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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quarta-feira, 21 de maio de 2008

Israel – 60 anos (Henrique Rattner)

Israel – 60 anos

por Henrique Rattner

A aspiração para o retorno á terra dos antepassados nos tempos modernos data do fim do século XIX quando na Rússia czarista, em conseqüência de inúmeros pogroms, foi criado o movimento dos “Amigos de Sion” (Hovevei Tzion), um pequeno grupo que tentou reacender a chama nacionalista via o retorno à terra prometida conforme escrito na bíblia. Foram poucos milhares de seguidores e o movimento ficou praticamente ignorado pelas massas judaicas. Alguns anos mais tarde, na década dos 80 surgiu outro movimento, os “Biluím” (Casa de Jacó, vamos e iremos) que tentou novamente influenciar a população judaica para emigrar a Israel. Mas, as massas de trabalhadores judeus, organizados no “Bund”, uma organização de ideologia socialista e social-revolucionária, optaram por uma solução política da “questão judaica” através de uma transformação radical das sociedades russa e polonesa, solidários com os socialistas de seus respectivos países. Não se admira o número elevado de líderes revolucionários judeus, entre os social-revolucionários e entre os mencheviques e bolcheviques. Houve, também, tentativas de fuga do serviço militar obrigatório que podia estender-se por mais de vinte anos. Assim, entre os anos 1904-1910 ocorreu a primeira Aliá e emigração de aproximadamente 10.000 jovens que estabeleceram as primeiras comunidades coletivistas (Kibutzim) e aldeias. Um movimento bem maior, a segunda Aliá ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, formando um número maior de Kibutzim e aldeias cooperativistas. Ainda assim, a massa de trabalhadores judeus preferiu permanecer e lutar por uma sociedade mais justa e socialista nos paises da Europa Oriental, mesmo após os pogroms na Rússia Czarista, em começos do século XX, instigados pelo clero ortodoxo e tolerados pelas autoridades, causando milhares de vítimas, entre crianças, mulheres e idosos. Os fugitivos dos pogroms seguiram para a então Palestina, onde ampliaram a rede de colônias coletivistas, na Galiléia e no vale de Isreel, em condições extremamente precárias, assolados pela malária e, não raramente, pela fome.

Nesse mesmo tempo, ampliou-se e fortaleceu-se o movimento sionista na Europa, inspirado por Teodor Herzl, um jornalista oriundo do império austro-húngaro, profundamente impressionado pela onda de anti-semitismo desencadeada na França, em conseqüência das acusações lançadas contra um oficial judeu do exército francês, condenado por espionagem e traição ao desterro e prisão na Guiana Francesa.

Mais de 10 anos mais tarde, Emile Zola lançou seu famoso grito “J´accuse”, acusando as autoridades e sobretudo o alto comando das forças armadas, de terem falsificado e omitido documentos que provaram a inocência do capitão Dreyfuss.

No início da Primeira Guerra Mundial na qual a Turquia se alinhou às potências centrais, a Alemanha e o império austro-húngaro, viviam na Palestina algumas dezenas de milhares de judeus ortodoxos, nas cidades de S´fat e Jerusalém e outros em algumas aldeias agrícolas espalhadas pelo país. Com a derrocada do império turco pelas tropas britânicas e os exércitos beduínos Wahabitas recrutados pelo coronel inglês Lawrence, as imensas áreas do Oriente Médio foram repartidas, pelo acordo Sykes-Picot, entre a França e a Inglaterra, segundo o qual caberiam à primeira os territórios da Síria e do Líbano, ficando os ingleses com a parte do leão – o Egito, a Arábia Saudita, o Iraque e a Palestina. Os ingleses ainda tentaram entronar um dos príncipes da casa Hashemita como rei em Damasco, donde foi expulso pelas tropas francesas. Em compensação, os ingleses lhe cederam o trono do Iraque. A Palestina, outro pomo de discórdia, foi dividida, sendo a parte oriental da cidade de Jerusalém cedida ao Emir Abdalla, um dos filhos do Emir Hussein que tinha liderado as tropas beduínos contra os turcos. A parte ocidental, o futuro território da Palestina, foi reduzido a 27.000 km2, habitados por algumas centenas de milhares de Felahim, agricultores árabes trabalhando em regime de semi-servidão para os “effendis” – os proprietários ausentes, vivendo em Damasco, Bagdá ou Beirut e que acharam um ótimo negócio de vender suas terras ao Fundo Nacional Judeu, sem preocupar-se com o destino de seus habitantes.

