O Globo, Mundo, páginas 28, 29 e 30, em 04/01/2009.
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A bomba demográfica que assusta Israel
Aumento da população árabe no país e nos territórios palestinos tornará judeus minoria em poucos anos
Flávio Henrique Lino* Enviado especial
JERUSALÉM. Maior força bélica do Oriente Médio e dono de um arsenal que inclui as últimas novidades tecnológicas e até armas nucleares — além de contar com o apoio incondicional da superpotência americana — Israel não tem tido motivos sérios para se preocupar com sua sobrevivência, após ter vencido a Guerra de Independência contra os árabes em 1948. Uma única “arma”, no entanto, ameaça acabar com essa segurança e pode pôr em risco a existência do Estado judeu: a bomba demográfica.
Segundo a maioria das previsões, as altas taxas de crescimento das populações árabe-israelense e palestina farão com que, possivelmente em alguns anos, os judeus se tornem minoria na região compreendida pelos territórios de Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza — que Israel controla em sua totalidade desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Para muitos em Israel, essa tendência demográfica está acendendo o sinal amarelo.
O raciocínio é simples: se um Estado palestino não se materializar, atendendo às expectativas de parte significativa da população de origem árabe que ficou sem um país em 1948, os palestinos podem simplesmente abrir mão de suas reivindicações nacionais e começar a exigir sua incorporação a Israel com os mesmos direitos dos outros cidadãos judeus e árabes-israelenses.
Seria um modelo de Estado binacional como a Bélgica, onde flamengos e valões dividem o mesmo país, ou o Canadá, partilhado entre canadenses de fala inglesa e francesa.
— Os palestinos serão demograficamente dominantes. Estamos tendo a última janela para a solução de dois Estados. Se não conseguirmos agora, vamos deixar um problema insuportável para as futuras gerações — opina Matti Shteinberg, professor do Centro Interdisciplinar de Hertzlya e da Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-assessor sênior do serviço secreto.
Números viram arma no conflito A matemática que inquieta os israelenses é de fácil entendimento.
Em Israel, os cidadãos de origem árabe — que permaneceram no país após 1948 — são hoje 19,4% da população de 7,4 milhões.
Em 1966, um ano antes de Israel incorporar os territórios palestinos, eles eram 12%. Somados aos 3,9 milhões de palestinos da Cisjordânia e de Gaza, os árabes já seriam 5,3 milhões, contra 5,5 milhões de judeus. As discrepantes taxas de crescimento das duas populações estão por trás dessa lenta virada da balança: entre os judeus, ela é de 1,7% ao ano, enquanto os árabesisraelenses aumentam a uma taxa de 2,5%; já entre os palestinos da Cisjordânia, a taxa de crescimento demográfico é de 2,2% ao ano, e de Gaza, 3,4%.
Numa demonstração da importância do fator demográfico no conflito, os números se tornaram armas ao lado dos foguetes Qassam palestinos e dos caças F16 israelenses. Muitos em Israel minimizam a dita ameaça do crescimento populacional árabeisraelense e palestino. Um estudo do Grupo de Pesquisa Demográfica Americano-Israelense acusa a Autoridade Nacional Palestina de inflacionar a população dos territórios em 1,1 milhão de habitantes. Além disso, a organização alerta que as taxas de natalidade de árabes-israelenses e palestinos vêm diminuindo ou estagnando, ao passo que a dos judeus vem aumentando.
Ainda assim, os governos de Israel acreditam que a demografia é uma bomba-relógio que mais dia menos dia vai estourar, com conseqüências imprevisíveis.
A decisão de Ariel Sharon de retirar Israel de Gaza, em 2005, foi determinada em parte pela vontade de manter o caráter judaico e democrático do país, que dessa forma teria menos palestinos sob ocupação direta.
Para manter o comando como minoria, aos judeus só restaria institucionalizar um regime de segregação racial como o apartheid sul-africano.
— Mesmo líderes de direita como Sharon e Ehud Olmert finalmente entenderam que precisam de uma solução de dois Estados — avalia a historiadora Sarah Ozacky-Lazar, do Instituto Van Leer de Jerusalém, deixando em aberto a possibilidade de avanços na direção da paz mesmo se o falcão Benjamin Netanyahu, do Likud, vencer as eleições de fevereiro em Israel. — Vamos esperar. Às vezes os líderes mudam quando se sentam na cadeira de primeiro-ministro.
