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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sábado, 31 de maio de 2008

Nazistas do Leblon: Espiões de Hitler subornavam funcionários do porto para obter rotas de navios


Leonardo Valente
O Globo, Ciência, página 42 (versão impressa – página inteira e com fotos), em 31/05/2008.

Quinze de março de 1942. Um grupo de policiais paulistas, numa missão altamente sigilosa, chega ao Rio de Janeiro e segue direto para uma casa no Leblon, na Rua Campos de Carvalho (atual General San Martin). Lá, após meses de investigação, descobriu-se que funcionava uma das mais importantes células de espionagem nazista no Brasil e que, por meio de rádios transmissores, eram enviadas informações periódicas para Berlim. Os policiais rapidamente invadiram o lugar e renderam todos, entre eles o engenheiro alemão Niels Christensen, espião experiente e líder do grupo. Mas, ao examinarem os papéis que encontraram no local, as autoridades entraram em pânico: coordenadas de viagem do navio Queen Mary, orgulho da frota britânica que deixara o porto do Rio, tinham acabado de ser transmitidas para o Reich.

O navio, que tinha oito mil soldados canadenses a bordo, seria alvejado em breve por submarinos alemães.

A história, digna de um roteiro de filme de espionagem, é apenas uma das muitas e pouco conhecidas passagens dos nazistas pelo Rio de Janeiro durante a Segunda Guerra Mundial. Boa parte delas está contada no livro “Crônica de uma guerra secreta”, de Sergio Corrêa da Costa (Ed. Record), mas outras obras que acabam de ser lançadas também dão informações sobre as atividades alemãs no Brasil do Estado Novo.

Então capital do país, o Rio atraiu a atenção da Alemanha de Adolf Hitler, especialmente depois de janeiro de 1942, quando o então presidente Getúlio Vargas rompeu relações diplomáticas com as potências do Eixo.

— Sabemos que a atividade de espionagem alemã no Brasil era grande. É fato que algumas representações oficiais do Reich no Rio, por exemplo, enviavam mensagens criptografadas para Berlim, e muitas delas jamais foram decifradas — afirma a pesquisadora Ana Maria Dietrich, doutora em História pela Universidade de São Paulo, professora da Universidade Federal de Viçosa e autora do livro “Caça às suásticas — O partido nazista em São Paulo sob a mira da polícia política”, que acaba de ser lançado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Queen Mary mudou de rota para evitar ataque
Os policiais paulistas foram os responsáveis pela prisão dos espiões nazistas no Rio por serem eles os responsáveis por uma minuciosa investigação, a partir da capital paulista, sobre as atividades de espiões do Reich no Brasil.

Aqui, descobriram que a equipe de Christensen recebia suporte de autoridades alemãs e que conseguiam, entre muitas outras informações, dados sobre todos os navios que chegavam e saíam do Porto do Rio de Janeiro. As informações eram obtidas por meio de um esquema de suborno de funcionários do porto, que forneciam as coordenadas de viagens das embarcações. As autoridades não conseguiram saber, no entanto, quantos navios teriam sido abordados ou atingidos no Atlântico Sul a partir de informações que chegaram a Berlim a partir do Brasil.

Christensen e os demais espiões foram levados para a Casa de Detenção em São Paulo. Durante os interrogatórios, entregaram outros endereços de espionagem no Rio de Janeiro, um deles no bairro de Santa Teresa, e disseram que entre o material apreendido no Leblon havia a chave de um cofre da agência do Banco Mercantil do Centro do Rio. Para evitar que agentes da Gestapo (a polícia secreta de Hitler) chegassem antes, policiais paulistas voltaram ao Rio, sem conhecimento da polícia carioca, e abriram o cofre. Nele, encontraram códigos de comunicações alemães e registros de mensagens enviadas do Brasil para Berlim, além de nomes de outros agentes no Brasil. Estava desfeita a rede do Reich no país.

— Depois de São Paulo e de Santa Catarina, o Rio era o lugar que mais concentrava simpatizantes do nazismo. E o fato de ter na época as principais representações diplomáticas no país despertava as atenções dos alemães — disse Ana Maria Dietrich.

Para salvar o Queen Mary, a polícia paulista avisou as autoridades do Rio sobre a ameaça, e estas entraram em contato logo em seguida com a Embaixada do Reino Unido. O navio estava próximo de Buenos Aires, na Argentina, quando seu comandante foi avisado para mudar imediatamente a rota de viagem. O orgulho da frota britânica dois dias depois foi dado como desaparecido por autoridades argentinas e a rádio Berlim chegou a comunicar seu afundamento. O navio, no entanto, conseguiu chegar a salvo na Austrália.

Partido Nazista atuou por dez anos no Brasil
A perseguição aos nazistas no Rio em 1942 não refletia a posição do governo brasileiro poucos anos antes. O Partido Nazista, por exemplo, atuou livremente no Brasil entre 1928 e 1938, quando foi proibido pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, que era simpatizante das potências do Eixo mas acabou se juntando aos Aliados. Durante dez anos, os nazistas organizaram festejos — muitos deles freqüentados por membros do governo Vargas —, mantiveram um jornal e abrigaram movimentos de mulheres, professores, além da juventude nazista.

Segundo o livro “Caça às suásticas — O partido nazista em São Paulo sob a mira da polícia política”, de Ana Maria Dietrich, ao contrário do que se imaginava, era São Paulo e não os estados do Sul o principal centro de atuação nazista no Brasil.

— São Paulo contava com o maior número de alemães natos, que emigraram para o Brasil depois da crise da República de Weimar (1919-1933). Isso contribuiu para que as atividades nazistas, e a conseqüente mobilização da polícia a partir de 1942 para desmobilizá-las, acontecesse de forma mais intensa naquele estado — disse Ana Maria Dietrich.

Segundo Ana, o partido chegou a atuar em 17 estados brasileiros e tinha 2.900 integrantes, um contingente só superado pelo partido na Alemanha.

Dos 83 países que tiveram uma “filial” do Partido Nazista, o Brasil ocupava o primeiro lugar, na frente da Áustria, país natal do Führer.

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