International Herald Tribune, em 25/07/2008 - Jon Frosch, em Paris - Em um momento em que uma brisa de possível mudança começa a soprar no Oriente Médio, tem sentido um grupo de mulheres francesas judias e muçulmanas se reunir para fazer doces e proibir qualquer conversa sobre o conflito israelense-palestino?
Muito, segundo as mulheres, que se chamam de Les Bâtisseuses de Paix, ou "as construtoras da paz". Seu objetivo não é solucionar um conflito que desafia os melhores cérebros da diplomacia há décadas, mas principalmente "bloquear a transferência do conflito israelense-palestino para a França".
Até seus adversários dizem que a meta é louvável, embora os meios possam ser inadequados para abordar problemas tão intratáveis.
Mas isso não arrefece o espírito das mulheres. Cerca de 50 delas se reuniram para tomar chá de hortelã recentemente no Les Jardins de
O que parecia um clube de culinária foi criado em 2002 por Annie-Paule Derczansky, uma ex-jornalista que se sentiu perturbada pelo surto de atos anti-semitas na França, o país europeu que tem as maiores populações muçulmana e judia. Ela diz que a hostilidade entre as duas comunidades foi alimentada por "franceses judeus pensando que são israelenses e franceses muçulmanos pensando que são palestinos".
As Construtoras da Paz enfrentam esse problema atirando a política pela janela, fornecendo um espaço neutro para as mulheres que não querem se envolver nas amargas preocupações que muitas vezes opuseram as duas comunidades. Do seu enfoque para a solidariedade entre judias e muçulmanas nasceu a regra de ouro da associação: não falar sobre Israel e Palestina, ou, como diz a judia Derczansky: "A primeira que mencionar o conflito tem de sair".
Seis anos depois de sua criação, as Construtoras da Paz contam com centenas de participantes. Elas promovem programas de "intercâmbio cultural" em grandes instituições árabes e judias, oferecem seminários em Paris, participam de conferências em Bruxelas e estão em campanha para colocar uma placa na Grande Mesquita de Paris comemorando os judeus salvos por muçulmanos durante a Segunda Guerra Mundial.
Importantes franceses judeus e muçulmanos elogiam suas iniciativas. "O que elas fazem é muito corajoso, porque é trabalho prático em campo", diz Evelyne Berdugo, 60, que é chefe da organização de mulheres judias Coopération Féminine. "Nada de grandes palavras e discursos, mas ação com pessoas comuns que não são muito conhecidas."
Ghaleb Bencheikh, 47, âncora de um programa de televisão chamado "Islam", diz que o "carinho e o sentimento maternal" das mulheres fazem delas "os melhores agentes para conter o conflito".
Mas outros criticam a associação por proibir a discussão do elefante na sala: o conflito. "É bom dar ênfase ao que os dois grupos têm em comum", disse Jean-Pierre Allali, 69, que escreveu extensamente sobre assuntos judeus. "Infelizmente não é assim que vamos conseguir solucionar os problemas entre israelenses e palestinos ou entre judeus e árabes na França."
Em algum momento o tema vai ter de aparecer, ele disse, acrescentando: "Há uma certa hipocrisia em não o discutir".
Allali citou a recente agressão a um adolescente judeu em Paris por uma gangue de jovens principalmente muçulmanos como um exemplo do tipo de obstáculo que as mulheres enfrentam. Mas ele não foi totalmente negativo. "Essa associação em si não pode conseguir muita coisa", disse. "Mas ao multiplicar esse tipo de iniciativa talvez algo possa ser feito."
Derczansky, 48, está consciente dos desafios. Ela fica desanimada com comentários depreciativos sobre os muçulmanos que ouve em círculos judeus. Mas essas conversas só confirmam sua crença de que por enquanto a maneira de incentivar a estabilidade muçulmano-judaica na França é se concentrar em coisas simples que as duas comunidades podem compartilhar - como receitas.
A França tem cerca de 5 milhões de muçulmanos e 600 mil judeus, muitos concentrados em Paris e seus subúrbios, onde as tensões têm surgido com maior força. Mas a comida é algo que une essas populações, já que a maioria dos judeus franceses hoje é de sefarditas, com laços familiares com o norte da África.
As Construtoras da Paz permite que mulheres que podem ser sionistas declaradas ou decididamente pró-Palestina arregacem as mangas e unam forças na cozinha, onde as preocupações giram mais em torno de amêndoas e bolinhos do que de geopolítica.
Uma mulher que participa da oficina de doces mensal é Nathalie Obadia, uma judia de origem tunisiana para quem as questões divisórias do Oriente Médio não devem envenenar as relações com suas vizinhas. "O que está acontecendo lá é lá", diz Obadia, 39. "Aqui estamos na França."
A união prevaleceu no recente dia de doces assados, com as mulheres aplaudindo sua produção de "yo-yos" (rosquinha do norte da África), "charutos" (espécie de rocambole) e bolos em forma de diamante com mel e pistache.
Quer esse trabalho tenha ou não um impacto sobre a geopolítica, logo vai adquirir uma dimensão internacional. Em outubro, a Construtoras da Paz viajará para Nova York para se encontrar com mulheres americanas judias e muçulmanas.
Na Europa há outras iniciativas para tentar reforçar os laços judeus-muçulmanos evitando a política em favor da cultura. Um grupo britânico, o Alif-Aleph U.K., encoraja os contatos inter-religiosos através de projeções de filmes, apresentações musicais e eventos sociais. Na Holanda, o projeto MAJO Soccer organiza partidas de futebol entre jovens judeus e muçulmanos, seguidos de refeições kosher e halal.
Mas os grupos especificamente para mulheres judias e muçulmanas são raros.
A Bâtisseuses de Paix foi inspirada por uma viagem como repórter que Derczansky fez ao Oriente Médio em 2002, durante a segunda intifada, quando ela descobriu que embora a comunicação política estivesse desgastada os grupos culturais de mulheres israelense-palestinos perduravam.
Ela voltou à França convencida de que um modelo de harmonia judaico-muçulmana poderia ser transmitido pelas mulheres. "A palavra das mães é muito importante nas famílias judias e muçulmanas", notou Derczansky.
Djamila Saadi, 45, uma muçulmana da Argélia que participou da oficina de doces, compreende essa mensagem. "Isto é para nossos filhos", ela diz, com as mãos cobertas de farinha, enquanto mulheres judias trabalham ao seu lado. "É para mais tarde."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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