A aldeia agrícola de Ghor Haditheh, situada no litoral do mar Morto, mais se parece com um campo de batalha depois de um bombardeio. Extensas rachaduras rasgam o solo. Dezenas de buracos profundos, de trinta metros de largura, parecem ter engolido os campos, as estradas, as casas. Em certos lugares o solo literalmente afunda sob os pés. Ainda assim, os camponeses continuam trabalhando, lavrando o que restou das suas terras, na espera da ajuda de Deus e da chegada do "Red-Dead" ("Vermelho-Morto"). A expressão designa um projeto colossal: a construção de um canal entre o mar Vermelho e o mar Morto, que permitiria salvar este último. Há décadas que eles esperam por ele. Agora, a sua construção está novamente na ordem do dia.
Com efeito, é a lenta asfixia do mar Morto que vem devastando suas margens. Desde os anos
A causa desta asfixia é visível e pode ser conferida a algumas dezenas de quilômetros de lá, à beira do rio Jordão. O curso de água que separa a Jordânia de Israel era a principal fonte de abastecimento do mar Morto. Dele pouca coisa sobrou. No lugar onde se presume que o Cristo foi batizado - um dos raros acessíveis para o público, uma vez que o rio é uma área militar -, os visitantes descobrem um pequeno riacho lamacento, de um verde opaco. A água está praticamente estagnada.
A vazão do rio Jordão alcançava 1,3 bilhão de m3 por ano, ainda durante os anos 1950. Hoje, ela diminuiu para 200 milhões. Nós estamos numa das regiões mais secas do mundo. Israel, a Síria e a Jordânia captam toda e qualquer gota de chuva antes que ela possa alcançar o rio. Eles assim procedem para irrigarem as lavouras e abastecerem as cidades. O aquecimento climático também contribui para diminuir ainda mais a sua vazão. Só restam para o Jordão as águas usadas que são derramadas em seu leito. Sem que eles saibam disso, os visitantes que piamente tocam a água do rio bíblico estão mergulhando suas mãos dentro de um esgoto.
Se nada for feito, o mar Morto terá desaparecido dentro de trinta anos. Segundo os ecologistas da organização Friends of the Earth Middle East (Amigos da Terra no Oriente Médio), seria preciso deixar que a água volte a escorrer no rio Jordão. "Afinal, não dá para acreditar que um rio que reveste uma tão grande importância na história da humanidade não seja objeto de maiores cuidados", se insurge Abdel Rahman Sultan, falando em nome desta ONG.
Contudo, as autoridades jordanianas afastaram esta hipótese, preferindo apostar na construção do "Red-Dead canal". Este projeto acaba de passar por uma etapa importante: estudos de factibilidade técnica e de impacto ambiental foram deslanchados em maio, financiados pelo Banco Mundial. A sua duração prevista é de 18 meses.
O canal, que teria
As autoridades jordanianas sublinham o interesse internacional que o canal representa. "O destino a ser reservado ao mar Morto não interessa apenas a nós", afirma Mousa Jamaa'ani, o diretor da autoridade que administra o vale do rio Jordão. "É um lugar único. As principais religiões nasceram nesta região". Os idealizadores do "Red-Dead canal" também salientam o seu benefício político potencial. "Este é um projeto essencial para reforçar a paz na região", prossegue Mousa Jamaa'ani.
Contudo, na Jordânia, onde a penúria de água alcança proporções dramáticas, ele simplesmente desponta como indispensável. "Nós não temos escolha", decide em última instância Raed Abu Saoud, o ministro da água e da irrigação. "É uma questão de sobrevivência". O ministro diz estar "absolutamente certo" de que o canal será construído. "Eu não vejo qual problema de força maior poderia detê-lo", afirma.
Entretanto, não são os obstáculos que faltam. Qual será o impacto do aporte maciço de água do mar sobre o ecossistema muito peculiar do mar Morto? E quais serão as conseqüências da extração de água no golfo de Ácaba, reputado pelos seus fundos submarinos? Na opinião de Abdel Rahman Sultan, da ONG Friends of the Earth, "antes de se aventurarem num terreno tão arriscado, eles precisam considerar o quadro no seu conjunto, ou seja, a administração dos recursos hídricos na região". A irrigação monopoliza 70% desses recursos.
Além do mais, Israel ainda não deu o seu acordo definitivo para a realização do projeto. O país já dispõe de um litoral importante, que lhe permite dessalinizar a água do mar. Portanto, para ele, a construção do canal não constitui uma meta emergencial. O presidente israelense Shimon Peres o apóia com entusiasmo, pois nele enxerga um símbolo da esperança de paz na região, mas muitas discussões ainda vêm sendo travadas a respeito no país.
Por fim, ainda existe um último obstáculo, que não é dos menores: o seu custo. As mais recentes estimativas davam conta de um investimento de 3,7 bilhões de euros (cerca de R$ 10,8 bilhões). A Jordânia não tem condições para arcar com o seu financiamento. Para viabilizá-lo, existem várias montagens possíveis. Um financiamento internacional não deve ser descartado, mas, mesmo em caso de sucesso, a construção estaria fadada a permanecer em compasso de espera por longos anos. Contudo, as autoridades jordanianas, que estão com pressa, estão estudando a possibilidade de uma parceria entre companhias públicas e privadas. Os promotores do empreendimento poderiam obter uma rentabilidade dos fundos investidos recebendo uma autorização para explorarem financeiramente o canal durante um determinado período, até retrocedê-lo para o governo. Resta saber a qual preço a água seria então vendida para as populações.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
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