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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Cláudia Andréa Prata Ferreira é Professora Titular de Literaturas Hebraica e Judaica e Cultura Judaica - do Setor de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ.

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sábado, 23 de agosto de 2008

Idosos planejam furar bloqueio israelense a Gaza pelo mar


Há duas semanas, os dormitórios da Universidade de Nicósia vêm sendo ocupados por estudantes de uma média de idade de ce 60 anos, originários de uma dezena de países. Eles se preparam para a travessia que os levará de Chipre a Gaza a bordo de um barco pesqueiro "de bolso" e de um pequeno veleiro, comprados para esta ocasião. Esta travessia - cuja partida é iminente - representa um desafio que envolve altos riscos. Ela destina-se a alertar a opinião pública internacional em relação ao calvário sofrido pela população da faixa costeira palestina, uma área que vem sendo estrangulada há mais de um ano pelo bloqueio israelense.

"O mundo precisa despertar", diz Hedy Epstein, uma sobrevivente da Shoah com idade de 84 anos. "O exército israelense vem dando continuidade ao seu plano de estrangular a Faixa de Gaza, enquanto o Ocidente observa em silêncio, por temer ser tachado de anti-semita. Os perseguidos tornaram-se perseguidores". Junto com os seus companheiros de cabelos acinzentados, todos eles veteranos, como ela, da luta em prol da causa palestina, Hedy sonha em alcançar Gaza e abrir uma linha marítima com destino ao enclave arenoso, que seria a primeira desde que ele passou a ser ocupado pelas tropas do Estado judaico, em 1967.

Se as lanchas torpedeiras da Marinha israelense se interpuserem, os marinheiros amotinados do movimento Free Gaza (Libertar Gaza) planejam permanecer no mar, onde ficarão esperando por uma mobilização dos meios de comunicação em seu favor. "Não vai dar para comer filé mignon todos os dias, mas nós temos reservas suficientes para agüentar", diz a senhora idosa, indignada. "Se o povo de Gaza consegue sobreviver, por que não poderíamos fazer o mesmo?"

Este projeto extravagante, digno de uma operação de comando, foi imaginado durante o verão de 2006, depois do encerramento da segunda guerra do Líbano. Seis meses antes, como forma de reação à vitória eleitoral do Hamas, o exército israelense começou a enclausurar a Faixa de Gaza. Galvanizado pela resistência imprevista do Hizbollah, um quarteto de militantes pacifistas baseados em Beirute, em Londres e na Califórnia, sente a necessidade de chamar a atenção do mundo por meio de uma ação espetacular. "Nós estávamos constatando que o fato de redigir e-mails e participar de manifestações não era mais suficiente", explica Ramzi Kyzia, um americano de cerca de 30 anos de origem libanesa que se define como um "moushkalji" ("agitador") profissional. "Chegamos à conclusão de que era preciso trabalhar em favor da paz de uma maneira tão determinada quanto Israel e os Estados Unidos trabalham em favor da guerra. E que a nossa ação deveria ser proporcional à gravidade da crise".

De tanto trocarem idéias a respeito na Internet, surge a idéia maluca. "E se nós viajássemos de navio até Gaza?" O projeto inicial prevê uma partida de Nova York, aos pés da Estátua da Liberdade. Um pouco mais tarde, eles estudam a possibilidade de partirem de Marselha, para imitarem o Exodus, o navio lotado de sobreviventes da Shoah que partira do porto de Sete (a pouca distância de Marselha), em 1947, e fora interceptado pela Marinha britânica ao largo da orla do futuro Estado de Israel. Finalmente, Ramzi e seus colegas - Paul Larudee, um aferidor de pianos de San Francisco, Greta Berlin, uma consultora em relações públicas, e Bella Locke, uma inglesa - optam por um trajeto mais curto, a partir de Chipre.

Começa então uma maratona para levantar o dinheiro necessário. Considerando-se o caráter "subversivo" da empreitada, é melhor nem tentar arriscar a opção de alugar as embarcações. É preciso comprá-los. Os armadores do Mediterrâneo até hoje não se esqueceram dos infortúnios sofridos pelo Sol Phryne, um barco ruim que havia sido fretado, em 1988, pela OLP (Organização de Liberação da Palestina) e que se destinava a transportar de volta para a sua terra natal uma centena de palestinos expulsos em 1948, quando da fundação de Israel. Em 16 de fevereiro daquele ano, algumas horas antes da partida, um artefato explosivo havia destruído o casco do navio, que estava ancorado no porto de Limassol, em Chipre, aniquilando com isso o sonho de retorno dos refugiados. Na véspera do atentado, na mesma cidade, três dirigentes da OLP haviam sido mortos em outro atentado, desta vez com carro-bomba, o qual fora atribuído, mais uma vez, ao Mossad, a tenebrosa central de inteligência israelense.

