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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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quarta-feira, 25 de junho de 2008

Livro sobre anti-semitismo pode levar historiador à prisão

Promotores na Polônia estão cogitando denunciar o historiador norte-americano Jan Tomasz Gross por ter difamado a nação polonesa, após a publicação do seu livro sobre o anti-semitismo no país depois da Segunda Guerra Mundial. O livro gerou uma onda de controvérsia

Siobhán Dowling
Em Berlim
Der Spiegel, em 24/06/2008.

Um novo livro que investiga o assassinato de judeus na Polônia após o término da Segunda Guerra Mundial não só gerou uma onda de controvérsia, mas também poderá fazer com que o seu autor vá parar na cadeia. A Promotoria de Cracóvia está cogitando denunciar o historiador polaco-americano Jan Tomasz Gross pelo seu livro "Fear: Anti-Semitism in Poland after Auschwitz" ("Medo: O Anti-Semitismo na Polônia Após Auschwitz"). A acusação? Ter difamado a nação polonesa.

O livro gerou um enorme debate no país desde que a versão em língua polonesa chegou às livrarias. Embora alguns acadêmicos, clérigos e políticos tenham criticado o livro devido àquilo que vêem como generalizações sobre os ataques realizados contra judeus na Polônia do pós-guerra, outros o defenderam devido à sua contribuição para o debate sobre o passado da Polônia.

O livro de Gross focaliza-se no pogrom de Kielse, em 1946, no qual 40 judeus foram assassinados. Ele alega que tais casos demonstram um desejo generalizado na sociedade polonesa de acabar com os judeus do país. Ele argumenta que isso foi motivado pelo anti-semitismo e por pessoas que desejavam evitar litígios em torno de propriedades com os vizinhos judeus que retornavam.

Segundo o Instituto da Memória Nacional da Polônia, que investiga os crimes nazistas e comunistas, entre 600 e 3.000 dos aproximadamente 300 mil judeus que sobreviveram ao Holocausto foram posteriormente mortos na Polônia. Gross, professor da Universidade de Princeton, diz que cerca de 200 mil judeus decidiram deixar o país após os ataques anti-semitas.

"Queimar livros é inapropriado"
O autor está atualmente sendo investigado por promotores públicos em Cracóvia, onde fica a sua editora, a Znak. Eles procuram determinar se o livro violou a lei que determina que difamar a nação polonesa é crime. O Estatuto 132 foi aprovado pelo governo do ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski em 2006, e estabelece uma pena de três anos de prisão para quem "acuse publicamente a nação polonesa de participar, organizar ou ser responsável por crimes nazistas e comunistas".

Gross diz ter ficado chocado com a investigação. "Acho bastante inapropriado submeter livros a julgamento ou queimá-los", disse ele a "Spiegel Online". "Livros deveriam ser discutidos em um fórum totalmente diferente".

Os promotores têm 30 dias para tomar uma decisão, mas devem anunciar a sua conclusão antes disso. Gross acredita que não se chegará ao ponto de submetê-lo à denúncia criminal. Afinal, a própria lei deverá ser revista em breve pelo supremo tribunal do país, depois que ativistas dos direitos humanos reclamaram dela.

Mesmo se Gross não acabar no tribunal, o livro já gerou uma onda de controvérsia na Polônia, e muitos comentaristas de direita criticam as suas conclusões. Gross suspeita que tais críticas são feitas principalmente por quem ainda não leu o livro. "Creio que a discussão vai rumar progressivamente para uma direção mais substantiva, tão logo as pessoas leiam o livro", disse ele, com esperança.

A polêmica não está prejudicando nem um pouco as vendas. Segundo a editora, 20 mil cópias já foram vendidas desde que o livro foi lançado em 11 de janeiro, e os livros sumiram das prateleiras tão rapidamente que os editores precisaram se apressar para imprimir um novo lote.