No começo da década de 20, iniciou-se uma onda de imigração judaica, numericamente mais expressiva. Eram em sua maioria membros da classe média, de movimentos juvenis, com boa formação escolar, decididos de implantar novas colônias agrícolas coletivistas, em pontos estratégicos do país. Os “halutzim” - pioneiros, viviam de acordo com os princípios socialistas. As decisões importantes sobre a admissão de novos membros; os investimentos prioritários; as construções de moradias ou de infra-estrutura eram tomadas em assembléias gerais, geralmente realizadas no refeitório comum da coletividade. Criou-se um forte ethos de vida e do trabalho em comum, vedando o trabalho assalariado. A educação das crianças desde a mais tenra idade foi coletiva, do berçário até a fase adulta. Os investimentos em infra-estrutura, compra de tratores para a lavoura, de caminhões para o escoamento da produção, tudo obedecia aos princípios do Kibutz, considerado o núcleo de uma nova organização social, mais justa e eqüitativa.

Os palestinos não ficaram passivos diante a contínua expansão das terras e colônias judaicas. Em 1921, irrompeu uma onda de assaltos noturnos às colônias, geralmente rechaçadas pelos colonos, com o apoio hesitante da polícia inglesa.

Outro levante, mais amplo e violento, ocorrem em 1929 quando os guerrilheiros palestinos penetraram em vários assentamentos, matando seus habitantes.

Durante os anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, a efervescência no meio árabe cresceu, sobretudo com o aumento da imigração de judeus da Europa Central, refugiados da sanha assassina dos nazistas. Em 1936, o parlamento inglês encarregou a Comissão Peel de elaborar um relatório sobre a situação na Palestina e recomendar medidas para reduzir a tensão entre as duas populações. A recomendação mais drástica da Comissão Peel foi a de impedir a entrada no país de novos imigrantes.

O estouro da Segunda Guerra Mundial em 1939, mudou radicalmente o cenário no Oriente Médio e, também, na Palestina.

As tropas inglesas estacionadas no Egito foram acuadas e rechaçadas pelas tropas alemãs sob o comando do general Erwin Rommel, que chegou até 110 km de Port Said, procurando fechar o canal de Suéz, vital para o transporte de tropas e abastecimentos da Índia, África do Sul e Austrália.

Do outro lado do campo da batalha, os exércitos alemães avançaram rapidamente em direção ao Cáucaso, pretendendo fechar a “tenaz” sobre o movimento das tropas inglesas. Outro fato de complicação para os ingleses foi o levante quase simultaneamente de oficiais pró-nazistas no Egito e no Iraque, que declararam abertamente sua adesão e preferência pelo regime nazista. Os dois levantes foram reprimidos e os oficiais, entre os quais os coronéis Gamal Abdel Nasser e Anwar Sadat, futuros presidentes, foram encarcerados.

No mesmo tempo, o ímpeto do avanço das tropas alemãs foi quebrado na batalha de El-Almein pelas tropas britânicas sob o comando do general Montgomery. Percebendo que entre todas as populações do Oriente Médio, os únicos que tiveram interesse vital na vitória dos ingleses, esses começaram a treinar jovens judeus para uma tropa de elite (o Palmach), distribuíram armas à população e consentiram na formação de uma brigada de judeus como tropas auxiliares na guerra. Vários oficiais dos mais graduados da brigada, tornaram-se os futuros comandantes das tropas israelenses, na época da guerra da independência.

