A SOLUÇÃO PARCIAL
DA REPORTAGEM LOCAL
FSP, Caderno +mais!, em 20/04/2008.
Circulares secretas, vistos negados, livros clandestinos, disputas políticas nos bastidores do poder. A história do anti-semitismo no Brasil e, por extensão, no continente americano tem muitos elementos ainda pouco conhecidos em seu enredo.
"O Anti-Semitismo nas Américas" (Edusp, 744 págs., R$ 98), organizado pela professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Maria Luiza Tucci Carneiro joga luzes sobre esse aspecto ainda pouco estudado da nossa história e desmonta algumas idéias consolidadas sobre personalidades históricas, como o diplomata Oswaldo Aranha (1894-1960), que é considerado um dos principais articuladores na ONU (Organização das Nações Unidas) a favor da criação do Estado de Israel.
Especialista na era Vargas e à frente do Leer (Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação), Tucci Carneiro teve acesso ao Arquivo Histórico do Itamaraty e obteve cópias de farta documentação, segundo a qual ao menos 9.000 vistos de judeus de diversos países, fugindo da perseguição nazista, foram negados. "Perdemos importantes intelectuais, cientistas, técnicos, artistas", diz ela, também autora de importante livro sobre o período -"O Anti-Semitismo na Era Vargas - Fantasmas de uma Geração, 1930-1945" (ed. Perspectiva).
A seguir, trechos da entrevista dada à Folha.
MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO - Em primeiro lugar, acho importante definir o anti-semitismo como um fenômeno político e social. Ele é uma construção do homem, porque ninguém nasce anti-semita e ninguém nasce racista. Ele prolifera, principalmente, por meio da educação. Também considero o anti-semitismo um fenômeno cultural, encontrado hoje não apenas na Europa, mas em vários países das Américas. No Brasil, ocorre um revigoramento e uma reorganização de grupos neonazistas, que retomam esse anti-semitismo moderno, mas com nova roupagem.
TUCCI CARNEIRO - Acho, e não é apenas Saramago. Sou favorável a um Estado palestino assim como sou favorável ao Estado de Israel. E acho que só no momento em que esses dois Estados estiverem estruturados é que poderemos pensar, realmente, numa abertura para a paz no Oriente Médio.
TUCCI CARNEIRO - Temos um passado histórico que poderia, em parte, explicar essas posições separatistas e anti-semitas mais explícitas. Há hoje grupos de neonazistas atuantes no Paraná, no Rio Grande do Sul e, sobretudo,
Temos de lembrar que essas regiões foram áreas importantes de colonização alemã. Foram delas, principalmente de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, de suas colônias de alemães, que saíram importantes contingentes de soldados que foram lutar ao lado da Alemanha nazista, a partir do início da Segunda Guerra.
Esse é um lado da história que está para ser ainda contado, que é a contribuição das colônias alemãs radicadas aqui no Brasil e que ocuparam cargos importantes na burocracia do Terceiro Reich e também no Exército alemão.
Você tem importantes famílias de alemães que levaram seus filhos, foram acompanhados de suas mulheres e que foram servir não apenas ao Exército, mas foram servir como engenheiros, como médicos. Muitas mulheres trabalharam como secretárias, datilógrafas, enfermeiras durante a Segunda Guerra Mundial. Após o fim da guerra, os nazistas passarão a ser rotulados de criminosos de guerra, e vários deles serão perseguidos e convocados ante os tribunais. Aí ocorre uma verdadeira fuga desses segmentos de imigrantes alemães brasileiros.
Estou me referindo ao caso do Brasil, o que não quer dizer que não tenham existido casos assim em outros países. Mas, no caso do Brasil, havia milhares de alemães e filhos de alemães que estavam servindo na Alemanha.
Terminada a Segunda Guerra, eles retornaram. Essa é uma história que está para ser contada, é uma pesquisa que eu desenvolvo e que trata, exatamente, do "caminho dos ratos".
Quer dizer, é a fuga desses "missionários do Reich", que, por meio da Missão Militar Brasileira sediada em Berlim e Frankfurt, retornarão ao Brasil, após passar pelo processo de "desnazificação".
