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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Tzedaká, Maasser e Guemilut Chassadim

Tzedaká, Maasser e Guemilut Chassadim


©Profa Dra Cláudia A.P.Ferreira.2000-2008
Faculdade de Letras/UFRJ

PPGHC/IFCS/UFRJ


I – Tzedaká

Tzedaká geralmente é traduzido como “caridade”. A palavra tzedaká vem da mesma raiz da palavra hebraica tzedek, que significa “justiça". Tzedaká não é caridade, mas como já citamos acima, justiça. Compreendemos o conceito de tzedaká como justiça social. Isto implica na obrigação da pessoa em dar. Portanto é dever de cada judeu, mesmo dos carentes, praticar a tzedaká de forma regular, para ajudar os mais necessitados.

Qual a origem da mitzvá de Tzedaká? Lemos na Torá, em Devarim (Deuteronômio) 15,7-8: “Se no meio de ti houver um mendigo entre teus irmãos, numa das tuas cidades, na tua terra, que o Eterno, teu Deus, te dá, não endurecerás teu coração e não fecharás tua mão a teu irmão, o mendigo; mas lhe abrirás a tua mão e lhe emprestarás o suficiente para o que lhe faltar”.

Muitos profetas e sábios diziam que os sacrifícios no Templo eram menos importantes que a tzedaká. É o caso de Isaías que critica os holocaustos que não são seguidos os e amor ao próximo e tzedaká (Is 1,11-17).

Os rabinos se preocuparam em não ofender ou humilhar o necessitado. Daí ser preferível ajudar o necessitado de forma anônima, sem ser percebido: “O Mandamento de praticar a caridade pesa tanto quanto os outros reunidos. (...) O que dá esmolas em segredo é maior que Moisés” (Talmud, Baba Batra, 9b).

Outra questão importante: a tzedaká não deve ser dirigida somente aos judeus, mas a todos os necessitados: “A caridade não distingue raça nem credo” (Talmud, Guitin 61 a).

Contudo, a tzedaká deve ser limitada a um percentual das posses ou rendimentos da pessoa, pois não deve haver um exagero na bondade: “Seja o homem generoso na sua caridade, mas guarde-se de dar tudo o que tem” (Talmud, Arachim, 28 a).


Fontes Judaicas

01) Talmud Babilônico, Chaguigá 5 a
O rabi presenciou um homem dar em público a esmola de um vintém a um mendigo e disse-lhe: “Antes não tivesse dado nada do que envergonhá-lo”.

02) Avot 3
Quem pratica a beneficência nada dá de si mesmo, senão de Deus. Tudo o que possuímos, de fato pertence a Deus, como está escrito no primeiro livro de Crônicas 29,14.

03) Talmud Babilônico, Baba Batra 9 b
Rabi Eliezer indagava: “O que significa a afirmativa de Isaías (29,17) Vestiu-se de justiça (tzedaká), como de uma couraça. Quer dizer que da mesma maneira que a couraça é feita unindo uma lâmina a outra, também a caridade pode realizar algo grande juntando um centavo a outro”.

04) Midrash Vaikrá Rabá 14,15
“...se abrires tua alma ao faminto...” (Is 58,10).
Ainda que não tenhas nada para lhe dar, consolai-o com palavras. Diga-lhe: “Minha alma está contigo, ainda que seja a única coisa que tenho para te oferecer”.


II – Maasser

A idéia de dar o dízimo é uma prática judaica, conforme estabelecido na Torá, que orienta que todo judeu separe um décimo, maasser, de seus lucros para a caridade. A fonte da lei que apóia a idéia de doar até um quinto de nossa renda está no Talmud, Tratado de Ketubot 50a.

Na perspectiva judaica, tudo o que possuímos é um empréstimo de Deus. Na realidade, tanto a colheita, como a renda monetária de cada indivíduo é um presente Divino. A Torá instituiu que um décimo da colheita, ou da renda, fosse doada. Este é um lembrete de que na realidade nenhum bem material é nossa propriedade eterna, e temos de usar o que temos agora para o bem. A Torá nos ordena dar um décimo de nossa renda líquida. Por sua vez, encontramos em outra fonte judaica que é meritório dar 20% (Shulchán Aruch, Yore Dea 249,1).


Fontes Judaicas

01) Bereshit (Gênesis) 14,19-20
E o abençoou e disse: Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra, e bendito seja Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos! E Abrão lhe deu um décimo de tudo.

02) Bereshit (Gênesis) 28,20-22
E fez Jacob uma promessa, dizendo: Se Deus for comigo e me guardar neste caminho que vou seguindo, e me der pão para comer e roupa para vestir, e voltar em paz à casa de meu pai e for o Eterno para mim por Deus, então esta pedra que coloquei como monumento, será casa de Deus, e de tudo quanto me deres, certamente dar-Te-ei o décimo.