A rendição do marechal von Paulus com seus 500.000 soldados em Stalingrado; os avanços contínuos dos exércitos russos, reconquistando os territórios perdidos no “Blitzkrieg” alemão; o recuo destes, por falta de armas e suprimento no norte da África; a invasão pelos aliados da Grécia e da Itália; o forte movimento de partisãos na Iugoslávia culminou com a invasão no lado atlântico da Normandia, que quebrou as linhas de defesa dos alemães e assinalaram o próximo fim do pesadelo de uma guerra que ceifou a vida de trinta milhões de pessoas, entre militares e civis e destruiu grande parte das cidades, instalações industriais e da infra-estrutura.

Terminou a guerra e com ela recrudesceram as atividades de facções armadas extremistas da população judaica, para obrigar os ingleses a abandonarem o país. Diversos atentados foram cometidos, sendo o mais conhecido a explosão do hotel King David em Jerusalém, que abrigava o alto comando do exército inglês. Com isto cresceu a repressão, mesmo a manifestações pacificas pela independência do país que estava praticamente em estado de guerra.

Numa madrugada de junho de 1946, as tropas inglesas cercaram o Kibutz Tel Yossef, onde eu passava os fins de semana em companhia de minha mulher Miriam e o filho Iossi. Todos os homens foram feitos prisioneiros, pois por ordem da “Hagana” não deviam identificar-se. Escapei por ter comigo a carteira da marinha mercante e durante duas semanas trabalhei dia e noite para atender às necessidades básicas da população de 600 pessoas, mulheres, crianças e idosos. Os “presos” foram deportados para um campo de concentração, Sarafend, em antigas barracas do exército inglês durante a guerra, e lá permaneceram por meses.

O fim da guerra em maio de 1945, com a conquista de Berlim pelos russos,, revelou ao mundo a indescritível barbárie nazista. 6 milhões de judeus mortos nos crematórios e nos campos de concentração, Auschwitz, Birkenau, Dachau e outros, enquanto os sobreviventes estavam em condições físicas e psíquicas terríveis (talvez melhor descrito por Primo Levy, também ex-prisioneiro, no livro “É este um homem”?). Os líderes do mundo convenceram-se do desastre que se abateu sobre o povo judeu e, em novembro de 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas resolveu criar o Estado de Israel e o dos palestinos, na Terra Santa. O mundo árabe recebeu com indignação e revolta a resolução e começou seus preparativos para expulsar os judeus, a partir do momento em que os ingleses iriam abandonar o país, em maio de 1948. Efetivamente, a guerra irrompeu nesta data em condições extremamente críticas para os judeus, numa minoria de 600.000 contra quase um milhão de palestinos. Os ingleses tinham deixado os postos policiais fortificados e com armas abundantes nas mãos dos palestinos.

Os judeus não dispunham de armamentos para enfrentar os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e tropas auxiliares do Iraque, além dos próprios palestinos cujos líderes proclamaram como seu objetivo de “jogar os judeus no mar”.

Não é aqui o momento de relatar as batalhas travadas, no norte e no sul do país, sustentadas pelos jovens do “Palmach”. Quando em fins de 1948 foi proclamado um armistício pelas Nações Unidas, os judeus tinham não somente preservado seus territórios, conforme estipulava a partilha, mas tinham também ocupado uma parte da Galiléia, de maioria árabe, as cidades de Jaffo, Acre e outros pontos estratégicos, assinalando uma tremenda derrota dos países árabes. Em maio de 1948 foi celebrado sob intenso jubilo o dia da “Independência” e Israel passou a ter assento na Assembléia das Nações Unidas e de suas organizações.

