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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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segunda-feira, 24 de março de 2008

Atrocidades nazistas cometidas por pessoas comuns

Desde médicos a cantores de ópera, de professores a crianças, o extermínio dos judeus europeus foi obra de quase 200.000 alemães comuns e seus colaboradores. Anos de pesquisa -ainda não completos- revelam como membros sãos de uma sociedade moderna cometeram homicídios para um regime diabólico.

Georg Bönisch e Klaus Wiegrefe
Der Spiegel, em 24/03/2008.


Walter Mattner, secretário de polícia de Viena, estava lá em outubro de 1941, quando 2.273 judeus foram assassinados a tiros em Mogilyov, na Belarus. Mais tarde, escreveu a sua mulher: "Minha mão estava tremendo um pouco nos primeiros carros. Mas, no décimo, fazia a pontaria calmamente e atirava com confiança nas muitas mulheres, crianças e bebês. Mantinha em mente meus dois bebês em casa e sabia que sofreriam exatamente o mesmo tratamento, se não dez vezes pior, nas mãos dessas hordas." Depois da Segunda Guerra Mundial, ficou óbvio para a maior parte dos observadores que tais atos só poderiam ter sido cometidos por sádicos e psicopatas, sob ordens de meia dúzia de criminosos de guerra em torno de Adolf Hitler. Era uma forma confortável de ver as coisas, porque significava que as pessoas comuns não eram as verdadeiras perpetradoras.

Mesmo na época, contudo, os resultados assustadores de uma pesquisa de opinião conduzida pelos americanos em sua zona de ocupação, em outubro de 1945, poderiam ter levantado dúvidas sobre a versão da história que coloca toda a culpa em alguns criminosos patológicos. Dos entrevistados, 20% "concordaram com o tratamento dos judeus por Hitler". Outros 19% disseram que, apesar de acharem que as políticas contra os judeus eram exageradas, estavam fundamentalmente corretas.

Só nos anos 90 os historiadores e outros especialistas iniciaram uma pesquisa de grande escala em busca desses homens (e mulheres) que executaram o holocausto. A pesquisa ainda não está completa, mas os resultados disponíveis até hoje são chocantes.

Os pesquisadores concluíram que os perpetradores incluíam tanto nazistas comprometidos com a causa quanto pessoas que não tinham nada a ver com os nazistas. Os assassinos e seus assistentes incluíam católicos e protestantes, velhos e jovens, pessoas com mais de um doutorado e membros da classe trabalhadora. E a percentagem de psicopatas não era maior do que a média da sociedade como um todo.

O número de perpetradores hoje é estimado em 200.000 alemães (e austríacos). Eram policiais como Calter Mattner, equipes dos campos de concentração, membros da SS ou administradores. Outros 200.000 estonianos, ucranianos, lituanos e diferentes estrangeiros também ajudaram a matar judeus, alguns porque foram forçados e outros voluntariamente.

Crimes de condenação, crimes de excesso
Como satã no velho testamento, o mal tem muitas faces. Houve os que cometeram crimes por convicção, os nazistas dedicados da força policial -membros da SS e militares que, como Hitler, estavam convencidos que os judeus eram a raiz de todo mal. Alguns cometeram seus primeiros homicídios nos anos 20 e 30. Também houve os que cometeram crimes de excesso, tirando vantagem da falta de direitos dos judeus na Europa Oriental para estuprar e roubar. Na Galícia Ocidental, por exemplo, membros da força policial de ocupação passavam seu tempo livre atirando contra judeus no gueto ou chantageando-os por suas jóias.

Houve os que apenas executaram ordens de cima, como o major Trapp do Batalhão de Polícia de Reserva 101. De acordo com testemunhas, o major Trapp estava chorando quando mandou matar 1.500 mulheres, crianças e judeus idosos perto de Varsóvia, enquanto dizia: "Uma ordem é uma ordem!" Em julho de 1942, seus homens retiraram as vítimas de suas casas, carregaram-nas em caminhões e levaram-nas para uma clareira remota, para serem executadas. Eles atiraram em suas cabeças ou na nuca. À noite, os uniformes dos soldados estavam cobertos de fragmentos de ossos, matéria craniana e manchas de sangue.

Assim como em geral há mais de um perpetrador, também há uma série de razões pelas quais homens perfeitamente normais viram assassinos: anos de doutrinação, fé cega nos líderes, um sentido de dever e obediência, pressão dos colegas, minimização da violência como resultado das experiências de guerra, sem mencionar o desejo pelas propriedades dos judeus.

Um homem que pareceu não ter problemas em passar de sua escrivaninha para os massacres no Oriente foi Walter Blume, nascido em Dortmund em 1906, filho de um professor. Advogado que completou o equivalente ao exame da OAB alemão com o fraco resultado "adequado", ele conseguiu emprego de assistente do juiz da corte distrital de sua cidade natal em 1932.

A carreira de Blume no regime de Hitler começou no dia 1º de março de 1933, pouco depois dos nazistas chegarem ao poder. Seu primeiro cargo nazista foi como chefe da divisão política do quartel policial de Dortmund. Depois de entrar para o Partido Nazista e para os Storm Troopers, ele se tornou chefe da polícia secreta nazista, ou Gestapo, na cidade oriental de Halle, em Hannover, e mais tarde na capital Berlim. O principal propósito da rápida rotação nos cargos de alto nível, típica da Gestapo, era prover oportunidades de experiência na repressão.

A partir do dia 1º de março de 1941, Blume chefiou o departamento de pessoal da 1ª Divisão do chamado Reichssicherheitshauptamt (Escritório Principal de Segurança do Reich, ou Rsha). Sua primeira tarefa foi reunir a equipe para um dos comandos de assassinato chamados Einsatzgruppen (Grupos de Ação Especial). A força consistia de cerca de 3.000 homens, conhecidos como "Gestapo sobre rodas". Esse grupo acompanhava o exército de Hitler enquanto marchava para Leste, e era responsável pela liquidação imediata do "bolchevismo judeu" e a "excisão de elementos radicais".

O próprio Blume liderou uma unidade chamada Comando Especial 7a, parte do Einsatzgruppe B. De acordo com os próprios registros de Blume, sua unidade matou cerca de 24.000 pessoas na Belarus e na Rússia entre junho e setembro de 1941. Pouco tempo depois, Blume voltou para a Rsha, onde foi promovido ao cargo de chefe de divisão e líder da SS. Em agosto de 1943, ele foi para Atenas, onde organizou com dois associados de Adolf Eichmann a deportação de judeus gregos para o campo de extermínio de Auschwitz.

Blume foi julgado em Nuremberg em setembro de 1947, junto com outros 22 homens, cujas ocupações os qualificaram como membros da sociedade civil de alta classe. Entre eles havia um dentista, um professor, um cantor de ópera, um pastor protestante -e alguns jornalistas. Dos 22, 14 foram condenados à morte, mas apenas em quatro casos a sentença foi executada. O alto comissário dos EUA John McCloy perdoou o resto, inclusive Blume, e eles foram gradualmente liberados. Blume tornou-se empresário.

A maior parte dos perpetradores nunca foi punida. Houve 6.500 condenações até hoje, e apenas 1.200 delas por homicídio.

Tradução: Deborah Weinberg

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