O Globo, Mundo, página 25, em 20/03/2009.
Militares confessam abusos em Gaza
Israel vai investigar denúncias de ataques indiscriminados a civis e de vandalismo
Renata Malkes Especial para O GLOBO • JERUSALÉM
O Exército de Israel anunciou ontem uma investigação sobre graves confissões feitas por soldados que participaram da ofensiva militar contra a Faixa de Gaza em janeiro. Depois de enfrentar duras acusações de violar os direitos humanos vindas de organizações de ajuda humanitária e até mesmo da ONU no conflito de 22 dias, pela primeira vez as revelações dos próprios soldados levam o Exército a investigar suas ações contra civis palestinos. Os oficiais, membros de unidades de infantaria e pilotos de combate, admitiram ter matado civis indiscriminadamente, além de vandalizar propriedades privadas, num relato que abalou o país pelos detalhes e pela franqueza.
Grupos de direitos humanos defenderam que os envolvidos sejam investigados de maneira independente por crimes de guerra. O ministro da Defesa, Ehud Barak, garantiu que o Exército tratará o tema com “seriedade”: — Temos o Exército mais moral do mundo, do comando-geral ao último soldado. Tenho certeza de que cada incidente será investigado individualmente — afirmou Barak.
Relator da ONU vê crime de guerra
Os relatos de abusos foram feitos num seminário no mês passado na Academia Militar Itzhak Rabin para discutir as experiências na ofensiva que deixou 1.400 mortos na Faixa de Gaza. Segundo o diretor da instituição, Dani Zamir, os oficiais descreveram as falhas de conduta de maneira fria e detalhista, deixando claro um sentimento de superioridade preocupante.
— Os alunos não cometeram crimes de guerra, mas se sentiram muito mal por não terem podido evitá-los — afirmou Zamir.
Só depois de discutido entre o alto escalão do Exército, o assunto foi levado à Procuradoria-Geral militar. O general Avichai Mandelblit determinou que a Polícia Militar investigue e tente mapear o local das violações.
Num dos relatos mais chocantes, um dos oficiais conta como um atirador de elite matou uma mãe e dois filhos que, sem compreender as ordens dadas, caminharam para o lado errado.
Segundo a testemunha, uma casa foi invadida e a família, detida num quarto. Dias depois, foram recebidas ordens para libertar os reféns, mas como ninguém avisou ao atirador no telhado, ele não hesitou em abrir fogo, mesmo estando a curta distância, capaz de identificar os civis palestinos.
“O comandante deixou que os palestinos saíssem e disse para que seguissem à direita. A mãe e duas crianças não compreenderam e viraram à esquerda. O atirador viu a mulher e as crianças perto da linha imaginária que ninguém deveria ultrapassar e abriu fogo. E matou-os. Não acho que tenha se sentido tão mal com isso. Apesar de tudo, ele estava seguro de que estava cumprindo ordens. O clima... Não sei explicar... As vidas dos palestinos, digamos assim, têm menos importância que as vidas de nossos soldados. Eles acreditam que podem justificar seus atos assim”, disse um dos oficiais.
Segundo os testemunhos, houve casos de vandalismo, em que comandantes picharam frases como “morte aos árabes” em casas palestinas e cuspiram em fotografias. Em outro episódio, um comandante havia visto uma senhora num corredor. “Foi à longa distância, mas capaz de identificar o alvo. Se era suspeita, não sei. O que o comandante fez foi mandar que um grupo subisse ao telhado e que, junto, acabasse com ela. Essa descrição me fez sentir como num assassinato a sangue-frio”, afirmou outro.
Depois das acusações de uso de fósforo branco em áreas civis e de atacar hospitais, escolas e até mesmo instituições gerenciadas pela ONU, as denúncias recentes reabriram a polêmica sobre a ofensiva. Um grupo de oito organizações de direitos humanos de Israel escreveu uma carta ao procuradorgeral do Estado pedindo um comitê independente de investigação. Já o investigador de Direitos Humanos da ONU, Richard Falk, voltou a acusar Israel de crimes de guerra. Segundo ele, a Convenção de Genebra é clara ao determinar que o Exército faça uma distinção entre alvos militares e civis.
“Se não é possível essa distinção, os ataques são ilegais e uma clara violação da lei internacional: são crimes de guerra”, escreveu Falk.
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'Os testemunhos são graves'
JERUSALÉM. Sempre que o uso excessivo de força é questionado em Israel, a resposta de políticos e militares vem em uníssono: é preciso defender a vida de soldados a todo custo. Para o professor de Filosofia Asa Kasher, da Universidade de Tel Aviv, autor do manual de ética do Exército, as denúncias de abuso devem ser investigadas, mas ele vê circunstâncias atenuantes.
O GLOBO: As denúncias mostram que as regras do código de ética escrito pelo senhor foram ignoradas na Faixa de Gaza. O que deu errado?