O governo enfrentou uma tarefa hercúlea: prover transporte; acolher e alimentar centenas de milhares de sobreviventes de campos de concentração e, também, os refugiados judeus dos países árabes, desde Marrocos, Tunísia, Líbia, Egito, Iraque, Síria e, mais tarde, da Etiópia. Seria possível acolher essas centenas de milhares de imigrantes, privados de tudo e assegurá-los moradia, trabalho, educação e saúde para todos?

Sob este aspecto, Israel cumpriu suas tarefas de oferecer numa nova pátria aos desterrados e desenraizados.

Nos primeiros anos de sua existência o novo estado obteve a simpatia e o apoio – talvez por sentimentos de culpa da maioria do mundo ocidental pelo holocausto e, pela epopéia dos sobreviventes encarcerados na ilha de Chipre, da qual procuraram fugir clandestinamente, com a ajuda de barcos vindos e tripulados por jovens marinheiros israelenses.

Apesar da política abertamente pró-árabe do governo inglês, nada conseguiu deter a onda de entusiasmo pelo cumprimento da promessa bíblica – a volta à terra dos antepassados. Contudo, o sonho de dois mil anos tão expressivamente manifesto na “Hatikva” (a esperança) o hino nacional judeu, não se concretizou pelo retorno de todos os judeus, cuja maioria preferiu permanecer nos países da “Diáspora”. Enquanto isso, a política oficial dos sucessivos governos minimizou a resistência dos palestinos, e tentou ignorar o drama das famílias árabes expulsas de suas casas e aldeias, constituindo uma massa de refugiados, para as quais também os países árabes não prestaram ouvidos. Continuavam a acreditar que logo iriam expulsar os judeus e re-ocupar toda a Palestina.

Na guerra de 1948 e do armistício seguido, os judeus saíram com a parte maior do território do que lhes foi alocado pela ONU, em conseqüência da derrota infligida aos exércitos árabes.

Havia muitos anos, a população judaica tinha se preparado para o confronto através da formação do Palmach – uma tropa de choque constituída basicamente pelos jovens, filhos dos assentamentos coletivistas e treinados pelo capitão Charles Ord Wingate, posteriormente promovido a brigadeiro e morto na guerra da Birmânia, que deu o nome ao instituto de treinamento avançado de oficiais e quadros superiores do serviço de contra espionagem de Israel. Também, em cada núcleo rural - Kibutz e Moshav - funcionava um treinamento permanente para a defesa da população civil pela Hagana (defesa), de cujos quadros foram recrutados os comandantes militares e funcionários graduados do ministério da defesa. A escassez de armamentos foi superada, pelo menos parcialmente, pelo envio de carregamentos a mando da ex-União Soviética, da Tchecoslováquia.

Quando em 1948 foi declarado o armistício entre os combatentes dos dois lados, os judeus tinham conquistado terras que pela partição declarada pela ONU deveriam pertencer ao futuro estado da Palestina. A situação de guerra continua até hoje, com a Síria, Iraque e outros países árabes, com exceção da Jordânia e do Egito que assinaram um tratado de paz, após a guerra de 1973, recebendo a devolução de seus territórios do Estado de Israel. O movimento de resistência palestina que vinha de 1919 após a Primeira Guerra Mundial, irrompeu com força em 1929, invadindo várias localidades e assassinaram suas populações. O movimento ressurgia em 1936, com repetidos ataques de guerrilheiros infiltrados do Iraque, atacando os Kibutzim na Galiléia e no Vale de Isreel e voltaram com renovado vigor nos anos de 1950, com a criação de destacamentos de Fedayen – guerrilheiros comandados por Yasser Arafat. Do lado israelense, o movimento nacionalista palestino foi praticamente ignorado, sobretudo após as campanhas militares vitoriosas de 1956, com Israel aliado à França e Inglaterra que queriam recuperar o controle do Canal de Suez, nacionalizado pelo presidente Gamal Abdel Nasser. Nova derrota acapachante foi infligida nos exércitos do Egito, Jordânia e Síria que planejaram um ataque abortado na famosa “Guerra de 6 Dias”, em junho de 1967, o que levou os exércitos israelenses até o canal de Suez, ocupando a península de Sinai e a conquista no norte do país, das colinas do Golan. No centro do país, os soldados israelenses ocuparam a Cisjordânia e parte de Jerusalém antiga ocupada pelos jordanianos, sob o reino de Hussein, descendente dos Hashemitas.

