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O Globo (06/09/2009)
Fernando Henrique Cardoso, País, pág.12.
A difícil paz
Como manter a esperança na solução do conflito entre Israel e Palestina?
Estive em Israel e na Palestina, na última semana de agosto, em missão de um grupo criado por Nelson Mandela (os Elders) para atuar em defesa da democracia, da paz e dos direitos humanos. Fazem parte dele pessoas que não estão ligadas a governos, embora muitas delas tenham ocupado posições políticas relevantes no passado. Entre outros, o arcebispo Desmond Tutu, que presidiu a Comissão de Reconciliação da África do Sul; Gro Brutland, ex-primeira-ministra da Noruega; Mary Robinson, expresidente da Irlanda; Jimmy Carter, que dispensa apresentações; e Kofi Anan, ex-secretário-geral da ONU. Com exceção deste último, todos os mencionados fizeram parte da missão ao Oriente Médio, a qual eu liderei.
As esperanças de um acordo de paz na região reapareceram graças à ação internacional e especialmente ao empenho do presidente Obama. O presidente americano tem dito reiteradamente que os Estados Unidos querem um acordo baseado na existência de dois estados soberanos, ambos sediados em Jerusalém, com a aceitação das fronteiras existentes antes da guerra de 1967. Naquele ano, Israel tomou territórios ao Egito (Faixa de Gaza) e à Jordânia (Cisjordânia), considerados territórios árabe-palestinos.
A solução pacífica, entretanto, não é simples. E as condições para viabilizá-la são hoje mais complexas do que eram uma década e meia atrás, quando se firmaram os Acordos de Oslo, que previram a solução dos “dois Estados” e estabeleceram as bases legais da Autoridade Palestina, embrião do futuro Estado palestino.
Atualmente, cerca de 50% dos territórios palestinos na Cisjordânia estão ocupados por assentamentos de colonos israelenses. A Faixa de Gaza, de onde até recentemente os palestinos disparavam foguetes contra Israel, está submetida a um cerrado bloqueio. Mesmo o ingresso de alimentos depende da boa vontade do governo israelense. A alternativa são os túneis por onde passa o contrabando, não só de comida, mas também de armamento, que os israelenses dizem não estar diminuindo.
Na Cisjordânia, nos últimos anos, sob a justificativa de proteger os seus colonos de ataques terroristas, Israel vem construindo muros altíssimos ou eletrificados e inúmeras barreiras de vigilância. Os transtornos causados produzem um permanente estado de angústia e ódio nas populações palestinas. Para complicar, a política de colonização está sendo levada para dentro das cidades, como há pouco em Jerusalém, com a desocupação de casas habitadas por famílias árabes.
O governo de Israel justifica a política de ocupação alegando razões de segurança. Não apenas do Estado, mas dos cidadãos israelenses, ainda atemorizados com atentados de homens-bomba, patrocinados pelo Hamas, em anos passados.
A ascensão do Hamas, além de aumentar a percepção de risco à segurança de Israel e dos israelenses, produziu dois interlocutores do lado palestino, que se antagonizam internamente e não falam a mesma linguagem nas suas relações externas, em geral, e com Israel,
Shimon Peres, a quem conheço e admiro há muitos anos, ex-primeiro ministro e hoje presidente de Israel, aponta essa cisão interna como um dos grandes obstáculos à paz , tanto maior pelo apoio que Irã e Síria emprestam ao Hamas. Peres refuta a acusação de que haja um cerco israelense à Gaza. Afirma haver fornecimento regular de comida, o que é referendado pelo presidente da Autoridade Palestina, Abu Abbas, ligado ao Fatah. E diz serem frequentes o atendimento de habitantes de Gaza em serviços de saúde de Israel.
Para Abbas e o primeiro ministro palestino, Salom Fayyad, com quem estivemos em Ramallah, o fortalecimento da Autoridade Palestina passa pelas eleições marcadas para janeiro de 2010. O próprio pleito, porém, é motivo de controvérsia, a julgar pela conversa telefônica que tive com Ismael Haniyeh, dirigente máximo em Gaza, e pelo encontro com Abdul Dweik, ex-presidente da Assembleia palestina, e dois colegas seus, todos recém saídos de prisões palestinas controladas pelo Fatah. O Hamas exige que centenas de líderes seus sejam libertados a tempo de dedicar-se à campanha eleitoral. Mais ainda, querem garantias de que a comunidade internacional respeitará os resultados, quaisquer que sejam.
Nesse contexto, como manter as esperanças na solução do conflito? Há dois elementos que podem mudar o quadro em favor da paz. O primeiro é a pressão internacional, capitaneada pelos Estados Unidos, se for suficientemente forte para levar os contendores à mesa de negociação.