Solução binacional tem pouco apoio na região A solução de um Estado binacional vai contra os fundamentos ideológicos do moderno Israel, fundado em 1948 ao final de mais de meio século de lutas como uma pátria para os judeus. E, se entre os israelenses judeus é uma opção que aterroriza a maioria, entre os palestinos, tampouco é uma solução atraente, já que há décadas eles aspiram por ver realizado seu desejo maior: ter seu próprio Estado. Mas o impasse nas negociações de paz e a falta de luz no fim do túnel para um conflito que se arrasta há 60 anos podem mudar a situação entre os palestinos.
— Cada vez mais se fala de uma solução binacional ou federalizada.
Os palestinos, sobretudo os intelectuais, são cada vez mais favoráveis a essa idéia — explica Arye Katzovich, professor de Relações Internacionais da Universidade Hebraica, alertando para o perigo que Israel corre se não se apressar em realizar a solução dos dois Estados.
— Se não deixar os territórios, Israel vai acabar como Estado judeu e democrático.
O repórter viajou a convite do Centro Shasha de Estudos Estratégicos da Universidade Hebraica de Jerusalém
GLOBO NA INTERNET GALERIA Crianças sofrem em meio ao fogo-cruzado oglobo.com.br/mundo
'Um Estado binacional é viável'
Bashir Bashir
solução do Estado binacional na Palestina histórica é impopular e freqüentemente rejeitada por muitos israelenses e palestinos, que a consideram irrealista e utópica porque ignora a “realidade” e as profundas hostilidades e desconfiança entre as duas partes conflitantes.
Além disso, palestinos e israelenses a rejeitam porque acreditam que é uma ameaça às suas identidades nacionais e particularidades culturais.
Essas alegações e outras não são desprovidas de mérito. Entretanto, um exame profundo e crítico da maioria delas prova que são exageradas, inexatas e inconvincentes. A realidade local e as preocupações com justiça e democracia têm provado que é viável e desejável a solução binacional para o conflito palestino-israelense.
Consideremos primeiro o fator empírico e factual. O projeto colonial e expansionista israelense de assentamentos na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) transformou consideravelmente a realidade local. O crescente número de assentamentos israelenses e a extensa rede de estradas e túneis criada para servir exclusivamente a esses assentamentos e conectá-los com Israel têm inevitavelmente gerado uma geografia interligada e mista — embora os assentamentos sejam separados das aldeias e cidades palestinas por cercas, muros, estradas vicinais e postos de controle — transformando a realidade local.
Além disso, a anexação de facto da maioria desses assentamentos (por Israel) pelo muro de separação e a cantonização do resto da Cisjordânia torna sem sentido e impraticável um Estado palestino viável e soberano dentro das fronteiras de 1967.
A importância do fator conciliatório advém do reconhecimento e da centralidade que ele concede às conseqüências desastrosas e às injustiças históricas que a ocupação da Palestina e a criação de Israel em 1948 causaram aos palestinos.
Diferentemente do que acreditam os que reduzem a questão da Palestina à criação de um Estado nas fronteiras de 1967, um processo sério de reconciliação histórica deve levar em conta as causas e conseqüências da Nabka (“catástrofe”, como os árabes chamam a criação de Israel). Isso vai além da solução de dois Estados.
É precisamente o fator democrático que insiste nos valores de inclusão, reciprocidade e igualdade. Um Estado binacional fornece respostas a vários medos e problemas expressos tanto por palestinos como por israelenses. Em primeiro lugar, a solução binacional é inclusiva, no sentido de que procura conceder direitos individuais de cidadania e direitos nacionais coletivos de autodeterminação a todos os cidadãos e aos dois grupos nacionais.
O Estado binacional não exige que judeus israelenses e árabes palestinos sejam assimilados num só grupo nem requer que nenhum grupo abra mão de sua identidade nacional.
Em segundo lugar, o Estado binacional fornece uma resposta efetiva ao temor da minoria palestina em Israel no que concerne seus direitos coletivos e sua identidade nacional. Nessa solução, a minoria palestina (de Israel) é vista como parte de um povo palestino mais amplo e gozará do mesmo conjunto de direitos coletivos que o resto dos palestinos.
Em terceiro lugar, assegurar o direito de autodeterminação nacional aos judeus israelenses abre a porta a uma solução justa do direito de retorno dos refugiados palestinos.
Certamente, a materialização desse direito deve levar em conta as atuais circunstâncias de total destruição de aldeias e casas, e também evitar causar novas injustiças àqueles que tenham construído assentamentos sobre as ruínas de antigas aldeias ou residam em casas que pertenciam a palestinos.
