FSP (25/12/2009)
Ocupação e crise empobrecem Natal de Belém
Cidade onde Jesus nasceu também vê população cristã, antiga maioria, ser superada pela muçulmana
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BELÉM (CISJORDÂNIA)
O patriarca latino Fouad Twal, mais alta autoridade da Igreja Católica na Terra Santa, deu um tom político à procissão anual entre Jerusalém e Belém que marcou a abertura das celebrações de Natal na cidade em que, segundo a tradição cristã, Jesus nasceu.
"Queremos liberdade de movimento, e não muros", disse Twal ao chegar a Belém, cruzando a barreira erguida pelo governo israelense para separar seu território da Cisjordânia ocupada. "Não nos falta comida nem assistência. Só nos falta paz, esse é o desejo que ainda não foi atendido."
As restrições impostas pela ocupação israelense têm um impacto inegável na vida cotidiana da cidade de Jesus. São os efeitos da crise global, porém, que têm abalado de forma mais persistente o principal patrimônio econômico da cidade: o turismo religioso.
Segundo a Prefeitura de Belém, o número de peregrinos neste ano terá queda de mais de 30% em relação a 2008, de 1,25 milhão para 800 mil no ano.
"O principal motivo é a crise econômica mundial", admitiu à Folha o prefeito da cidade, Victor Batarseh. "Mas o muro afeta tudo, o turismo, o comércio e a mobilidade das pessoas que querem buscar trabalho em Jerusalém. A taxa de desemprego já está em 28%."
Menos de dez quilômetros separam Jerusalém de Belém, cercada desde 2003 pelo muro de seis metros de altura construído por Israel para evitar a infiltração de terroristas.
Palestinos precisam de permissões especiais do Exército israelense para cruzar a barreira, mas estrangeiros não têm nenhuma dificuldade em fazer o trajeto em ambas direções.
Para a reportagem da Folha, bastou a apresentação do passaporte brasileiro para a passagem ser liberada, sem nem sequer uma revista no veículo.
Da janela de seu gabinete, na praça da Manjedoura, Batarseh observa o cortejo diário de turistas de todas as partes do mundo a caminho da basílica da Natividade, onde fica o local em que Jesus teria nascido.
Mas o prefeito lamenta o pálido resultado econômico desse fluxo humano. "A maioria dos turistas passa algumas horas aqui, mas deixa o seu dinheiro nos hotéis, restaurantes e comércio de Israel", diz Batarseh. Ele calcula que só 3% a 5% do que gasta o turista médio fica em Belém.
Em meio à crise econômica que freou nos últimos dois anos a chegada de muitos turistas, principalmente da Europa, a novidade na paisagem humana de Belém é a grande quantidade de peregrinos da Rússia. Encorajados pelo renascimento da Igreja Ortodoxa, depois de décadas na sombra no período soviético, eles têm sido os principais visitantes de Belém.
"É um sonho realizado", resume a professora aposentada Elena, falando baixo dentro da basílica da Natividade. Ela conta ter comprado um pacote turístico de uma semana em Israel numa agência de São Petersburgo, por pouco mais de US$ 1.000 (R$ 1.700), incluindo passagem e hospedagem.
Menos cristãos
Enquanto o volume de peregrinos encolhe, a crise também resulta em escassez de oportunidades econômicas no território palestino e acelera a transformação demográfica da cidade-símbolo do cristianismo.
Até 1948, quando o Estado de Israel foi fundado, 90% da população de Belém era cristã. Hoje a proporção caiu para 40%, segundo a prefeitura, ou até para 15%, de acordo com estudos independentes.
A emigração em grande escala dos cristãos, sobretudo para as Américas, e a alta taxa de natalidade dos muçulmanos, fizeram a balança demográfica pender de forma ainda mais dramática em favor do segundo grupo. Em seis décadas, a parcela cristã da população palestina caiu de 18% para 1,9%.
"Enquanto uma família cristã se satisfaz com dois ou três filhos, as muçulmanas têm oito, 12", explica o prefeito Batarseh. Ele nega que tensões com a maioria muçulmana estimulem o êxodo cristão, como ocorre em outras cidades palestinas. "Belém é um símbolo de coexistência."
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