A ação resoluta do enviado especial de Obama, senador George Mitchell, tem mostrado a disposição americana de não ceder frente aos “falcões” do governo israelense.
Por outro lado, há indicações de que a solução dos “dois Estados” poderia ser aceita pelo Hamas.
O segundo e principal elemento é a reação das pessoas comuns, movidas por um misto de ceticismo, pelas inúmeras tentativas fracassadas, e necessidade de crer que algo deve ser feito para recriar um horizonte de esperanças. Conversamos, sem exagero, com centenas de cidadãos palestinos e israelenses.
Vimos, em Bil”in, a resistência pacífica dos palestinos em cujas terras passaria um muro. Mas vimos , também , um exemplo de cooperação em nível local, entre Wadi Fukin, aldeia palestina, e Tzur Hadassah, aldeia israelense vizinha, ambas abeberando-se das mesmas fontes de água. E ouvimos vozes jovens, ora vítimas dos foguetes palestinos, ora das coerções israelenses, com a firme disposição para um “basta!”. Conhecemos empresários israelenses que investem e estão dispostos a investir mais na Cisjordânia. Em suma, há elementos subjetivos e objetivos que tornam a paz um sonho possível.
Oxalá, ou como dizem por lá, Inch´ Allah! Mekavé!
Renata Malkes, Mundo, pág.36.
Após guerra, boom de casamentos
Palestinos preenchem o vácuo do conflito com matrimônios
Renata Malkes Especial para O GLOBO
JERUSALÉM. A pouco mais de duas semanas para o término do mês sagrado do Ramadã, o jovem Ali, de 25 anos, não pode conter a ansiedade.
Ao contrário de anos anteriores, quando participava diariamente do “iftar” — a refeição diária que no fim do dia quebra o jejum dos muçulmanos — promovido pelo grupo radical islâmico Hamas na Faixa de Gaza, hoje ele celebra em família, ora na casa dos pais, na cidade de Rafah, bastião conservador no sul de Gaza, ora na casa dos futuros sogros.
Ali, estudante de Administração na Universidade Islâmica e militante do grupo, decidiu se casar. A noiva, Mariam, de 21 anos, é uma colega de classe cuja família impôs uma condição para aceitar o casório: que o jovem abandonasse a luta na resistência armada. Segundo observadores, desde a guerra em janeiro passado, há um boom de casamentos em todos os distritos do isolado território palestino.
Muitos jovens, frustrados com a estagnação política e a deterioração da vida econômica e social, estão buscando no matrimônio a saída para uma vida sem esperança.
— Fui a pelo menos seis casamentos de amigos nos últimos meses. Todos combatentes. De repente, após a trégua com Israel, tudo ficou chato e sem sentido. A resistência não morreu, mas começamos a pensar em mulheres, família, filhos. Sem amor e companheirismo a vida torna-se impossível. Quero casar, mas vou lutar em caso de uma nova agressão israelense. Só não sei como minha futura mulher vai reagir — ponderou Ali, falando ao GLOBO por telefone.
De olho no crescente interesse dos jovens em encontrar sua cara-metade numa região cada vez mais conservadora, o Hamas alocou recursos próprios na abertura de um escritório de encontros. Em funcionamento há dois anos, a Associação Tayseer para Casamentos e Desenvolvimento funciona como um dos órgãos assistenciais do grupo islâmico.
Segundo o diretor da associação, Wahel Zard, a maioria dos que buscam o serviço oficial de cupido é de mulheres. Há mais de mil fichas de esposas em potencial e o número de inscritas após o conflito de janeiro passado triplicou, já que, dos 1,4 mil mortos na ofensiva israelense, pelo menos 900 eram homens que deixaram para trás ao menos 700 mulheres viúvas.
Os interessados em encontrar um par pagam entre US$ 10 e US$ 70 mensais para que a associação cruze informações e consiga o pretendente adequado. O custo é determinado por categorias: quanto mais jovem for a candidata, mais fácil será o “matchmaking” e mais barato custará a inscrição. O preço máximo fica para viúvas, divorciadas e mulheres com mais de 30 anos. Os funcionários da agência explicam ainda que mulheres que trabalham também têm mais dificuldade em casar, pois na dura economia de Gaza, um salário pode significar que a família da noiva impeça o matrimônio para assegurar o orçamento doméstico.
— Começamos oferecendo ajuda a casais jovens que não tinham condições financeiras de se casar. Vimos que depois da guerra, há muita gente em busca de uma nova vida.
Esta também é uma visão de trabalho humanitário — afirmou Zard.
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