ASA KASHER: Esses testemunhos são graves e têm de ser investigados, mas não se deve entrar em pânico com sua divulgação. As normas foram aplicadas. O chefe do Estado-Maior, Gabi Ashkenazi, conhece o código de ética a fundo desde o primeiro rascunho, há seis anos. Os princípios de que nada justifica arriscar a vida de soldados e que se deve evitar atingir a população civil foram cumpridos. Há dois problemas. O primeiro é que Gaza é um território complexo por ser populoso, onde não há uma separação entre civis e o campo de batalha.
O outro é que, quando se fala em ética militar, há três níveis que não se podem esquecer para que a discussão seja objetiva.
Que níveis? A ética não deveria ser superior a quaisquer níveis?
KASHER: Em teoria, sem dúvida. Mas, no primeiro nível, há o código de ética de um Exército, sua base, seus princípios e preocupações. Num segundo, há a ética dos comandantes. Que ordens dão a seus subordinados no campo de batalha, como dão essas ordens? Essas informações são secretas, e não temos acesso a elas, mas pesquisas acadêmicas mostram que estamos no mesmo alto nível de americanos, britânicos ou canadenses. O terceiro nível — e o mais problemático — são as tropas em si. O que fazem e como fazem os soldados? São seres humanos em momentos de risco e tensão. Não se podem controlar os atos de milhares de soldados.
O Exército é um dos mais criticados e investigados.
Como autor do código de ética, isso o incomoda?
KASHER: De maneira alguma. Estamos numa posição pioneira, já que Israel está sempre na linha de combate ao terrorismo. Nenhum exército do mundo vai arriscar seus soldados para poupar os vizinhos do inimigo. As leis da Convenção de Genebra são baseadas em centenas de anos, de pensamentos filosóficos e religiosos que tentam se adequar à modernidade. São aplicáveis às guerras tradicionais, entre dois países ou exércitos e não à guerra ao terror dos dias de hoje. Há esforços para adequála, o conceito de proporcionalidade já mudou, e até mesmo os conceitos de quem pode ou não ser atingido, mas a fórmula ainda não foi alcançada. (R.M.)
Um crescente isolamento internacional
Ethan Bronner
JERUSALÉM. Isolamento não é algo novo para Israel, cuja ideia de fundação — o sionismo — foi tachada de racismo pela Assembleia Geral da ONU em 1975 e que enfrentou boicote árabe por décadas. Mas desde a guerra em Gaza, e ao se preparar para o novo governo linha-dura, o país enfrenta sua pior crise diplomática em duas décadas.
Suas equipes esportivas foram recebidas com protestos em Suécia, Espanha e Turquia. A Mauritânia fechou a embaixada israelense. Juízes pediram uma investigação sobre Gaza.
E a “Semana de Apartheid Israelense” atraiu participantes em 54 cidades do mundo, o dobro de 2008.
No país, a questão gerou reações diferentes. Por um lado, a preocupação é real. Pesquisas de opinião estão sendo analisadas e o governo destinou US$ 2 milhões extras para melhorar a imagem de Israel. Mas há também a sensação de que os estrangeiros não entendem Israel.
— As pessoas aqui acham que, não importa o que se faça, vão culpar Israel pelos problemas no Oriente Médio — disse Eytan Gilboa, professor de Política e Comunicação Internacional na Universidade Bar Ilan.
Para críticos, o problema não é de imagem, mas de política. Eles mencionam quatro décadas de ocupação, a instalação de meio milhão de israelenses na terra capturada em 1967 e o estrangulamento econômico de Gaza como as razões para Israel perder simpatia no exterior. A questão do Estado palestino é central na reputação do país. E o próximo premier, Benjamin Netanyahu, diz que o tema não está na sua agenda imediata.
A União Europeia afirmou que iria reconsiderar seu relacionamento se o país não continuar comprometido com um Estado palestino. Netanyahu deverá designar Avigdor Lieberman, líder do ultranacionalista partido Yisrael Beiteinu, seu ministro do Exterior.
Isso preocupa aliados na Europa e os EUA, porque a visão de Lieberman sobre árabes israelenses já foi chamada de racista.
Lieberman defende o juramento de lealdade a Israel de forma que quem não apoie um Estado judaico democrático perca a cidadania. Um quinto dos cidadãos israelenses são árabes e muitos não apoiam a definição de Israel como Estado judeu.
Lieberman também tem poucos fãs no Egito, onde agiu como intermediário para Israel em várias questões.
Meses atrás, ele se queixou do presidente Hosni Mubarak por não concordar em ir a Israel. “Se ele não quer (vir), pode ir para o inferno”, disse.
— Imagine se Hossein Mousavi vence as eleições no Irã e nomeia Mohammad Khatami seu chanceler — disse Meir Javedanfar, analista iraniano, referindo-se a políticos vistos como pragmáticos. — Com Lieberman como ministro do Exterior, Israel vai ter muito mais dificuldade em demonstrar ao mundo que o Irã é o fator desestabilizador na região.
ETHAN BRONNER é jornalista do New York Times
Correio Braziliense (20/03/2009)
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JB 0nline (20/03/2009)
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JB (20/03/2009)
Zero Hora (20/03/2009)
UOL Internacional / Mídia Global (20/03/2009)
El Pais (20/03/2009)
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TVI24 Internacional (19/03/2009)
NYT (20/03/2009)
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