Em uma recente noite de outono, sob uma lua cheia, um monumento à tolerância foi revelado em uma colina bem acima desta cidade contestada e reverenciada, sagrada para muçulmanos, cristãos e judeus. Consistindo em uma grande coluna de bronze, dividida ao meio, com uma oliveira fina e adornada passando pela divisão, o monumento parece encarnar ao mesmo tempo as promessas e a fragilidade da paz em uma cidade que está cada vez mais no limite da tensão.
O monumento, presente de um bilionário polonês, foi erigido na fronteira invisível entre um dos bairros árabes de Jerusalém Oriental e a predominante judaica zona oeste. Durante a cerimônia houve momentos etéreos, que sugeriam uma grande harmonia, enquanto os acordes de uma orquestra misturavam-se à chamada para a oração muçulmana em incontáveis minaretes.
Mas este tem sido também um local de tremenda discórdia, um lembrete concreto de como esta cidade está de fato fraturada.
Abaixo da colina fica Jebel Mukaber, um bairro palestino de Jerusalém Oriental que Israel capturou dos jordanianos em 1967. Em março, um homem armado saiu daqui e dirigiu-se para o seminário judeu Mercaz Harav, na parte oeste da cidade. Ele abriu fogo com a sua arma automática contra um grupo de pessoas composto na sua maioria de estudantes adolescentes, matando oito, antes de se suicidar. Foi o pior ato de terrorismo perpetrado na cidade em quatro anos.
A seguir, a estrada em frente ao monumento foi o cenário de uma furiosa manifestação por parte de nacionalistas religiosos, que exigiram a demolição da casa da família do atirador.
Nos meses que se seguiram, dois palestinos dirigindo grandes máquinas de construção e um terceiro ao volante de uma BMW atingiram veículos e pedestres
"Nós vivemos com medo", afirma Mazal Tzabah, 64, uma mulher israelense, em um ponto de ônibus
Cerca de 250 mil palestinos, em sua maioria muçulmanos, vivem nos bairros tipicamente mais pobres e menos desenvolvidos de Jerusalém Oriental. Eles representam um terço da população da cidade. Quase 200 mil judeus vivem ao lado deles em uma faixa composta de novos bairros, como Armon Hanatziv, que foi construído sobre as fronteiras de 1967, em um território que os palestinos reivindicam como a capital do seu futuro Estado.
Para aumentar a confusão, vários projetos imobiliários judeus surgiram como se fossem mini-assentamentos nos bairros árabes existentes, incluindo Nof Zion, um luxuoso complexo de apartamentos que são vendidos a judeus religiosos, e que fica na entrada de Jebel Mukaber. Enquanto isso, um número cada vez maior de famílias árabes muda-se discretamente para áreas judaicas dos dois lados da linha de 1967.
A polícia anuncia um aumento drástico da quantidade de residentes de Jerusalém Oriental presos por envolvimento com a violência ou por planejarem ataques no ano passado. Embora a cidade já tenha experimentado ondas piores de violência, como os mortíferos atentados a bombas contra ônibus e cafés em anos anteriores, a maioria daquelas ações foi realizada por palestinos oriundos da Cisjordânia.
Como Israel considera toda Jerusalém como a sua capital soberana e unida, não existem barreiras permanentes no coração da cidade. Os seus moradores palestinos, ao contrário dos habitantes da Cisjordânia, têm acesso livre a todas as partes.
Em meio a esse arranjo tenso, os limites da tolerância são testados com freqüência. Quando a rebelião sectária irrompeu em 8 de outubro entre judeus e árabes na cidade etnicamente misturada de Acre, no norte de Israel, a política imediatamente entrou em estado de alerta
Muitos moradores judeus afirmam que vivem com medo. Os moradores árabes queixam-se de que, em vez de tentar encontrar uma solução política para a cidade, Israel está tentando transformar a zona oriental em uma região judaica. Segundo eles, Israel procura expulsar os palestinos.
Interações sociais significativas entre os dois grupos são raras. Mas mesmo em meio ao crescente antagonismo, algumas pessoas estão tentando superar essa divisão psicológica.
Em 21 de setembro, jovens músicos judeus e palestinos juntaram-se para fazer um concerto de rock promovido pelo Consulado dos Estados Unidos, no histórico prédio da YMCA na Rua Rei Davi - local em que ocorreu um dos ataques com veículos de construção em julho -, sob o slogan "o microfone é mais poderoso do que a arma".
Um dos músicos, Muhammad Mughrabi, 21, um rapper do campo de refugiados de Shuafat,
Existem outros exemplos de coexistência. Grupos de mulheres israelenses e palestinas reúnem-se para discutir questões importantes. A aproximação entre os dois grupos foi promovida por uma cineasta israelense que fundou o projeto em 2006, e que fez um documentário chamado "A Slim Peace" ("Uma Paz Precária").
O Ir Amim, um grupo israelense favorável a uma solução política justa para Jerusalém, está oferecendo passeios a Jerusalém Oriental para mostrar aos israelenses como é a vida do lado palestino. Além disso, o Conselho de Coordenação Interreligiosa em Israel vem organizando há anos modestos intercâmbios individuais entre Jerusalém Oriental e Ocidental.
"Jerusalém é uma cidade muito esquisita", afirma Ron Kronish, o diretor do conselho. "A vida segue em frente, mas a intensidade da separação entre os dois grupos é impressionante. A questão é determinar como as pessoas reais vivem em meio ao conflito, e qual a melhor forma de mitigar o problema, o que significa ter um pouco menos de ódio".
Mas as tensões persistem. Na noite seguinte ao concerto no prédio da YMCA, que terminou com um caloroso, mas caótico, improviso de "No More Trouble", de Bob Marley, um jovem de 19 anos, morador de Jebel Mukaber, pegou a BMW do irmão e atropelou propositalmente um grupo de civis e soldados que estavam de folga, ferindo vários deles, em frente à Cidade Velha, em um ponto de encontro das zonas leste e oeste.
As pessoas de luto que reuniram-se na espaçosa casa da família do rapaz estavam convencidos de que ele, um motorista inexperiente e sem carteira de habilitação, envolveu-se em um simples acidente de trânsito, tendo sido desnecessariamente morto por um dos soldados. "Tudo o que ele queria, até onde sei, era ter um carro bonito e ouvir música", afirma Omar Baidun, 45, empresário e amigo da família. Mas no bairro judeu de Armon Hanatziv não há dúvidas quanto às intenções do motorista.
Dalia bem Shitreet, 47, uma cabeleireira israelense que mora na região limítrofe do bairro, a apenas uma rua de distância de Jebel Mukaber, afirma que defende a "coexistência" e que alguns dos seus clientes e moradores do seu prédio são árabes muçulmanos.
Mas ela acrescenta que tem medo de caminhar fora de casa à noite. Shitreet diz que Jebel Mukaber é um bairro "hostil". "O bairro deveria ser demolido até as bases, embora eu me envergonhe de afirmar isto".
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