Tobias Buck, Financial Times, em 14/06/2008.
Uma pequena van passa pela oficina de Ali na periferia de Gaza. Os alto-falantes em sua capota despejam música religiosa e as últimas notícias: mais um combatente do Hamas foi morto por forças israelenses e os moradores são convidados a participar do funeral.
O mecânico de 40 anos mal olha para cima enquanto reflete sobre o primeiro aniversário do governo do Hamas na Faixa de Gaza. Como muitos palestinos, Ali ainda acha difícil entender o que aconteceu nas semanas que levaram a 14 de junho de 2007, quando o grupo islâmico finalmente expulsou as forças leais à Autoridade Palestina do território no litoral.
Os choques, que deixaram 161 atiradores e civis mortos, despedaçaram a ilusão da união palestina e abriram uma profunda ferida em sua sociedade que ainda não sarou. "Fiquei envergonhado", lembra Ali, "de ver irmãos lutando entre si, de ver religiosos lutando entre si".
Mas para o 1,5 milhão de palestinos que vivem na Faixa de Gaza a vitória do Hamas também marcou o início de um período de pobreza sem precedentes, pois Israel começou a bloquear os suprimentos até de produtos básicos para a Faixa. Respondendo a ataques de foguetes de militantes baseados em Gaza, Israel também lançou ataques militares sobre o território que mataram mais de 560 palestinos, incluindo muitos civis, nos últimos 12 meses.
Apesar da firme pressão, o Hamas conseguiu consolidar sua posição. Obteve o controle total das máquinas militar e política no território e substituiu a maioria dos juízes e promotores da região por seus seguidores.
Agora, diz Mokhemra Abu Saada, professor de ciências políticas na Universidade Al Azhar em Gaza, eles estão pressionando ainda mais: "As únicas áreas que não estão sob seu controle são as ONGs, algumas universidades e pequenos canais de mídia. Mas agora estão tentando tomar as ONGs e as universidades também".
Enquanto alguns acusam o Hamas pelo isolamento, a falta de alimentos e os cortes de energia que tornam suas vidas miseráveis, não há sinais de que ele esteja perdendo seu atrativo popular. As pesquisas palestinas nem sempre são confiáveis, mas as últimas sugerem que o Hamas venceria com cerca de um terço dos votos se fossem realizadas eleições parlamentares hoje.
O crescente poder do Hamas coloca um dilema tanto para Israel quanto para a Autoridade Palestina. O governo israelense, enfraquecido por uma embaraçosa investigação de corrupção contra o primeiro-ministro Ehud Olmert, vacila entre ameaçar uma ofensiva militar contra Gaza, num dia, e no seguinte apoiar o esforço liderado pelo Egito de negociar um cessar-fogo. A sensação de incerteza ficou evidente nesta semana quando o gabinete israelense concordou em "esgotar" a via egípcia enquanto ordenava que o exército se preparasse para a ação.
Mahmud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, pediu este mês a "união" entre seu partido Fatah e o Hamas. No entanto, ele sabe que passos concretos na direção desse objetivo, por exemplo, a formação de um governo conjunto, quase certamente levariam ao fim das negociações de paz com Israel e decepcionariam seus aliados americanos e europeus.
O Hamas também sofre pressão. Ele não fez segredo de seu desejo de negociar um cessar-fogo com Israel. Em um gesto de boa vontade, o Hamas permitiu esta semana que um soldado israelense que está detido há dois anos escrevesse uma carta para sua família. Os líderes do Hamas também aprovaram rapidamente os pedidos de união de Abbas.
Segundo um oficial do Hamas baseado em Gaza, que pediu para não ser identificado, a tomada de poder desviou a atenção do grupo do objetivo maior de pôr fim ao domínio de Israel na Palestina: "O Hamas está se envolvendo em pontos muito pequenos: como garantir que a população receba combustível, como garantir que os pacientes possam deixar Gaza para tratamento. Mas essa não é nossa luta".
Ele disse que o Hamas precisa se reenfocar em uma trégua com Israel para aliviar a "terrível situação" na Faixa. No entanto, vozes ainda mais moderadas dentro do Hamas vêem pequenas chances de uma resolução rápida do impasse triplo entre o grupo islâmico, Israel e a Autoridade Palestina.
Apesar do desespero em Gaza, analistas locais acreditam que o sofrimento não basta para provocar uma revolta mais ampla contra o domínio do Hamas. Jaber Wishah, vice-diretor do Centro para Direitos Humanos da Palestina, baseado em Gaza, diz que a população poderia sobreviver facilmente a mais um ano de regime do Hamas e a sanções israelenses. "Nós sofremos muito. Mas o verdadeiro milagre é que somos capazes de sofrer ainda mais", ele diz.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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