O delírio coletivo pelas vitórias relâmpagas contra os três exércitos inimigos permeou o espírito não somente da população, mas também das altas esferas do governo e das forças armadas e a superioridade militar flagrante afastou a possibilidade de celebração de um acordo de paz com os árabes.

Reforçou a tendência de ocupação das áreas palestinas ocupadas que passaram por um processo ininterrupto de assentamentos, os quais aumentariam as dificuldades de um futuro e hipotético processo de paz. Israel prosperava com a imigração de centenas de milhares de refugiados dos países árabes, imigrantes dos países europeus, sobretudo dos oriundos da ex-união soviética após seu desmoronamento em 1989. Junto com os novos imigrantes, chegaram investimentos os quais, em combinação com a criatividade e as inovações tecnológicas israelenses fizeram a economia prosperar, alcançar o elevado nível do PIB e o ingresso na o OCDE – o clube dos países seletos de desenvolvimento econômico e social.

Mas, social e culturalmente, a sociedade israelense aburguesou-se; o número de Kibutzim – as colônias agrícolas coletivistas regidas por princípios socialistas e igualitárias, diminuiu a cada ano, abandonando seus membros o estilo de vida na lavoura, em troco pelo suposto conforto e consumo conspícuo das cidades. A imensa maioria dos imigrantes e refugiados, sobretudo os oriundos dos países árabes, estabeleceram-se nas cidades, alterando sua fisionomia e cultura, com a penetração e difusão de padrões orientais levantinos. O serviço militar obrigatório de três anos funcionou durante muito tempo como poderoso fator de integração e socialização. Mas, não impediu a expansão de um estilo de vida individualista e consumista, de pouca preocupação com os destinos da sociedade ampla.

Politicamente, essas transformações sociais e culturais inclinaram a sociedade israelense para a “direita”, tendo o partido trabalhista, no governo desde a Independência perdido a maioria no parlamento (Knesset) que passou para o Likud (União) cujos os líderes Menachem Begin e Benjamim Netanyahu assumiram sucessivamente a posição de primeiro ministro. A eles, após a renúncia de Itzhak Shamir, seguiu o general Ariel Sharon, conhecido por suas posições extremistas. Com a doença de Sharon assumiu seu vice Ehud Olmert, no poder até hoje mas politicamente fraco e acusado, reiteradas vezes, por atos de corrupção. Mas, no cenário político atual, não parece haver alternativas. O partido trabalhista perdeu votos, apesar da eleição de Shimon Peres, recentemente para a presidência do estado e que exerce uma função puramente decorativa. A “esquerda” – a trabalhista, o “Meretz” e outros grupos não conseguem construir uma coalizão no parlamento sem o apoio dos grupos de religiosos – ortodoxos (Shaas) e dos radicais da direita – “Israel Beiteinu”. Israel é nossa casa, ambos radicalmente opostos a concessões políticas e devolução da terra aos palestinos.

