Por Sheila Sacks
Embalada por um signo solidário inatacável - a de servir de refúgio aos perseguidos pelos regimes autoritários, às vítimas do preconceito e aos sobreviventes do Holocausto -, a aspiração milenar do povo judeu por um abrigo legal e incontestável, incorporou-se, de forma genial, ao mito da aventura e da coragem, graças ao talento e a prodigiosa pena de Leon Uris (1924-2003). O autor do romance “Exodus”, de 600 páginas, que deu origem ao filme, teve o festejado mérito de apresentar ao grande público (mais de 15 milhões de exemplares em 35 idiomas) o lado heróico de um povo tipificado pelo sofrimento e humilhações.
Essa reviravolta de bom augúrio, porém, não durou mais que duas décadas. Desde os meados dos anos 80, após a guerra do Líbano, ao estado de Israel não é suficiente defender militarmente o seu território real. É preciso preservar o seu legado histórico, ético e moral nos preciosos espaços das áreas midiática e virtual, cada vez mais apinhados de competentes e ágeis hackers em desinformação e difusão de mensagens tendenciosas e perniciosas.
COVA DE LEÕES
O histórico dos embates travados nos gabinetes da diplomacia européia, a partir de 1897, quando da realização do primeiro Congresso Sionista, na Suíça, e o empenho do jornalista judeu Theodor Herzl (1860-1904) na campanha pela criação de um estado judeu, face ao clima de anti-semitismo reinante em Paris, são fatos que comporiam uma bela série de TV, um filme de época revelador, e até um best seller mundial. Entretanto, esses antecedentes da história de Israel ainda permanecem fadados aos livros didáticos, às pesquisas acadêmicas e a artigos oficiosos em datas comemorativas. Traduzir e verter para as diferentes linguagens da mídia o exemplo único de um povo que soube esculpir o seu destino nas maciças muralhas da intolerância e do estigma seculares, é tarefa que se impõe nesse terceiro milênio de arte e jornalismo tecnológicos. Com versatilidade, habilidade e sem amadorismos. Os clichês que ajudaram a erguer e moldar essa perversa cidadela de horror, autêntica cova dos leões, covardemente impingida e perpetuada como um suposto castigo ou vingança, precisam vir abaixo, implodidos pela própria arrogância que os sustentou. Afinal, o lobby acusatório de deicídio atormentou centenas de gerações, respondendo pela morte violenta e cruel de milhões de pessoas e por danos morais irremediáveis a outros milhares acuados pela calúnia. Seqüelas que nenhuma suposta indenização pecuniária tem o dom de curar.
JANTARES E EVENTOS
Mudar esse horizonte que ainda persiste cinzento em muitos pontos dos continentes, requer uma redefinição de prioridades capaz de assegurar o futuro dos judeus da Diáspora e de Israel. Para Michael Freund, presidente do movimento judaico religioso Shavei Israel, de busca e conversão dos chamados “judeus perdidos”, a batalha contra o anti-semitismo precisa muito mais do que “publicidade, jantares e eventos”. Ele advoga que os recursos comunitários judaicos devam ser mais bem distribuídos. Em 2007, segundo Freund, somente os orçamentos de três instituições norte-americanas que promovem a mesma causa de combate ao anti-semitismo somaram 143 milhões de dólares - Liga de Antidifamação (76 milhões), Comitê Judaico Americano (40) e Centro Simon Wiesenthal (27).
Mas, o mais preocupante para Freund são os resultados do último censo (1990 -2001) realizado pela federação judaica dos Estados Unidos (United Jewish Communities), que apontou um decréscimo de 5,5% na população judaica norte-america (a maior da Diáspora). De 5,5 milhões caiu para 5,2 (4,2 milhões de adultos e 1 milhão de crianças). “Em média o judaísmo perdeu 100 judeus por dia neste período de dez anos, enquanto a população americana cresceu 13%”, lamenta Freund (o próximo censo será feito em 2010). Essa queda teria como vilões a assimilação e os casamentos mistos, conseqüência direta do distanciamento e da falta de entendimento das pessoas (quais seriam as razões?) sobre o cerne central da questão judaica: a sua sobrevivência. O reflexo dessa situação pôde ser observado na pesquisa de 2007 do instituto Pew Research Center sobre religião e vida pública que concluiu que 51% dos judeus americanos já têm mais de 50 anos e que 72% não possuem filhos
REINTERPRETAÇÃO DO REAL
Apesar dos inegáveis e meritórios esforços das organizações judaicas que labutam em várias frentes, o judaísmo e o estado de Israel ainda não se afinaram com a nova retórica desta era de comunicação tecnológica, assentada em clichês, lobbies e slogans. Em seu livro “A Saga dos Cães Perdidos”, o professor de Comunicação da USP (Universidade de São Paulo) e autor de mais de 20 livros sobre linguagens e práticas midiáticas, Ciro Marcondes Filho, alerta para o fato de que o jornalismo (filho dileto da Revolução Francesa), bem como os valores de progresso, evolução e razão, foram emanações de outra época histórica, “epifenômenos das revoluções industrial e social burguesa dos séculos 18 e
Aí está o exemplo da Cabala da Madonna que o boca a boca da mídia vem transformando na cabala real. Há dois mil anos e nos séculos seguintes, processo semelhante de difusão e repetição recriou religiões e mitos que, ao longo do tempo, tornaram-se mais reais e, por simbiose, mais verdadeiros que os berços que lhes deram origem, favorecendo mal-entendidos e conflitos que permanecem até os dias atuais. A subavaliação de fatos também é uma forma elitizada e dúbia de omissão justificada.
MELHOR HISTÓRIA
Em janeiro de 2008, coube a 824 milhões de pessoas, sendo 40 milhões no Brasil. acessarem, na rede virtual, os conteúdos desse noticiário mercadológico, ideológico, superficial, maquiado e minimalista, de forte impacto visual e velocidade, que reconstrói a informação ao sabor do cliente. Recordistas mundiais de horas mensais em navegação (tempo médio de 23 horas e 51 minutos, segundo o Ipobe/NetRengins, em abril de 2008), os brasileiros já superam os colegas dos Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido. “A questão não é mais do átomo, mas do bit”, enfatiza Marcondes Filho, reproduzindo o pensamento do conferencista e jornalista francês Francis Pisani, articulista do “Le Monde” (França) e “El País” (Espanha), que no artigo “Penser la cyberguerre” afirma categórico: ”Não é mais aquele que tem a bomba maior que levará aos conflitos de amanhã, mas sim aquele que apresentar a melhor história.”
Nosso Jornal-Rio
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