Conscientes de poderem contar apenas com as suas próprias forças e sua determinação, os dirigentes da Free Gaza lançam uma vasta operação de arrecadação de fundos. "Nós multiplicamos as apresentações, nas igrejas, nas escolas, nas associações", conta Greta Berlin, 67 anos, uma antiga diretora de peças de teatro. "Os montantes das doações foram variados, de US$ 20.000 [ cerca de R$ 32.700] para a maior quantia, até US$ 1,50 [R$ 2,45] para a mais modesta". Na primavera, o financiamento parece estar concluído. Riad Hamad, um americano-libanês, professor de informática no Texas, e responsável de uma associação caritativa especializada em ajudar as crianças de Gaza, prometeu pagar US$ 25.000 (mais de R$ 40.000). Ou seja, o suficiente para finalizar a compra de um navio turco.

Contudo, em 14 de abril, o seu corpo foi encontrado sem vida num lago de Austin (a capital do Texas). Apesar do fato de que as suas mãos e suas pernas tivessem sido atadas, a polícia concluiu que aquele fora um suicídio. Os seus familiares e amigos, integrantes do movimento pro - palestino, incriminam o assédio constante do FBI e das autoridades fiscais americanas que, algumas semanas mais cedo, haviam efetuado uma operação de busca em seu domicílio, no quadro de um inquérito por fraude e lavagem de dinheiro.

"Ele não suportou a pressão", diz Greta Berlin. "As suas contas foram imediatamente congeladas. Além dos US$ 300.000 [cerca de R$ 490.000] que nós havíamos conseguido arrecadar, tivemos de contrair um empréstimo de US$ 250.000 [cerca de R$ 410.000], um dinheiro que nos permitiu finalmente comprar na Grécia, no início de junho, dois barcos". Os seus nomes: Free Gaza e USS Liberty, este segundo em homenagem ao navio americano do mesmo nome, que fora afundado, em 1967, pela aviação israelense. Aquele fora um "erro", segundo a versão oficial, que custara a vida de 34 marinheiros.

Em 29 de julho, os organizadores do projeto recebem o reforço, em Chipre, de cerca de trinta militantes, dos quais uma freira americana de 81 anos, Ann Montgomery, além de um palestino de Gaza, proibido por Israel de permanecer em sua terra, Mushir Al-Farra, e do antropólogo Jeff Halper, um expoente do movimento de luta contra a ocupação israelense. Ao longo de duas semanas, eles ficam aguardando a chegada dos navios, que saíram de Creta e foram retardados pelo mau tempo. A seu bordo, uma dezena de ativistas, entre os quais Paul Larudee e a jornalista Lauren Booth, uma cunhada de Tony Blair.

Para fugirem do tédio, os "cipriotas" cozinham, visitam Nicósia, dedicam-se a ensaiar algumas rotinas de primeiros-socorros e, escaldados pela sabotagem de 1988, trancam cuidadosamente as portas dos seus quartos. "Os israelenses estão nos vigiando", assegura Greta Berlin. "Eles já tentaram destruir o material de transmissão por satélite que está embarcado nos navios. Nós também recebemos visitas suspeitas no campus. Além disso, membros do grupo receberam até mesmo ameaças por telefone. Uma voz anônima disse ao marido de Lauren Booth que era bom avisar seus filhos de que 'Mamãe não retornará'".

Apesar desta tensão, os aprendizes de marujo estão agüentando firme. O anúncio, publicado pelo diário "Haaretz", segundo o qual a Marinha israelense está planejando interceptar sua frotinha para uma operação de inspeção não os deixa desanimados. Após dois anos de preparativos épicos, todos eles têm o sentimento de terem triunfado. "Se os israelenses nos detiverem nas águas internacionais, isso constituirá um crime", diz Ramzi Kyzia. "Se eles nos detiverem nas águas de Gaza, esta será a prova de que, a despeito da evacuação dos colonos, este território permanece até hoje sob ocupação. Ora, reza o direito internacional que o ocupante tem por obrigação garantir o bem-estar da população, uma regra que obviamente não é respeitada por Israel. Nos dois casos, nós somos vencedores. Nós estamos surpreendendo Israel em flagrante, no momento em que ele comete uma violação do direito internacional".

Hedy Epstein, a super vovó da tropa, tampouco se mostra preocupada. Antes de deixar o seu domicílio, em Saint Louis, no Missouri, ela seguiu aulas de natação na piscina municipal. "Agora, eu não estou mais com medo de colocar a cabeça debaixo da água", diz. "Estou pronta para desembarcar em Gaza".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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