Entre os anos de 1967 e 1973, o país viveu numa euforia, confiando em sua superioridade militar contra os árabes. Afluíram investimentos externos, criaram-se novas empresas e a sociedade israelense, antes austera, igualitária e baseada em sólidas relações de cooperação transformou-se em mais uma presa do capitalismo global. O relaxamento no treinamento e nos preparativos das forças armadas resultou no maior desastre militar da história do estado de Israel. No dia de Yom Kippur de 1973, o dia mais sagrado da religião judaica, quando toda a população estava nas casas de oração, as forças armadas egípcias lançaram um ataque relâmpago, apoiado por pesado fogo de artilharia. Os soldados israelenses, na frente da batalha, estavam inferiores em número e armamentos e milhares foram vítimas dos ataques egípcios. Demorou a mobilização e o envio de reforços para a frente de batalha no Sinai o que aumentou o número de vítimas. Quando os reforços chegaram, conseguiram rechaçar as tropas e blindados egípcios e, sob a liderança do então general Ariel Sharon, avançaram em profundidade no território do Sinai, cercando mais de 150.000 soldados e cortando as linhas de abastecimento, inclusive de água, dos egípcios. Salvos por um armistício imposto pelos EUA e a ex-União Soviética, foi criado o clima para prolongadas negociações que resultaram na assinatura de um acordo de paz entre os beligerantes, com o reconhecimento de Israel e o estabelecimento de relações diplomáticas e comerciais entre os dois países, em troca da devolução do Sinai por Israel. Acordo semelhante foi celebrado com a Jordânia, apesar dos protestos do mundo árabe.

Em Israel, o desastre militar teve graves conseqüências políticas. O comandante em chefe Moshe Dayan, herói da guerra dos seis dias, demitiu-se e, poucos meses depois, também a primeira ministra Golda Meir renunciou ao cargo, que foi assumido por outro militar, o general Itzhak Rabin. A confiança da população em seu governo foi seriamente abalada e deu origem à ascensão do movimento nacionalista de direita, sob a chefia de Benjamin Netanyahu, seguido por Menachem Begin, ex-líder guerrilheiro do Etzel – Irgun Tzevai Leumi que posteriormente transformou-se no partido Likud (União).

Paradoxalmente, foi Begin, nacionalista extremista quem assinou o tratado de paz com o primeiro ministro egípcio Anwar Sadat, posteriormente assassinado por militantes da Irmandade Muçulmana.

A aparente trégua que se seguiu à paz com o Egito e a Jordânia, não impediu a irrupção de um novo movimento guerrilheiro palestino, sob liderança de Yasser Arafat. Apesar de tentativas de mediação de um acordo por Bill Clinton, as conversas sigilosas em Oslo, na Noruega, em Genebra e outros, os esforços fracassaram pela intransigência dos dois lados em ceder nos problemas essenciais. O movimento insurrecional cresceu após uma visita provocativa de Ariel Sharon, acompanhado por deputados numa sexta feira, dia sagrado dos mulçumanos, no recinto da mesquita de Omar. Desde então e até hoje, os ataques de guerrilheiros, de homens-bomba e de veículos carregados de explosivos não pararam.

Mesmo depois da retirada unilateral de Israel da Faixa de Gaza, onde vive 1 ½ milhão de palestinos em condições extremamente precárias, os ataques com foguetes Quassam de pouco alcance continuam a afligir a população israelense estabelecida perto da fronteira.

Nas eleições palestinas em 2006, o Hamas – partido radical que se recusa a reconhecer Israel e assim, sentar-se à mesa de negociação – obteve a maioria de votos, nomeando o primeiro ministro Ismael Haniya – franco opositor do presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas.

A Cisjordânia, sob o governo nominal do Fatah mais moderado, está literalmente cercada pelas tropas israelenses e por uma muralha de dezenas de quilômetros que deve impedir a penetração de terroristas. Os poucos postos de entrada e saída dificultam a vida dos palestinos, cada vez mais dependentes de auxílio financeiro do exterior.

Todas as tentativas de negociação mais recentes, com a intermediação de Condoleezza Rice, Dick Cheney, Romano Prodi, Tony Blair e outros; têm esbarrado em três pontos cruciais cuja superação parece cada vez mais difícil e distante: a questão de Jerusalém Oriental, como capital do futuro estado palestino; a evacuação e devolução das terras ocupadas hoje por 250.000 colonos israelenses; e uma solução satisfatória para os refugiados, ou melhor, seus descentes, até hoje abrigados em condições precárias nos países árabes vizinhos. Enquanto perdura o impasse, o Hamas continua a lançar seus foguetes Quassam, provocando reações da aviação e da artilharia israelense, com dezenas de vítimas.

