O Globo (10/11/2010) / Mundo / página 33
'Não se pode ser pró-Irã e também pró-EUA'
Presidente de Israel reconhece importância da voz brasileira no Oriente Médio e pede posições claras sobre controvérsias
ENTREVISTA Shimon Peres
JERUSALÉM. Aos 87 anos, o presidente de Israel, Shimon Peres, é uma figura única em seu país: apesar de um dos líderes mais respeitados no mundo, dono de um Nobel da Paz, autor de 11 livros e com 69 anos de carreira política, Peres nunca foi à universidade e tampouco serviu ao Exército de Israel. Um dos maiores arquitetos do programa nuclear de Dimona, o presidente recebeu jornalistas brasileiros em sua residência oficial, em Jerusalém. E, embora não demonstre preocupação diante das aspirações nucleares do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em Teerã, Peres adverte: o Brasil precisa decidir para onde vai, adotando posições morais, baseadas não apenas em considerações políticas, na diplomacia internacional.
Carlos Alberto Sardenberg*
O GLOBO: Como o senhor classifica as atuais relações entre Brasil e Israel?
SHIMON PERES: Em primeiro lugar, estou muito impressionado, como todo mundo, com os tremendos avanços do Brasil nos últimos anos interna e externamente.
A luta contra a pobreza e a ignorância tem sido impressionante. Acho que o mundo reconhece isso, e então o Brasil tem que decidir para onde vai, porque infelizmente há controvérsias no mundo e você tem que decidir. Você não pode, por exemplo, ser ao mesmo tempo pró-Irã e também pró-Estados Unidos. Você não pode nem mesmo ser pró-Egito e próIrã. Esse Irã tem uma nova ambição de dominar o Oriente Médio em nome da religião; as posições que o presidente deles adota são impossíveis, contra a carta das Nações Unidas. Acho que na política deve haver valores.
Não se pode haver apenas poder nu e cru. Então, apesar de o mundo apreciar muito o Brasil, acho que o mundo também está interessado em ver sua posição básica sobre essa controvérsia.
O panorama geral das relações é positivo, temos com o Brasil relações muito carinhosas, muito boas.
E o senhor acredita que o Brasil está trabalhando numa direção errada nessa questão do Oriente Médio?
PERES: Não digo isso. Digo que a voz do Brasil precisa ser ouvida. Não estou acusando.
Mas eu acho que cada um de nós precisa fazer sua escolha. A al-Qaeda afirma que, como querem se livrar dos dois Satãs, nós e os EUA, decidiu se livrar também dos que nos apoiam.
Eles querem colocar bombas em Paris e Londres. São loucos e deveríamos impedi-los. Assim, para resumir, penso que nossas relações (Brasil-Israel) são muito boas e têm grande potencial. E que quando se trata de alianças, estas precisam ser baseadas em valores, em posições morais, não apenas em considerações políticas.
Por que o senhor acha que Ahmadinejad tem obtido apoio na América Latina, de países como Brasil, Bolívia e Venezuela?
PERES: Não esperava isso e não entendo. Havia um ideólogo na América Latina, Fidel Castro.
Ele tinha uma ideologia, gostese ou não dela. Em recente entrevista, e para minha agradável surpresa, ele começou a falar de seus erros. E o primeiro foi sua atitude em relação aos judeus.
Segundo Fidel, eles foram os que mais sofreram, tendo sido os que mais haviam contribuído.
Eu não podia acreditar. Você me pergunta se eu compreendo o Fidel de hoje ou o Chávez de ontem, eu não entendo Chávez.
Não sei o que ele quer. Por que ele compra armas, quem pretende atacar? Eu não entendo.
Se vocês puderem me explicar, eu agradeceria.
Talvez haja uma explicação para a posição de Lula mais favorável a Ahmadinejad.
Questões internas. Lula é apoiado por uma ampla coalizão, e parece que coube à esquerda a diplomacia. Ou seja, seria um apoio pragmático...
PERES: Não condenamos ninguém, não criticamos. Sou um pragmático. Penso que a maior força é a força moral.
Stalin perguntou quantas divisões o Vaticano tinha — nenhuma, não era? Onde está Stalin e onde está o Papa?
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