03) Vaikrá (Levítico) 27,30-31
E todo o dízimo da terra, da semente da terra, de fruto da árvore, perante o Eterno o comerás (em Jerusalém); santidade é para o Eterno. E se quiser a pessoa remir o seu dízimo, acrescentar-lhe-á a quinta parte de seu preço (cujo valor o comerá em Jerusalém).

04) Bamidbár (Números) 18, 21-24
E aos filhos de Levi, eis que tenho dado todos os dízimos em Israel por herança, em troca do serviço que eles prestam na tenda da reunião. E não se aproximarão mais os filhos de Israel à tenda da reunião, para que não levem sobre si pecado e morram. E servirão os Levitas no serviço da tenda da reunião, e eles levarão sobre si a sua iniqüidade; estatuto perpétuo pelas vossas gerações; e no meio dos filhos de Israel não terão herança. Porque os dízimos dos filhos de Israel, que separarem ao Eterno em oferta, dei aos Levitas por herança; portanto Eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel não terão herança.

05) Devarim (Deuteronômio) 14,22-29C
Certamente separarás o dízimo de todo o produto das tuas sementes, que o campo produzir de ano a ano. E o comerás diante do Eterno, teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar Seu nome; o dízimo de teu grão, teu mosto e teu azeite, e os primogênitos do teu gado e do teu rebanho, para que aprendas a temer o Eterno, teu Deus, em todo o tempo. E se o caminho te for comprido, de sorte que não possas levar por estar longe de ti o lugar que escolher o Eterno, teu Deus, para ali pôr o seu nome, pois te abençoará o Eterno, teu Deus, para teres produção abundante; então o trocarás por dinheiro, e atarás o dinheiro em tua mão e irás ao lugar que o Eterno, teu Deus, escolher. E darás este dinheiro por tudo o que desejar a tua alma – por gado, ou por rebanho, ou por vinho, ou por vinho velho ou por tudo o que te pedir a tua alma; e comerás ali diante do Eterno, teu Deus, e te alegrarás, tu e a gente de tua casa. E ao Levita que está em tuas cidades, não deixarás de dar-lhe (o teu primeiro dízimo), pois não tem parte nem herança contigo. Ao fim de três anos tirarás todos os dízimos de teu produto, naquele ano, e os depositarás dentro das tuas cidades. E virá o Levita, que não tem parte nem herança contigo (e tomará o primeiro dízimo), e o peregrino, o órfão e a viúva, que estão nas tuas cidades (tomarão o dízimo de pobre) e comerão e se fartarão, para que o Eterno, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem.

06) Devarim (Deuteronômio) 26,12
Quando acabares de dizimar todos os dízimos de teu produto no terceiro ano, que é o ano em que se separa um só dízimo, o do Levita, o darás ao levita, e também darás um outro dízimo para o peregrino, para o órfão e para a viúva, a fim de que os comam e se fartem.


III - Guemilut Chassadim

A tradução de Guemilut Chassadim é difícil, mas significa “realizar atos de bondade e justiça”. Este conceito é muito amplo e pode conter inúmeros outros conceitos e atitudes.

Vale a pena diferenciar Guemilut Chassadim e Tsedaká. Tsedaká (geralmente traduzido como “caridade”) é o ato de dar “daquilo que você tem”, já Guemilut Chassadim é dar “daquilo que você é”.

A Tsedaká está limitada a um quinto das posses da pessoa (20%), já a Guemilut Chassadim é um tipo de ato de bondade para a qual “nenhuma medida de limite é prescrita” (Peá I,1). Portanto, pode ser realizada sem limites.

Os rabinos estavam muito preocupados não apenas em melhorar as condições de vida dos pobres, senão em prevenir a própria pobreza. Além disso sabiam cuidar da sensibilidade daqueles que recebiam a Tzedaká - os rabinos desejavam poupar-lhes uma possível perda de auto-respeito.

Duas são as formas usadas para evitá-lo. Uma é a de fazer a Tsedaká em segredo. A outra é a fórmula explicada no Talmud: “ajudar a um homem a ajudar a si mesmo”. Essa forma de auxílio era um elevado grau de beneficência.

Está escrito: “Na escala da caridade, o grau mais elevado consiste em segurar um homem que está caindo, impedi-lo de cair e tornar-se uma carga para todos, oferecendo-lhe um presente, um empréstimo, a sociedade num negócio ou encontrando um emprego para ele”.

Dessa forma a ajuda não humilha aquele que a recebe e este pode se reerguer.