Em julho 2006, o Hesbolla – partido de Deus – abrigado no sul do Líbano, capturou e matou dez soldados judeus, num claro ato de provocação. O conflito militar seguido durou algumas semanas causando pesadas perdas em homens entre os israelenses e o Hesbolla.

Novamente, as forças israelenses se mostraram despreparadas para enfrentar guerrilheiros urbanos contra os quais os pesados bombardeios da aviação tiveram pouco efeito, a não ser a destruição de parte da infra-estrutura e das cidades libanesas.

O armistício imposto em agosto de 2006, deixou as forças do Hesbolla, apesar de pesadas perdas em homens, intactas e continuando instaladas no sul do Líbano, com o apoio da Síria e do Irã. O que foi proclamada como vitória pelos chefes do Hesbolla, evidenciou, outra vez, o despreparo e a falta de planejamento estratégico nesta nova fase do conflito com os árabes, por parte de Israel cuja invencibilidade militar foi seriamente posta em dúvida.

A comissão de inquérito criada pelo parlamento israelense sob a chefia do juiz Winograd recomendou a renúncia do comandante chefe das forças armadas, o brigadeiro-tenente da força aérea Dan Halutz e, também, do ministro de defesa, Amir Peres. Isentou de culpa o primeiro ministro Ehud Olmert, que continua no cargo por causa da instabilidade das relações entre as forças políticas, o que inviabiliza a convocação antecipada de eleições, devido a sua fraqueza política no parlamento. O governo de Olmert, dependente das facções intransigentes e ortodoxas que rejeitam qualquer concessão aos palestinos, não oferece qualquer solução alternativa e, cedendo às pressões dos radicais, autorizou recentemente a construção de novas casas, apesar da promessa feita a Bush, nos territórios em disputa. Pressionado, por um lado, pelas ameaças do Irã que desenvolve ativamente sua indústria nuclear e cujo presidente proclama como meta de seu governo “apagar Israel do mapa mundi” e, por outro, pelas incertezas sobre o resultado das futuras eleições para presidência nos Estados Unidos, o estado de Israel, politicamente enfraquecido, deve se preparar para enfrentar seus mais sérios desafios desde sua fundação em 1948.

Inserido no mundo árabe, com mais de 150 milhões de habitantes pró-palestinos e considerado o “inimigo” por mais de 1 bilhão de islâmicos, a posição estratégica de Israel depende fundamentalmente do apoio norte-americano, cujo maior interesse na região são os imensos depósitos e reservas de petróleo, vitais para a economia dos EUA.

Apesar de tantas guerras e seu enorme orçamento militar, a economia israelense tem crescido quase ininterruptamente, ostentando um PIB invejável de aproximadamente US$ 16.000 per cápita. Mas, as ameaças que pairam sobre o jovem estado são mais políticas do que econômicas e militares. Apesar dos regimes autocráticos nos principais países da região – Egito e Arábia Saudita – deixando de lado os países praticamente em guerra civil – o Afeganistão e o Iraque – em todos cresce a insatisfação da população com seus governantes e com ela, aumenta o número dos partidários da Irmandade Muçulmana no Egito, e dos fiéis de Al Quaeda na Arábia Saudita. Engajados em programas sociais para aliviar a situação dos mais indigentes, mantendo escolas, centros de saúde e, obviamente, de doutrinação e treinamento militar, essas organizações têm crescido e espalhado seus homens por todos os lugares. A popularidade crescente dessas organizações que mantém milícias treinadas militarmente, ameaça derrubar os governos árabes mais moderados e conciliatórios com relação à questão palestina.

Os seguidores de Hamas e, provavelmente a maioria da população palestina ameaçam derrubar um governo disposto a estabelecer um acordo de paz.

