A Ética no Judaísmo
No Pentateuco não há distinção entre regras de natureza legal e de natureza moral; ambas são apresentadas via revelação e se equiparam no que tange à sua autoridade. A forma imperativa é igualmente empregada à proibição contra o homicídio e o roubo e à ordem de amar o semelhante. Um sistema unificado de lei e moral, apesar de se reconhecer coercibilidade para um e não para o outro.
Na visão profética de Isaías, Amós e Miquéias, a perda da soberania e o exílio se dão devido a corrupção social, pecados de natureza social, econômica e política, a violação de normas jurídico-morais de comportamento, sem referência a questões de culto ou ao pecado da idolatria.
Os juizes da época talmúdica, e todos que se seguiram àquela era, se esforçavam para estimular as partes que compareciam perante as cortes a ir além da estrita obrigação legal e isto se traduziu em diversas máximas. Uma delas é aquela que diz que a parte está isenta, de acordo com as leis do homem, mas obrigada, de acordo com as leis do Céu (dinei shamaim), significando que, apesar de o tribunal não Ter como coagir a parte a cumprir com o iashar v´tov, mesmo assim exercia alguma pressão verbal para induzi-la a cumprir com o que é justo e bom.
Outra fórmula muito empregada em mais de dois mil anos de jurisprudência judaica é a famosa máxima lifnim meshurat hadin – além da obrigação legal -, significando que, apesar de não haver base jurídica para forçar-me a uma determinada atitude ou omissão, se eu quero me comportar além da estrita letra da lei, preocupando-me com o nível moral de meu comportamento, devo agir de determinada forma para com o nível moral de meu comportamento, devo agir de determinada forma para com meu co-contratante, meu vizinho, ou a pessoa que nem conheço e cujo objeto perdido eu achei, levando-me até a indenizar a pessoa que teve prejuízo por um conselho que lhe dei (nenhuma relação com a malpratice profissional, eis que o Talmud trata aqui de conselho gratuito [BM 24b e 30b e BK 99b]).
Uma análise terminológica comparativa dos conceitos de tsedek e chessed torna mais fácil compreender a distinção entre o din (a lei) e o lifnim meshurat hadin (além da obrigação legal). Tsedek significa justiça, o ato correto, paralelo a emet, verdade. Tsedek e/ou emet representam os atos verdadeiros e corretos que cada um está obrigado a cumprir, eqüivalendo ao din, à lei.
Chessed representa o ato caridoso, paralelo a hen – graça ou favor – e a rachamim - misericórdia. Chessed e/ou rachamim (apesar de, numa análise mais profunda, serem distintos) representam atos benevolentes, são expressões da boa vontade e de amor (“E amarás teu semelhante...”), e materializam o lifnim meshurat hadin, atos que vão além da estrita observância da lei, do din.
Consequentemente, o tsadik é o homem justo que cumpre a lei, de acordo com os princípios emanados do tsedek-emet, já o chassid (o chassid mencionado no Talmud, não o judeu pertencente a um dos grupos chassídicos, oriundos do movimento do Baal Shem Tov, do século XVIII) é a pessoa que age com chessed-rachamim, uma pessoa bondosa, rápida para fazer um favor, uma pessoa que vai além das exigências da lei, agindo lifnim meshurat hadin.
Moisés é o homem da lei, e seu irmão, Aaron, o homem que amava a paz, perseguia a paz, e reconciliava as pessoas umas com as outras por meio de concessões e de renúncias além da exigência da lei. Aaron acrescentava seu chessed ao din do irmão Moisés.
No campo das transações comerciais, não tendo fundamento legal para forçar o inadimplente a cumprir seu compromisso, a corte endereça uma censura-maldição a quem não honra a palavra empenhada (mi shepara). Em circunstâncias menos graves a censura se materializa cognominando o faltante como mechussar emuná (destituído de lealdade). Uma censura mais branda é a que proclama que determinado comportamento da pessoa envolvida “não é do agrado dos sábios de Israel”. Por outro lado, aquele que paga uma dívida já prescrita (pela shmitá que ocorria a cada sete anos) executa um ato que “agrada aos sábios de Israel”.
A punição pelo uso de pesos e medidas adulterados é mais grave do que por relações sexuais vedadas, pois o comerciante nunca mais saberá a quem locupletou para fazer a restituição. O Talmud diz que no julgamento final a primeira pergunta que se faz à alma é se ela conduziu seus negócios com boa fé.
Uma clássica regra da moral judaica, contida no Pirkei Avot - a Ética dos Pais – é citar a autoria de tudo que se diz e escreve. Como todos os conceitos aqui expostos derivam do Talmud faz-se tão somente uma referência às obras consultadas para elaborar uma concisa apresentação do tema:
Menachem Elon (ed.), The Principles of Jewish Law; Saul Berman, Law and Morality, verbete na obra pré-citada; Aaron Kirschenbaum, Equity in Jewish Law; Boaz Cohen, Jewish na Roman Law – A Comparative Study; Moshe Silberg, Law and Morals in Jewish Jurisprudence (Harvard Law Review, 1961); Itzhak Halevi Herzog, Moral Rights and Duties in Jewish Law, Studies in Jewish Jurisprudence; Nahum Rakover, Ethics in the Market Place.
Extraído de:
Artigo publicado no Boletim ASA – no 71 – julho/agosto de 2001 p.3.
Sobre o autor: Jacob Dolinger é doutor
Nenhum comentário:
Postar um comentário