De modo geral, Guemilut Chassadim pode conter muitos outros costumes e preceitos do Judaísmo.


Fontes Judaicas

01) Talmud Babilônico, Shabat 63 a
Aquele que empresta sem juros é mais merecedor do que aquele que dá esmolas; e aquele que investe na empresa do pobre é o mais digno de todos.

02) Talmud de Jerusalém, Peá 9,21 b
Dizia Rabi Ioná: “Não está escrito: Bem-aventurado o que dá ao pobre e sim, Bem-aventurado o que considera o pobre (Salmos 41,1) - isto é quem medita sobre como cumprirá o mandamento de auxiliar ao pobre”.
Como agia Ioná? Quando olhe sucedia encontrar um homem de boa família empobrecido, dizia-lhe: “Ouvi dizer que há uma herança para vós. Levai este dinheiro adiantado, mais tarde o devolvereis”. E, se o outro aceitava, o rabi dizia-lhe: “É um presente”.

03) Pirkei Avot 1
De três coisas depende a existência do mundo: Torá (Lei), Avodá (Serviço Divino) e Guemilut Chassadim (atos de bondade/beneficência).

04) Avot de Rabi Natan 41,66 a
Aquele que dá esmolas faz jus a uma benção. Mas, o que empresta merece mais. E o que entrega dinheiro ao pobre, para comerciar, ou se associa a ele, é o mais merecedor.


Referências Bibliográficas

ARI - Mitsvot e Valores Judaicos. Ética Judaica 2. Departamento de Ensino. Rio de Janeiro, Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro.

CHABAD – http://www.chabad.org.br


Sugestões de Leitura

AMSEL, Nachum. JEWISH ENCYCLOPEDIA OF MORAL AND ETHICAL ISSUES.

BUNIM, Irving M. A Ética do Sinai: ensinamentos dos Sábios do Talmud. São Paulo: Sefer, 1998.

COHEN, Jeffrey Rabbi. Blessed are you: A comprehensive guide to jewish prayer.New Jersey: Jason Aronson, 1993.

DICHI, Isaac. Vaani Tefilá: Leis referentes às orações. Resumo prático baseado nos livros de Halachá. São Paulo: Congregação Mekor Haim, 1992.

DONIN, Hayim Halevi Rabi. Rezar como judio: guia para el libro de oraciones y el culto en la sinagoga. Trad. Do inglês para o espanhol Oscar Sapolinsky. Jerusalém: Eliner Editorial, 1986.

FENDEL, Rabbi Zechariah. The Torah Ethic. New York: Hashkafah Publications, 1988.

ROSNER, Fred. MODERN MEDICINE AND JEWISH ETHICS.

VISOTZKY, Burton L. The Genesis of Ethics. How the tormented family of Genesis leads us to moral development. New York, Crown Publishers, /1996/.


Referências Eletrônicas

1) Chabad - http://www.chabad.org.br/mitsvot/index.html - Mitsvot / Tsedacá - os artigos:
“Caridade ou Justiça?”:
http://www.chabad.org.br/datas/rosh/rosh017.html
“O poder da pushke”:
http://www.chabad.org.br/mitsvot/tsedaca/pushke.html
“Halachot”:
http://www.chabad.org.br/mitsvot/tsedaca/halachot.html
“Histórias e parábolas”:
http://www.chabad.org.br/mitsvot/tsedaca/historias.html

2) Chabad – http://www.chabad.org.br/biblioteca/index.html - Biblioteca – Ética e Sabedoria – o artigo:
“Maasser”: http://www.chabad.org.br/biblioteca/artigos/maasser/home.html

3) Chabad – http://www.chabad.org.br/biblioteca/index.html - Perguntas e Respostas:
“Guemilut Chassadim – O que é? Pergunta: O que quer dizer guemilut chassadim?:

http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/guemilut.html
“Tsedacá – justiça para todos. Pergunta: Podemos dar tsedacá a um não-judeu?”:
http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/justica_tsedaca.html
“Tsedacá – O que é. Pergunta: O que é tsedacá e qual é o seu significado?”:
http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/tsedaca.html
“Tsedaká – sem bênção? Pergunta: Fazemos bênçãos sempre antes e/ou após uma mitsvá. Por que não há uma bênção também ao doar para tsedacá?”:
http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/tsedaca_sem.html

4) Revista Morashá – http://www.morasha.com.br - edição número 45 – junho de 2004 – o artigo “Atos de bondade: pilar do judaísmo”:
http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=451&p=0 (p.1) ou
http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=451&p=1 (p.1)
http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=451&p=2 (p.2)
http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=451&p=3 (p.3)


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