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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Heróis e vilões: Bush mantém política maniqueísta equivocada para o emaranhado Oriente Médio

George W. Bush está examinando o legado de sua política para o Oriente Médio: de Beirute a Teerã, seu sucessor será um herdeiro de fortes detratores e amigos fracos

De Christoph Schult, Daniel Steinvorth e Bernhard Zand

Os refugiados chegaram em um magnífico iate branco, o Michka II. Sob um céu azul brilhante, o barco deslizou suavemente até o porto de Larnaca, na costa leste de Chipre. Madame Habib, a esposa do árabe proprietário do iate, se despediu de seus novos amigos com um beijinho na bochecha. Então os 12 passageiros libaneses elegantemente vestidos, com seus óculos escuros da moda, sacolas e malas, desembarcaram.

"Eles pagaram 800 euros", revelou a sra. Habib. "Outros pagam o dobro. Dinheiro não é problema para estas pessoas -elas só querem sair de Beirute de forma rápida e confortável, sem ter que fugir pela Síria. Eles odeiam a Síria."

Crises sempre foram um motor para os negócios em Larnaca. Os libaneses prósperos que fogem de seu país por navio são visitantes bem-vindos. Durante a guerra civil dos anos 70 e 80, eles provocaram um boom de construção na ilha. O ano recorde para o setor de turismo ocorreu em 2006, quando estourou a guerra com Israel.

Agora, milhares estão fugindo novamente pelo mar. O fechamento do aeroporto de Beirute até a última quinta-feira e o bloqueio da rota por terra para a Síria pelos milicianos deixaram poucas opções.

"A história está se repetindo", disse Hussein al Shahim, um empresário do sul do Líbano que está encalhado em Larnaca. "Os libaneses são mestres em tornar suas próprias vidas um inferno."

O inferno do qual as pessoas estavam fugindo desta vez foi um ataque da milícia de oposição ligado ao Hizbollah contra a abastada facção leal ao governo de Beirute Ocidental, que levou a combates na capital e nas montanhas libanesas. Foram 82 mortos e 150 feridos em uma semana, morteiros, funerais, protestos... a lista continua. O Hizbollah, que vinha usando suas armas apenas contra Israel, agora as está usando como parte de uma disputa interna pelo poder no Líbano. Mas está fazendo isso por conta própria, ou agindo sob instruções de Damasco ou Teerã?

Independente da resposta, agora um novo racha se desenvolveu no já rachado Líbano. Desta vez entre muçulmanos sunitas e xiitas, de forma semelhante à situação no Iraque. Há cristãos em ambos os lados e a minoria drusa também está dividida, espelhando a situação mais ampla no Líbano. Shahim, um xiita, cercado por compatriotas no salão de seu hotel em Larnaca, evita falar sobre política.

Puxando o Líbano por todos os lados
Ao mesmo tempo, outros estão fazendo exatamente isso -em Washington e Teerã, no Golfo e no Egito, em Damasco e Jerusalém. Os últimos dias demonstraram claramente, de novo, os poderes que puxam o Líbano por todos os lados, as hostilidades que nasceram da situação e o abismo diante do qual o Oriente Médio se equilibra em Beirute.

Saud Al Faisal, o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, um defensor leal dos muçulmanos sunitas do Líbano, começou com a acusação de que a culpa é de Teerã. Ele disse que as ações do governo iraniano no Líbano, executadas com a ajuda dos fantoches do Hizbollah, "afetam nesta semana as relações (do Irã) com todos os países árabes, se não com todos os Estados islâmicos". A resposta do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, foi a de que Saud Al Faisal provavelmente estava apenas "zangado". O patrono do Hizbollah xiita insistiu que o Irã é "o único país que não interfere nos assuntos internos do Líbano".

Os eventos em Beirute são basicamente um "assunto interno" para o Líbano, acrescentou o presidente sírio, Bashar Al Assad. Mas poucos acreditam em suas palavras, porque está claro demais que ele adoraria tornar novamente seus os assuntos do Líbano.

