Promotores na Polônia estão cogitando denunciar o historiador norte-americano Jan Tomasz Gross por ter difamado a nação polonesa, após a publicação do seu livro sobre o anti-semitismo no país depois da Segunda Guerra Mundial. O livro gerou uma onda de controvérsia
Siobhán Dowling
Em Berlim
Der Spiegel, em 24/06/2008.
Um novo livro que investiga o assassinato de judeus na Polônia após o término da Segunda Guerra Mundial não só gerou uma onda de controvérsia, mas também poderá fazer com que o seu autor vá parar na cadeia. A Promotoria de Cracóvia está cogitando denunciar o historiador polaco-americano Jan Tomasz Gross pelo seu livro "Fear: Anti-Semitism in Poland after Auschwitz" ("Medo: O Anti-Semitismo na Polônia Após Auschwitz"). A acusação? Ter difamado a nação polonesa.
O livro gerou um enorme debate no país desde que a versão em língua polonesa chegou às livrarias. Embora alguns acadêmicos, clérigos e políticos tenham criticado o livro devido àquilo que vêem como generalizações sobre os ataques realizados contra judeus na Polônia do pós-guerra, outros o defenderam devido à sua contribuição para o debate sobre o passado da Polônia.
Segundo o Instituto da Memória Nacional da Polônia, que investiga os crimes nazistas e comunistas, entre 600 e 3.000 dos aproximadamente 300 mil judeus que sobreviveram ao Holocausto foram posteriormente mortos na Polônia. Gross, professor da Universidade de Princeton, diz que cerca de 200 mil judeus decidiram deixar o país após os ataques anti-semitas.
O autor está atualmente sendo investigado por promotores públicos em Cracóvia, onde fica a sua editora, a Znak. Eles procuram determinar se o livro violou a lei que determina que difamar a nação polonesa é crime. O Estatuto 132 foi aprovado pelo governo do ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski em 2006, e estabelece uma pena de três anos de prisão para quem "acuse publicamente a nação polonesa de participar, organizar ou ser responsável por crimes nazistas e comunistas".
Gross diz ter ficado chocado com a investigação. "Acho bastante inapropriado submeter livros a julgamento ou queimá-los", disse ele a "Spiegel Online". "Livros deveriam ser discutidos em um fórum totalmente diferente".
Os promotores têm 30 dias para tomar uma decisão, mas devem anunciar a sua conclusão antes disso. Gross acredita que não se chegará ao ponto de submetê-lo à denúncia criminal. Afinal, a própria lei deverá ser revista em breve pelo supremo tribunal do país, depois que ativistas dos direitos humanos reclamaram dela.
Mesmo se Gross não acabar no tribunal, o livro já gerou uma onda de controvérsia na Polônia, e muitos comentaristas de direita criticam as suas conclusões. Gross suspeita que tais críticas são feitas principalmente por quem ainda não leu o livro. "Creio que a discussão vai rumar progressivamente para uma direção mais substantiva, tão logo as pessoas leiam o livro", disse ele, com esperança.
A polêmica não está prejudicando nem um pouco as vendas. Segundo a editora, 20 mil cópias já foram vendidas desde que o livro foi lançado em 11 de janeiro, e os livros sumiram das prateleiras tão rapidamente que os editores precisaram se apressar para imprimir um novo lote.
Reação da direita
Um dos maiores críticos de Gross é Marek Jan Chodakiewicz, um historiador do Instituto de Políticas Mundiais,
O livro também gerou irritação junto ao establishment conservador da Polônia. O arcebispo de Cracóvia, Stanislaw Dziwisz, que foi descrito como sendo o braço direito do papa João Paulo 2º, escreveu uma carta à editora polonesa a fim de reclamar do livro. Ele afirmou que a editora deveria propagar a verdade histórica e não "despertar demônios antipoloneses e anti-semitas". O arcebispo disse que o livro não levou em conta as realidades políticas na Polônia da época, e acrescentou que não deseja encontrar-se com Gross, que atualmente está na Polônia divulgando a sua obra.
Enquanto isso, a ultraconservadora Liga das Famílias Polonesas, que participou do último governo de coalizão polonês, não resistiu e entrou na polêmica, tendo pedido que Gross seja considerado "persona non-grata" no país.
Os editores não dão muita importância a essas reclamações. "Devemos falar sobre essas questões difíceis", disse a "Spiegel Online" o porta-voz da editora Znak, Tomasz Miedzik. "Temos a liberdade para formular perguntas difíceis sobre a nossa história e devemos fazer tal coisa".
Gross, que nasceu em Varsóvia em 1947, emigrou para os Estados Unidos com a sua família em 1968. O seu livro anterior, "Neighbors" ("Vizinhos"), também gerou controvérsias quando foi publicado na Polônia em 2001. Ele aborda o massacre de judeus por moradores da vila polonesa de Jedwabne em 1941. Gross concluiu que os judeus da cidade foram mortos pelos seus próprios vizinhos poloneses, e não pelos nazistas, como se acreditava anteriormente.
Um debate bem-vindo
Muitos jornalistas e acadêmicos correram para defender o livro de Gross, ainda que discordem da sua tese central, porque apreciam o debate sobre o passado da Polônia gerado pela obra. "O livro atacou os mitos poloneses, e por este motivo deveria ser lido e discutido", afirma Miedzik.
Marcin Zaremba, um historiador da Universidade de Varsóvia, diz que concorda com o argumento de que os poloneses tiveram a sua participação no Holocausto. "Naquela época o anti-semitismo era um tipo de código cultural usado pelos poloneses", disse ele à Rádio Polonesa.
O rabino polonês Burt Schuman diz receber bem o debate, embora sinta que é injusto retratar o país como anti-semita. Ele disse à rede de notícias "Bloomberg" que isto que ocorre agora está "prejudicando a nossa meta de reconciliação".
Escrevendo para o jornal de esquerda "Gazeta Wyborcza" na segunda-feira (23/06), o influente colunista polonês Marek Beylin pediu "um debate sincero a respeito dos segredos sombrios do passado polonês". Embora critique o livro de Gross por não salientar as diferenças entre o anti-semitismo nazista do Holocausto e o anti-semitismo polonês, ele elogia "o desafio que Gross apresenta para os nossos esforços no sentido de nos reconciliarmos com o nosso passado".
Beylin argumenta que os "argumentos cortantes do livro e a sua linguagem confrontadora" contribuíram mais para gerar o debate do que todos os educados tomos históricos conseguiram fazer no passado.
E ele questiona se as críticas ao livro não seriam um sinal do crescente nacionalismo polonês. "Será que a propaganda do governo anterior, de Kaczynski, segundo a qual há inimigos tentando destruir a Polônia e a identidade polonesa, tornou a população indiferente aos erros poloneses?", pergunta Beylin.
Tradução: UOL
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