Eles assinam um documento para essa missão militar afirmando que, a partir daquele momento, abrem mão de sua condição anterior. Isso tudo aconteceu a partir de 1946. Pretendo lançar um livro sobre o assunto no ano que vem.
TUCCI CARNEIRO - Hoje, acho que essa perspectiva sobre Aranha é vista de forma bem mais crítica, não só pelos meus estudos. Depois de "O Anti-Semitismo na Era Vargas", surgiram vários outros, complementando essa documentação, que, na época, eu não havia conseguido consultar e que, nesses últimos dez anos, outros historiadores investigaram.
Há o exemplo de Fábio Koifman, que foi investigar toda a trajetória heróica de [diplomata Luiz Martins, 1876-1954] Souza Dantas e que resultou no livro "Quixote nas Trevas" (ed. Record, esgotado). O historiador Avraham Milgram também escreve aqui sobre os vistos não concedidos aos judeus pelo Itamaraty.
TUCCI CARNEIRO - Oswaldo Aranha teve um papel muito importante, durante o Estado Novo, quando era chanceler, pois era um americanófilo convicto. Então, fez pressão constante para que o Brasil não tendesse para o lado da Alemanha nazista e alertou, em vários momentos, que, se Vargas tomasse essa posição, ele estaria entrando em conflito com os EUA.
Há vários documentos de Oswaldo Aranha tentando conter Vargas nessas manifestações muitos explícitas a favor da Alemanha nazista.
Acho que ele foi uma "rédea de controle" muito importante para que o Brasil realmente não tendesse para o lado do Eixo. Acho, porém, que temos de rever esse ponto , geralmente omitido ao longo desses anos todos, que é essa sua postura como chanceler que mantém as circulares secretas. Ele fez com que essas circulares fossem realmente colocadas em prática.
Em um determinado momento, no Ministério da Justiça e Negócios Exteriores, havia Francisco Campos [1891-1968], que era outro anti-semita contundente e que iria tomar as rédeas, por exemplo, na aplicação dessas circulares secretas.
Havia dois ministérios importantíssimos do governo Vargas, o da Justiça e o das Relações Exteriores, dois homens, um pró-EUA, que é o Oswaldo Aranha, e o outro germanófilo e anti-semita, que é o Campos. Havia, no nível do Estado, um constante clima de tensão e de luta pelo poder. Mas há uma constante na aplicação das circulares secretas. O que tenho procurado demonstrar nas pesquisas é que são raríssimos os casos de diplomatas que irão tomar o partido dos judeus.
No Conselho de Imigração e Colonização, do qual participavam todos os ministérios, é que eram resolvidas as circulares secretas, a prática dessas circulares, as proibições à vinda de semitas. Acredito que futuramente poderemos ter a dimensão de quantos vistos foram negados. Já identifiquei até agora mais de 9.000 vistos negados.
TUCCI CARNEIRO - Depois da guerra, ocorre a divulgação das atrocidades cometidas pelos nazistas e vêm a público aquelas primeiras imagens do dia da libertação dos campos de concentração. Apesar disso, o governo brasileiro editou duas novas circulares secretas. Em 1938, houve fotografias que foram enviadas por um diplomata brasileiro, Jorge Latour, representante de negócios do Brasil
Faz um relatório [sobre o tema] com mais de 30 páginas. Esse Jorge Latour é a expressão máxima do anti-semitismo na diplomacia brasileira. Em 1946, foi nomeado pelo governo Dutra para ser o presidente do Conselho de Imigração e Colonização; e editaria as duas novas circulares.
TUCCI CARNEIRO - Acho que hoje o governo brasileiro é muito mais pró-árabes do que pró-Israel. Mantém uma postura dúbia com relação ao Estado de Israel. Ele se posiciona a favor de Israel muito por pressão dos EUA, quando eles estão à frente dos acordos de paz.
Durante a partilha da Palestina e, depois, após a criação do Estado de Israel, o Brasil demorou em reconhecer o Estado de Israel, em 1949.
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