George W. Bush falou em seguida. O presidente americano estava na região para o 60º aniversário de Israel, mas foi forçado, novamente, a testemunhar as ruínas de sua política para o Oriente Médio. Ele apresentou sua visão pra o ano 2068 ao Knesset -uma visão que era tão bela quanto simples, e a mundos de distância do presente triste e complicado. Daqui a 60 anos, segundo Bush, "do Cairo e Riad até Bagdá e Beirute, as pessoas viverão em sociedades livres e independentes. O Irã e a Síria serão países pacíficos (...) e a Al Qaeda, Hizbollah e Hamas serão derrotados, à medida que os muçulmanos de toda a região reconhecerem o vazio da visão dos terroristas e a injustiça de sua causa".

E assim ele falou de novo, este grande maniqueísta que só consegue diferenciar entre bem e mal, heróis e vilões. Mas a situação no Oriente Médio nunca foi clara, particularmente no que se refere ao emaranhado diplomático complicado que é o Líbano, Iraque e os territórios palestinos.

Comparar Nasrallah a Bin Laden é absurdo
O protagonista desta crise mais recente, o líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, mantém aliança com os regimes em Teerã e Damasco. Mas compará-lo ao líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, como fez Bush, é absurdo. O ex-presidente assassinado do Líbano, o líder sunita Rafik Hariri, já disse a respeito de Nasrallah: "É possível negociar com ele"; e no dia do discurso de Bush, esta avaliação parecia ser novamente confirmada. O primeiro avião pousou no aeroporto de Beirute, vindo de Paris, na quinta-feira, e os soldados de Nasrallah removeram as barreiras das vias de acesso ao aeroporto. A votação em um novo presidente, adiada 19 vezes desde novembro, também poderá ocorrer em poucos dias, anunciou o primeiro-ministro do Qatar, que intermediou o acordo. Ele convidou as partes em disputa até Doha, onde também negociariam um governo de unidade e uma nova lei eleitoral.

O Hezbollah terá que fazer concessões em Doha, mas Nasrallah venceu a batalha mais importante. O líder xiita não é mais apenas um inimigo irreconciliável de Israel e líder da oposição libanesa -ele agora é também o líder de um Estado dentro de um Estado ao qual todas as partes estão se dobrando por temor de outra guerra civil.

A situação é semelhante para o líder xiita iraquiano Muqtada Al Sadr, que esteve ausente da lista negra de vilões de Bush desta vez. Ele também conta com o apoio dos mulás em Teerã, às vezes sem hesitação, às vezes nem tanto. Mas mesmo Al Sadr é capaz de ceder. Na semana passada, ele concordou em um cessar-fogo com o governo iraquiano -a situação não era tão pacífica na área xiita de Bagdá, Cidade Sadr, há muito tempo.

A comparação de Bush com a Al Qaeda talvez seja mais apropriada para o partido sunita Hamas, que bombardeia Israel com foguetes todo dia. Mas mesmo aqui há uma diferença: ninguém fala com a Al Qaeda, mas os representantes do Hamas ocasionalmente falam com o Egito. O primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, recebeu uma visita de Omar Suleiman, o chefe do serviço de inteligência egípcio, visando discutir as perspectivas de um cessar-fogo de seis meses na Faixa de Gaza. O egípcio deu um sinal afirmativo cauteloso.

A ameaça de guerra, o desejo por paz
Um minuto de derramamento de sangue, seguido por um cessar-fogo -a região raramente esteve sob tamanha ameaça de guerra mas também tão desejosa de paz. Em nenhum lugar a tensão é maior do que em Israel, que está simultaneamente em negociações com a Síria, mas também a ponto de outra invasão na Faixa de Gaza.

Logo após a partida do intermediário egípcio, um míssil Grad atingiu um shopping center na cidade de Ashkelon. Até então, apenas alguns poucos linhas-duras isolados no gabinete de Olmer apoiavam uma nova invasão de Gaza, mas a pressão sobre o primeiro-ministro aumentou após o ataque. O ministro da Defesa, Ehud Barak, e o chefe do Estado-Maior do Exército, Gabi Ashkenazi, mudaram de posição; ambos agora consideram uma operação militar na Faixa de Gaza como inevitável.

