O Globo, Mundo, página 36, em 25/01/2009.
Fatah e Hamas disputam liderança
Prestígio de Abbas está em queda até na Cisjordânia; popularidade de radicais sobe
Renata Malkes
Especial para O GLOBO
RAMALLAH. Com o fim do conflito na Faixa de Gaza, teve início no Oriente Médio uma nova batalha, agora política, pela liderança de um povo dividido. Rachados há um ano e meio entre a Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e a Cisjordânia, liderada pelo moderado partido Fatah, do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, milhões de palestinos nos dois territórios emergem da guerra descrentes na liderança do cada vez mais enfraquecido Abbas, e temerosos de que a onda do movimento islâmico chegue à Cisjordânia.
As imagens da destruição provocada pela devastadora ofensiva militar israelense de 22 dias despertam a simpatia de um número cada vez maior de palestinos pelo Hamas e, ao mesmo tempo, assustam os moradores de uma Cisjordânia que vem se desenvolvendo cada vez mais, devido à entrada de investimentos internacionais.
Segundo o analista Khalil Shakaki, do Centro Palestino de Pesquisa, se as eleições fossem hoje, o Fatah venceria com 42% dos votos, contra 28% do Hamas.
Mas, a popularidade do grupo vem crescendo, e muitos acreditam que o governo do Hamas em Gaza é melhor que o da própria ANP, na Cisjordânia.
Shakaki crê que a simpatia pelos islamistas é consequência da guerra, mas a incapacidade das duas principais facções políticas de retomar o diálogo colocou os palestinos na mais conflitante situação dos últimos anos.
Guerra provocou sentimentos contraditórios O resultado da decepção é o enfraquecimento da ANP, pois ante a destruição e as declarações de vitória do Hamas em Gaza, tanto Abbas quanto seu primeiroministro, Salam Fayyad, foram obrigados a se retrair na demonstração de solidariedade e compreensão ao sofrimento dos civis na Faixa de Gaza.
— Há um sentimento de raiva contra Israel pela destruição de Gaza, mas há raiva também contra o Hamas e contra Abbas. Pela primeira vez, Israel se confrontou com uma facção palestina que já estava em meio a um conflito sangrento com outra. O povo tem sentimentos contraditórios: há simpatia pelas vítimas e respeito pelos militantes que lutaram. O perigo é que o Hamas mantenha o apoio que tinha em Gaza e recupere o prestígio na Cisjordânia — disse Shakaki.
Até mesmo em Gaza, 55% da população se dizem descontentes com os dois grupos, um índice sem precedentes. Os números mostram que pelo menos 73% dos palestinos defendem a realização de novas eleições este ano. Abbas foi eleito em 2005 para quatro anos, mas insiste que seu mandato foi prorrogado até 2010, quando aconteceriam as eleições legislativas. O primeiro golpe veio em 2006, quando seu partido perdeu a maioria no Parlamento, obtida pelo Hamas.
O Hamas não reconhece a autoridade de Abbas e, entre acusações de perseguição dos dois lados, em Ramallah muitos dão sinais de perder a paciência com a crise. Para o jornalista Samer Shalabi, o problema é a fraqueza de Abbas nos momentos em que o Hamas tentou posar como líder do povo palestino.
— Há cansaço, irritação e descrença. Vejo um presidente anêmico e o Fatah sem diretrizes.
Mas, qual seria a solução? O Hamas? Para uma nova onda de violência chegar à Cisjordânia e tudo o que foi construído aqui ir pelo ralo? Hoje temos uma vida quase normal. Se não fossem os postos de controle israelenses, poderíamos dizer que evoluímos 20 anos em apenas três — avaliou o jornalista.
Escolas da ONU reabrem na Faixa de Gaza O chefe de política externa da União Europeia, Javier Solana, disse que a UE quer começar a reconstrução da Faixa de Gaza, mas destacou que não cooperará com o Hamas. Ontem, a Casa Branca anunciou que o enviado especial George Mitchell chega a Israel na quarta-feira.
Ontem, mais de 200 escolas administradas pela ONU, onde estudam quase 200 mil crianças, voltaram a abrir suas portas na Faixa de Gaza. Durante a guerra, muitas delas abrigaram refugiados, e pelo menos três foram alvos de bombardeios.
'A grande ameaça é o Irã'
Para o professor de ciência política Eytan Gilboa, do Centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos, a chave para solucionar o conflito entre israelenses e palestinos está em Teerã.
O GLOBO: Que mudanças o governo Obama pode trazer ao processo de paz?
EYTAN GILBOA: A nomeação imediata de George Mitchell, tido como o arquiteto das negociações para a paz na Irlanda do Norte, mostra coragem e disposição. Mas o início será difícil. Obama ainda não tem experiência internacional e sabe que precisa agir com cautela, pois está num campo minado.
Sempre houve divergências entre as políticas europeia e americana em relação ao conflito israelense-palestino.
Por que essa cooperação daria certo agora?
GILBOA: Os EUA já compreenderam que não podem mais agir sozinhos. E, apesar de toda a condenação pela ofensiva em Gaza, a Europa já compreendeu que o conflito reflete a rapidez com que o Irã está se infiltrando na região.
Os tentáculos iranianos estão em Síria e Líbano, com o Hezbollah, em Gaza, com o Hamas, e ainda tentando desestabilizar o governo egípcio, com a Irmandade Muçulmana.
A Europa acordou para a ameaça do Irã, que não se resume ao programa nuclear.
Trata-se do país mais perigoso do mundo hoje.
E quanto à questão entre Israel e os palestinos?
GILBOA: Enquanto o Hamas estiver em Gaza, não haverá reconstrução e a diplomacia internacional pouco poderá fazer. A questão é saber quem vai se responsabilizar pela recuperação. Se for o Hamas, trata-se de uma vitória iraniana e, em pouco tempo, poderemos ver mais violência.
Os palestinos têm uma decisão importante pela frente, que pode mudar o tabuleiro político de todo o Oriente Médio. (R.M.)
Iton Gadol
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25/01/2009
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