal que foi transmitido pelo governo não é nem um pouco tranqüilizador. O seu projeto de lei sobre "a prevenção das infiltrações" foi aprovado em primeira leitura pelos deputados da Knesset. Ele pune por meio da deportação ou com uma pena de cinco a sete anos de prisão toda pessoa que entrar ilegalmente em Israel. Daqui para frente, os que se habilitam a atravessar o deserto do Sinai sabem o que espera por eles.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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