Desde que começaram as investigações sobre as doações suspeitas recebidas por Olmert, sucessores potenciais tem se apresentado dentro do Partido Kadima de governo. Um dos candidatos, o ministro do Interior, Meir Sheetrit, apareceu na televisão israelense na quinta-feira após o bombardeio, pedindo por ataques militares em grande escala. "Nós erradicaremos bairros inteiros", ameaçou Sheetrit, ciente de estar expressando o sentimento da maioria dos israelenses. "Nós lhes daremos um dia de alerta de que vamos atacar seu bairro. Então se não fugirem, a culpa será só deles."

Olmert disse ainda estar esperançoso de que Israel "não precisará recorrer à força militar, que até agora não foi seriamente empregada" contra o Hamas. Ele ainda defende um cessar-fogo. Mas a falta de interesse dos líderes em Gaza em chegar à paz a curto prazo já estava clara no início desta semana, quando uma mulher israelense foi morta por um ataque de míssil contra uma aldeia na fronteira com a Faixa de Gaza.

"Nós nunca reconheceremos Israel!" declarou Mahmoud al Sahar, o líder mais influente do Hamas na Faixa de Gaza, em uma contramanifestação às comemorações do aniversário de Israel. Ele segurou no alto uma chave gigante, que visava simbolizar as chaves das casas perdidas pelos árabes em 1948, e disse: "Nossa batalha levará ao desaparecimento de Israel!"

O fato do presidente iraniano Ahmadinejad ter feito ameaças semelhantes no mesmo dia fortalece o sentimento de Israel de estar sitiado -pelos radicais islâmicos do Hamas no sul e pelo Líbano no norte, onde o Hizbollah agora está mais forte do que nunca. E por trás de ambos estão os mulás em Teerã, fornecendo dinheiro, armas e uma voz no cenário mundial.

Mesmo se os conflitos no norte e sul puderem ser contidos sem recorrer à guerra, um confronto militar com o Irã é considerado inevitável. Poucos ministros ainda acreditam que sanções podem impedir o Irã de produzir armas nucleares. Há uma raiva considerável em Jerusalém contra a Áustria e Suíça, que assinaram acordos de fornecimento de gás com Teerã. A Alemanha também tem sido severamente criticada -a visão de Israel é de que o país fez apenas restrições mínimas ao seu comércio com o Irã.

É basicamente o fim próximo da era Bush e a incerteza associada ao que virá a seguir que torna a situação no Oriente Médio tão imprevisível. Qualquer conversa com "terroristas e radicais" seria pouco mais que um apaziguamento, alertou o presidente americano, "como se algum argumento hábil fosse capaz de persuadi-los de que estavam errados o tempo todo".

Esta foi a forma como Bush, mantendo sua posição até o final, expressou seu desacordo com as negociações de Israel com a Síria e ao mesmo tempo contradisse o provável candidato presidencial Barack Obama, que deixou claro que está preparado para negociar com Teerã.

Suas palavras também foram uma rejeição ao seu próprio secretário de Defesa, Robert Gates, que no dia anterior pediu por uma nova abordagem em relação ao Irã. Os Estados Unidos podem ter perdido boas oportunidades para entrar em um diálogo com os mulás e agora precisam elaborar uma combinação de incentivos e pressão para obter concessões do Irã, ele disse.

"Se a intenção é de haver uma discussão, então eles também precisam de algo", disse Gates. "Nós não podemos ir a uma discussão e apenas fazer exigências, sem que sintam que precisam de algo de nós."

Suas palavras se distanciam da posição política de Bush e parecem representar um alargamento, apesar de vago, da percepção americana. A visão de Gates da situação não é tão cor-de-rosa quanto a de Bush de um Oriente Médio democrático em 2068 -o que a torna muito mais realista.

Tradução: George El Khouri Andolfato

Extraído de:
Der Spiegel, em 21/05/2008.

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