Outro problema que paira no horizonte é o crescimento demográfico da população palestina, hoje 1/5 da população do Estado, e que coloca em questão o futuro de Israel, como estado judeu. Como resolver a questão de um “Estado Judeu” em que uma parte crescente de sua população é palestina e, se e quando houver negociação, exigirão um estado binacional ou para “todos” seus cidadãos?

Nos últimos anos, ocorreu uma lenta, mas contínua mudança no relacionamento entre Israel e os judeus da diáspora, particularmente, dos EUA, cuja população judaica equivale à de Israel e que possa vir a se tornar um novo centro espiritual e cultural do judaísmo.

Internamente, o sistema eleitoral antiquado e inoperante imobiliza a renovação dos quadros políticos, com novo conteúdo ideológico. Já foi mencionado o impasse com os colonos nos territórios palestinos, segundo as clausulas da resolução das Nações Unidas, em 1948. O exemplo da resistência e desocupação da Faixa de Gaza e a comoção que causou no país, não prometem saídas fáceis para o processo de restauração das terras aos palestinos, nas quais estão estabelecidos 250.000 colonos. É importante frisar que a política de ocupação das terras palestinas pelos israelenses foi praticada por todos os governos, desde os primeiros liderados pelos trabalhistas Ben Gurion, Levy Eshkol, Golda Meir, Itzhak Rabin e, com maior vigor, nos governos do Likud por Netanyahu, Begin, Shamir, Sharon e Olmert e constitui um legado histórico capaz de dar origem a conflitos armados internos, fragilizando ainda mais a coesão social e a solidariedade que caracterizaram Israel nos primeiros anos após a sua fundação quando foram acolhidos milhões de imigrantes e integrados produtivamente à sociedade.

O crescimento econômico e a prosperidade em conseqüência da adoção de políticas econômicas neoliberais, além de praticamente liquidar as colônias coletivistas – espinha dorsal do Estado de Israel na Guerra da Independência, contribuiu rapidamente para aumentar as disparidades em renda, consumo e bem estar, em prejuízo dos mais carentes.

Assim, apesar dos avanços inquestionáveis de Israel nas áreas das ciências – veja o número de prêmios Nobel em Física, Química, Medicina e Literatura - e em inovações tecnológicas na agricultura e indústria, os desafios que se colocam ao jovem Estado ao completar os primeiros sessenta anos, são formidáveis e constituem sérias barreiras à criatividade e ousadia ao enfrentar seus problemas internos e externos.

A tendência de prestar apoio irrestrito e incondicional a Israel afasta ou elimina os judeus da diáspora dos debates travados no país sobre suas políticas. Judeus secularizados e religiosos costumavam ter posições em comum ainda que por razões diferentes, como por exemplo, manter os territórios ocupados, seja por razões de segurança, seja por causa da próxima redenção pelo Messiah.

Mas, o desacordo persiste quanto às questões mais básicas: quem é judeu; o papel da religião e o “status” de não judeu na sociedade?. A sociedade israelense não consegue chegar a um acordo sobre sua identidade e, enquanto não forem respondidas essas indagações parece impossível resolver o problema das relações com os palestinos, inclusive aqueles que são cidadãos israelenses. Ajudar a Israel não pode mais significar conceder apoio sem qualquer crítica. As instituições da diáspora não podem omitir-se de críticas a políticos israelenses que pregam o racismo e a intolerância, tal como o recém nomeado ministro Avigdor Lieberman.

O debate sobre as políticas israelenses deve ser encorajado, a fim de mobilizar todos aqueles que concordam com a desocupação dos territórios, para que os palestinos possam construir seu próprio estado e, assim, assegurar a paz e retorno de Israel a sua vocação de construir um porto seguro democrático para todos os judeus do mundo.

Extraído de:
Revista Espaço Acadêmico – Número 84 – Mensal – Maio de 2008.

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