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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sábado, 19 de julho de 2008

O sentimento de ser estrangeiro: Escritora e seu personagem se unem na angústia pelo reconhecimento

Mariana Pinheiro e Moreira
O Globo, Caderno Prosa e Verso, página 4, em 19/07/2008.

As semelhanças entre Dario Asfar, personagem principal do romance “O senhor das almas”, de Irène Némirovsky, e a autora são muitas. Ambos judeus, originários de regiões vizinhas na Ucrânia, foram privados da presença materna — pelo alcoolismo ou pelo desprezo —, viveram em Paris nos anos loucos da década de 20 e pré-Segunda Guerra Mundial, obtiveram grande sucesso em suas carreiras e circularam nas altas rodas. Mas é principalmente no sentimento de serem estrangeiros, foragidos, metecos, que autora e personagem se aproximam. Dario é um jovem e miserável médico que chega à França por volta de 1905 fugindo de sua ascendência mediterrânea oriental. Com a mulher e compatriota Clara, ele almeja principalmente se tornar um igual aos da terra onde escolheu viver. Adquire a nacionalidade francesa mas vive do atendimento de uma clientela pobre e estrangeira como ele, que mal lhe paga para vestir e comer. É no recém-nascido filho Daniel que Dario deposita suas esperanças, e por ele inicia uma busca imoral por reconhecimento e aceitação. Nascido na França, Daniel significa a promessa de redenção da família.

Após fazer empréstimos e realizar delitos profissionais, Dario encontra uma possibilidade de ascensão social ao conhecer o rico empresário Philippe Wardes. Apesar de bemsucedido, Wardes é um homem cheio de vícios, tem a saúde debilitada e sofre cronicamente de insônia. Tomando o paciente como exemplo de um princípio geral da conduta humana — “as pessoas não querem saber ouvir falar de renúncia, mas de se fartarem” —, Dario passa a trabalhar sob os conceitos da recéminiciada teoria da psicanálise e, em troca de muito dinheiro, se torna o “senhor das almas”.

Com esse título, adentra as grandes rodas, mas sofre por se saber, apesar de tudo, diferente daquela gente, ou, como lhe dizem os franceses, “quase um dos nossos”. Irène Némirovsky chegou à França em 1919, com a família foragida da Revolução Russa. Filha de pai banqueiro, nasceu em Kiev e foi criada com fartura e boa educação em São Peters burgo.

Em Paris, a família recuperou a fortuna, Irène estudou Letras na Sorbonne, começou a escrever para periódicos e casou-se ela também com um banqueiro judeu de origem russa, com quem teve duas filhas. Irène conquistou enorme sucesso como escritora francófona. Apesar disso, teve a cidadania francesa negada e, às vésperas da eclosão da Segunda Guerra, foi impedida de ter seus escritos publicados. Surpreendida pelas leis raciais, foi obrigada a ostentar a “estrela amarela” e posteriormente se refugiou no interior, pouco antes de ser presa e deportada para Auschwitz, onde morreu de tifo em 1942.

Ainda que de forma diferente de Dario, Irène Némirovsky provavelmente experimentou os mesmos sentimentos do que é ser imigrante e provou da angústia de querer se integrar àquela sociedade “legitimada” pelo regime fascista, tendo, para isso, que negar suas origens. É nessa tentativa de ocultamento de identidade que as duas histórias se espelham, e é nas controvérsias que enfrentam mais tarde que elas novamente se encontram: Dario abandona seu passado levantino e seus valores mas não deixa de ser um homem atormentado e miserável, um charlatão; Irène foi renegada na França e esquecida por seus pares e, tendo sido recentemente redescoberta, a autora e sua obra são reavaliadas sob as discussões em torno de seu possível anti-semitismo

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