GUSTAVO CHACRA
da Folha de S.Paulo, em Jerusalém
A cidade onde, segundo a tradição cristã, Jesus foi crucificado não é apenas cristã e tampouco católica. Jerusalém é, literalmente, metade árabe --majoritariamente islâmica-- e metade judaica.
O que não significa que essa cidade, seguramente a mais disputada de todo o mundo, não seja o local com a história mais ligada ao cristianismo e que ainda tem a sua cara cristã, com cruzes espalhadas pela sua parte antiga e palestinas desfilando com crucifixos.
Além de ser a cidade mais sagrada para os cristãos, Jerusalém é considerada a capital eterna e indivisível de Israel para os judeus. E, no caso dos muçulmanos, é o terceiro lugar mais importante, atrás apenas de Meca e de Medina, ambas localizadas na Arábia Saudita. Os palestinos reivindicam a sua porção oriental como capital de um futuro Estado.
Em Jerusalém, está localizado o Santo Sepulcro, onde teria ocorrido a crucificação de Cristo para os católicos, os gregos-ortodoxos, os coptas, os siríacos, os abissínios, os maronitas e os armênios. O monte das Oliveiras, tão citado na Bíblia, também fica em Jerusalém. Assim como o túmulo do Jardim --onde Jesus foi crucificado para os evangélicos-, a Via Dolorosa e mais de uma dezena de lugares sagrados para o cristianismo.
Primeiros passos
Mas, para começar, é preciso entender onde está e o que é Jerusalém atualmente: uma cidade que ficou dividida ao meio entre 1948, quando eclodiu a primeira guerra árabe-israelense, e 1967, quando Israel assumiu o controle de todo o território na Guerra do Iom Kipur.
Nessas duas décadas, o lado oriental da cidade, onde se localiza também a parte murada e antiga de Jerusalém, ficou sob controle da Jordânia. Já a parte ocidental, mais moderna, era controlada pelos israelenses.
Mesmo após Israel ter capturado a parte oriental em 1967, a cidade ainda é dividida fisicamente, apesar de ser inteiramente governada pelos israelenses.
No lado oriental, vivem os árabes, tanto muçulmanos quanto cristãos. Há alguns encraves judaicos, onde vivem israelenses. Um dos dois campi da Universidade Hebraica de Jerusalém também fica no lado oriental.
Na parte ocidental, vivem os israelenses judeus. É a parte moderna, onde se localiza o Knesset (Parlamento), a Suprema Corte, os shoppings, os bares, as boates e as charmosas ruas Jaffa e Ben Yehuda, que infelizmente já foram alvo de dezenas de atentados terroristas. Entre os dois lados, está a parte antiga de Jerusalém. Lá dentro está o Muro das Lamentações, a Esplanada das Mesquitas e a igreja do Santo Sepulcro.
Mas antes uma nova explicação sobre outra divisão dessa cidade. A parte velha é dividida em quatro quadriláteros: o muçulmano, o cristão, o armênio e o judaico.
Para entrar na cidade, há sete portões. O mais usado pelos árabes é o portão de Damasco --de onde saía a estrada para a atual capital da Síria. Os judeus usam mais o portão Jaffa --de onde seguia a estrada para a cidade que hoje se tornou um subúrbio de Tel Aviv-- e o portão Zion, que dá acesso direto ao Muro das Lamentações.
A parte muçulmana é a mais agitada, sempre lotada de árabes que a utilizam para fazer as suas compras do dia-a-dia. Há casas de câmbio e lojas de CDs e fitas piratas, uma cena comum em mercados árabes em outras cidades da região, como Cairo e Damasco. A música é um rock árabe. No meio das lojas, em uma espécie de praça, mulheres vendem folhas de uva sentadas no chão. Há barracas de suco e de shawarma --sanduíche árabe.
A Esplanada das Mesquitas fica na parte muçulmana. No alto dela, localizam-se a mesquita do Domo da Rocha, de onde o profeta Maomé teria subido aos céus, e a mesquita de Al Aqsa. Porém o acesso a elas se dá pela parte judaica, por uma escadaria que fica ao lado do muro.
Para entrar na parte judaica, é preciso passar por detectores de metal. A principal atração desse quadrilátero é o muro, que fica lotado após o pôr-do-sol da sexta-feira, quando tem início o shabat --dia do descanso para os judeus.
O colorido dos judeus rezando --homens de um lado e mulheres do outro-- é impressionante. De pé, eles fazem movimentos nos quais curvam a coluna em direção ao muro seguidas vezes. Grupos de judeus, a maioria ortodoxos, chegam juntos, cantando músicas religiosas, animados. Em um dos cantos, um rabino toca uma espécie de berrante, enquanto outras pessoas dançam em uma ciranda de mãos dadas.
O muro é o suporte da Esplanada das Mesquitas --que os judeus chamam de Monte do Templo. Isso porque nesse local ficava o templo de Salomão, exatamente no mesmo lugar onde hoje está o Domo da Rocha --a pedra dentro da mesquita de onde o profeta Maomé subiu para os céus, e a mesma na qual o patriarca judeu Abraão sacrificou o seu filho Isaac.
A Esplanada das Mesquitas permanece vazia durante a maior parte do tempo. Lota nos horários das orações, especialmente às sextas-feiras, dia sagrado para os muçulmanos.
Hoje é complicado entrar nas mesquitas. Apesar de não ser proibida a visitação, alguns homens ficam nas portas de entrada e, se percebem que o turista não é muçulmano, o impedem de entrar. E não tem discussão.
A parte cristã da cidade tem que começar a ser visitada a partir do quadrilátero muçulmano --ponto de partida da Via Dolorosa. O ideal é que esse passeio ocorra também em uma sexta-feira --obviamente o melhor dia para ir à cidade. É nesse dia que os franciscanos organizam uma procissão, passando por todas as estações da Via Dolorosa até chegar à igreja do Santo Sepulcro.
Texto publicado originalmente em dezembro de 2004
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Extraído de:
Folha de São Paulo on-line, em 08/05/2008.
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