Reação da direita
Um dos maiores críticos de Gross é Marek Jan Chodakiewicz, um historiador do Instituto de Políticas Mundiais, em Washington. No seu livro, "After the Holocaust: Polish-Jewish Conflict in the Wake of World War II" ("Após o Holocausto: O Conflito Judaico-Polonês Depois da Segunda Guerra Mundial"), Chodakiewicz vê o assassinato de judeus no contexto da ditadura comunista imposta pelos soviéticos. Ele escreveu um editorial no jornal "Rzeczpospolita", publicado na última sexta-feira, acusando Gross de selecionar os fatos para apoiar a sua teoria. Mas Gross repele as acusações de Chodakiewicz, afirmando que ele "não é bem um historiador e sim um apologista da direita".

O livro também gerou irritação junto ao establishment conservador da Polônia. O arcebispo de Cracóvia, Stanislaw Dziwisz, que foi descrito como sendo o braço direito do papa João Paulo 2º, escreveu uma carta à editora polonesa a fim de reclamar do livro. Ele afirmou que a editora deveria propagar a verdade histórica e não "despertar demônios antipoloneses e anti-semitas". O arcebispo disse que o livro não levou em conta as realidades políticas na Polônia da época, e acrescentou que não deseja encontrar-se com Gross, que atualmente está na Polônia divulgando a sua obra.

Enquanto isso, a ultraconservadora Liga das Famílias Polonesas, que participou do último governo de coalizão polonês, não resistiu e entrou na polêmica, tendo pedido que Gross seja considerado "persona non-grata" no país.

Os editores não dão muita importância a essas reclamações. "Devemos falar sobre essas questões difíceis", disse a "Spiegel Online" o porta-voz da editora Znak, Tomasz Miedzik. "Temos a liberdade para formular perguntas difíceis sobre a nossa história e devemos fazer tal coisa".

Gross, que nasceu em Varsóvia em 1947, emigrou para os Estados Unidos com a sua família em 1968. O seu livro anterior, "Neighbors" ("Vizinhos"), também gerou controvérsias quando foi publicado na Polônia em 2001. Ele aborda o massacre de judeus por moradores da vila polonesa de Jedwabne em 1941. Gross concluiu que os judeus da cidade foram mortos pelos seus próprios vizinhos poloneses, e não pelos nazistas, como se acreditava anteriormente.

Um debate bem-vindo
Muitos jornalistas e acadêmicos correram para defender o livro de Gross, ainda que discordem da sua tese central, porque apreciam o debate sobre o passado da Polônia gerado pela obra. "O livro atacou os mitos poloneses, e por este motivo deveria ser lido e discutido", afirma Miedzik.

Marcin Zaremba, um historiador da Universidade de Varsóvia, diz que concorda com o argumento de que os poloneses tiveram a sua participação no Holocausto. "Naquela época o anti-semitismo era um tipo de código cultural usado pelos poloneses", disse ele à Rádio Polonesa.

O rabino polonês Burt Schuman diz receber bem o debate, embora sinta que é injusto retratar o país como anti-semita. Ele disse à rede de notícias "Bloomberg" que isto que ocorre agora está "prejudicando a nossa meta de reconciliação".

Escrevendo para o jornal de esquerda "Gazeta Wyborcza" na segunda-feira (23/06), o influente colunista polonês Marek Beylin pediu "um debate sincero a respeito dos segredos sombrios do passado polonês". Embora critique o livro de Gross por não salientar as diferenças entre o anti-semitismo nazista do Holocausto e o anti-semitismo polonês, ele elogia "o desafio que Gross apresenta para os nossos esforços no sentido de nos reconciliarmos com o nosso passado".

Beylin argumenta que os "argumentos cortantes do livro e a sua linguagem confrontadora" contribuíram mais para gerar o debate do que todos os educados tomos históricos conseguiram fazer no passado.

E ele questiona se as críticas ao livro não seriam um sinal do crescente nacionalismo polonês. "Será que a propaganda do governo anterior, de Kaczynski, segundo a qual há inimigos tentando destruir a Polônia e a identidade polonesa, tornou a população indiferente aos erros poloneses?", pergunta Beylin.

Tradução: UOL

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