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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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segunda-feira, 3 de março de 2008

O Holocausto na Alemanha de Hoje (Daniel Wolff)

O Holocausto na Alemanha de Hoje
Daniel Wolff, 19/02/2008

*Daniel Wolff é músico, professor do Depto. de Música da UFRGS e da Universität der Künste de Berlim. Link: www.danielwolff.com


Desde minha primeira visita à Alemanha, há doze anos, observo com interesse a imagem que os alemães de hoje tem da Segunda Guerra mundial. Tal interesse decorre não apenas de minha origem judaica, como também da minha paixão por história. Estando agora em Berlim, onde moro há sete meses, tive oportunidade de contemplar o assunto mais de perto.

Lembranças do Holocausto abundam em Berlim. O Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, próximo ao Portão de Brandemburgo, é um dos vários monumentos erigidos em homenagem às vítimas da Solução Final. No bairro Mitte, tradicional reduto judaico no pré-guerra, placas de bronze incrustadas nas calçadas, criadas pelo artista plástico Gunter Demnig, indicam o nome dos judeus que ali viviam, bem como a data em que foram deportados para os campos de extermínio.

O Museu Judaico, projetado pelo arquiteto Daniel Libeskind, ainda que não exclusivamente dedicado ao Holocausto, contém farto material sobre ele. Na televisão alemã, são freqüentes os documentários sobre a Segunda Guerra. Tudo isto para manter viva a memoria deste triste capítulo na história da Alemanha, no afã de evitar que tais atrocidades se repitam.

De fato, os alemães, ainda hoje, possuem um forte sentimento de culpa pelo ocorrido. Certamente, não foram eles, que na época nem eram nascidos, os culpados pelo Holocausto. Mas percebe-se, mesmo assim, uma espécie de vergonha coletiva, pelo fato de ter sido sua cultura, sua raça, sua pátria, responsável por tamanha barbaridade.

Semana passada, na Berlinale, o festival de cinema de Berlim, assisti a um belíssimo filme, Steal a pencil for me (Roube um lápis para mim), da diretora Michèle Ohayon. Trata-se de um documentário sobre uma história de amor nos campos de concentração. Os protagonistas, judeus holandeses, casaram-se após a guerra e emigraram para os Estados Unidos, onde vivem até hoje. Quando estavam nos campos de concentração, escreviam-se cartas de amor e, em virtude da dificuldade de obter algo com o que escrever, pede ele em uma das cartas: "tente roubar um lápis para mim".

Em contraponto com a história de amor, intercalam-se cenas originais dos campos de concentração e da Holanda sob ocupação nazista, incluindo imagens inédias obtidas pela diretora em arquivos holandeses. Vemos também cenas da vida atual do casal, nas quais chama a atenção o esforço que fazem para manter viva a lembrança do Holocausto, tal como ocorre hoje na Alemanha.

É nesse contexto que, dois dias após assistir ao filme, cheguei à cidade de Dresden para uma visita de final de semana. Percebo de imediato um número incomum de policiais nas ruas. Atravesso o belíssimo centro histórico da cidade e dirijo-me à nova sinagoga, inaugurada em 2001. A antiga fora destruída, junto a outras 266 sinagogas, na Noite dos Cristais (9 de novembro de 1938).

Ao chegar lá, deparo-me com uma concentração de pessoas na rua, junto à entrada. Tanto judeus como não-judeus. Conversam, tomam bebidas quentes, comem bolo, um quinteto de sopros toca música clássica em um palco improvisado na calçada. Do outro lado da rua, em uma pequena praça, um agrupamento de punks observa passivamente a cena.

Intrigado, interpelo um jovem com quipá, o solidéu usado pelos judeus na sinagoga. Ele explica: "estamos esperando os nazistas". "O queee?!", digo eu, chocado. "Sim", responde ele, "sete mil nazistas de toda a Alemanha estão hoje em Dresden, para uma demonstração que passará em frente à sinagoga". O objetivo, segundo eles, é protestar pelo bombardeio da cidade, ocorrido em fevereiro de 1945. "E os punks?", pergunto. "Eles fazem parte de um grupo de extrema esquerda, que veio hoje protestar contra a demonstração nazista".

Soube depois que também a coalisão "Dresden für Demokratie", com apoio de associações, sindicatos, igrejas e partidos politicos, organizou passeata contra a manifestação nazista, com o slogan "Geh denken", jogo de palavras que pode significar tanto "pense" como "lembre-se". Explica-se, enfim, o porque de tantos policias nas ruas. Eram seis mil ao todo, com reforços vindos de outras cidades alemãs.

Depois de refletir um pouco, decido ver a passeata nazista. Quero saber como se manifestam aqueles que defendem um ideal que serviu de base para o assassinato de seis milhões de judeus, dentre eles a família dos meus avós. A cena é curiosa: os nazistas caminham em silêncio, com faixas e bandeiras. Os policiais formam um cordão de isolamento para permitir sua passagem. Enquanto isso, grupos de esquerda cantam slogans de protesto. Tudo sem qualquer sinal de violência física de ambas as partes.

Ocorre-me uma ideia assustadora: quem vê esta cena, sem ter noções básicas de história, pode imaginar que os nazistas são meras vítimas. Fazem sua passeata em silêncio, protegidos por policiais e ouvindo slogans de protesto contra eles. Alguém poderia até questionar: "não serão eles os verdadeiros perseguidos nesta história?"

De minha parte, pergunto-me como não fiquei sabendo disto antes. Atribuo ao fato de não ter lido detalhadamente os jornais nos últimos dias. Na segunda-feira seguinte, abro o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung para ler comentários sobre o assunto. Nada! Não há sequer uma pequena nota sobre isso. Converso com vários amigos alemães; nenhum deles sabia do ocorrido.

Apenas um pensa ter ouvido algo a respeito no rádio, en passant. Decido pesquisar na internet. Lá encontro matérias de jornal, não atuais, mas sim de 2005 e 2006, comentando passeatas nazistas ocorridas na época. Sobre a de 2008, praticamente nada.

Será que manifestações deste tipo tornaram-se tão normais que já não merecem menção na imprensa alemã? Serão insuficientes todos os esforços para manter viva a lembrança do Holocausto? Infelizmente, ambas perguntas parecem ter resposta afirmativa.

Não digo aqui que os nazistas deveriam ser proibidos de manifestar sua opinião. Prefiro que o façam abertamente - para que possamos saber quem são e como pensam - a desenvolverem-se eles na clandestinidade. Temos, contudo, que combater o crescimento dos ideais nazistas, sobretudo entre os jovens, intensificando esforços para conscientizar a todos dos horrores do Holocausto. Não podemos permitir que tamanha atrocidade se repita.


Enviado por

"Daniel Wolff" <daniel@danielwolff.com>, em 03/03/2008.
Sou um músico de Porto Alegre, professor de graduação e pós-graduação na Universidade Federal do Grande do Sul. Atualmente, resido na Alemanha, onde realizo pesquisa financiada pelo Ministério de Educação-CAPES e leciono como Professor Visitante na Universität der Künste em Berlim.
Agora em fevereiro presenciei uma cena inusitada aqui na Alemanha: uma passeata de 7000 nazistas na cidade de Dresden. Intrigado pela pouca atenção dada ao evento pela imprensa alemã,decidi investigar o assunto, em contraponto com as marcas do Holocausto ainda presentes na Alemanha atual. O resultado foi o texto abaixo.
Eu gostaria de publicar esse texto, para divulgar o assunto. Portanto, submeto o texto para sua apreciação.
Atenciosamente,
Daniel Wolff

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