Por último, a questão da divisão de Jerusalém se tornaria desnecessária e irrelevante.
BASHIR BASHIR é árabeisraelense e pesquisador do Centro Gilo de Cidadania, Democracia e Educação Cívica na Universidade Hebraica de Jerusalém e do Instituto Van Leer de Jerusalém.
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'Devíamos ter saído dos territórios em 1967'
Historiador polêmico em Israel, Benny Morris defende ataque a Gaza, mas diz que manter ocupação foi erro
ENTREVISTA Benny Morris
Renata Malkes Especial para
O GLOBO
GLOBO: Numa provocação, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, afirmou que Israel não aprendeu nenhuma lição da guerra no Líbano e que os bombardeios aéreos a Gaza serão inúteis. Que rumos essa ofensiva vai tomar?
BENNY MORRIS: Nasrallah está certo. Nesta guerra privada entre Israel e o Hamas, não vejo soluções. Os bombardeios eram necessários, já que nenhum país pode ser atacado diariamente com mísseis sem reagir. Os bombardeios têm que continuar. É preciso dar um tapa forte no grupo.
Mas o preço é a destruição, a morte de civis e mais uma mancha na imagem de Israel no cenário internacional...
MORRIS: Não há alternativa. Infelizmente civis morrem em guerras. O Hamas prega a destruição de Israel e a única linguagem que compreende é a da força.
Eles gostariam de ter o poderio militar israelense e eliminar o país do mapa. Se fossem uma instituição normal pelos conceitos ocidentais, talvez houvesse outra maneira. O Hamas é anormal.
São fanáticos e religiosos que querem eliminar quem pensa diferente. O Hamas é o mal.
A conquista da Faixa de Gaza, em 1967, na Guerra dos Seis Dias, pode ser considerada um dos maiores erros estratégicos da História de Israel?
MORRIS: Hoje vê-se que as conseqüências foram desastrosas, mas, na época, Israel não teve alternativa. Quando o Egito pôs um Exército hostil no Deserto do Sinai e fez alianças com Síria e Jordânia, Israel foi obrigado a defender-se mais uma vez. No entanto, não tenho dúvidas de que deveríamos ter saído de Gaza e da Cisjordânia logo após o fim do conflito, mesmo que unilateralmente.
Outra chance foi perdida em 78. Quando foi assinado o acordo de paz com o Egito, Israel deveria ter obrigado o presidente Anwar Sadat a controlar a Faixa de Gaza, mas os egípcios não se apressaram em ficar com a soberania de Gaza.
Por quê? Mesmo hoje o presidente Hosni Mubarak fecha as fronteiras e nega qualquer ajuda aos palestinos de Gaza...
MORRIS: A Faixa de Gaza sempre foi um celeiro de confusão.
Todos os que administraram a região antes mesmo de 1967 enfrentaram problemas. É um antro de gente pobre, desgostosa e hostil, que nunca aceitou a intervenção de “estrangeiros” em seu território, sejam eles egípcios ou israelenses. Para os egípcios, Gaza forte significa Hamas forte. O Hamas é uma organização dissidente da Irmandade Muçulmana, que é forte na oposição ao governo egípcio e sonha transformar o Egito num país fundamentalista.
O senhor pesquisou durante anos um dos lados obscuros do sionismo, como a expulsão de milhares de árabes de suas casas e as atrocidades cometidas para a criação do Estado de Israel em 1948. Hoje, 60 anos e diversas guerras depois, o senhor justifica tudo isso?
MORRIS: Foi uma decisão internacional criar um Estado judeu na Palestina. Houve 24 massacres, sendo o da aldeia de Deir Yassin, perto de Jerusalém, o mais famoso. Eu pesquisei um tema doloroso que muitos israelenses preferiram ignorar. É claro que não posso justificar ou me identificar com violência, mortes e estupros, mas compreendo que os judeus não tiveram alternativa em 1948. Foram os árabes que começaram uma guerra após a proclamação do Estado e obrigaram os israelenses a reagir. Era uma questão de sobrevivência. O premier David Ben Gurion sabia que era preciso remover as comunidades árabes para que o Estado judeu existisse.
Então o primeiro premier israelense, Ben Gurion, um trabalhista, era a favor da transferência dos árabes, uma visão tradicionalmente da direita?
MORRIS: Claro, desde abril de 48 ele planejou a idéia de transferência.
Não há ordens explícitas por escrito e tampouco havia esse conceito, mas esse era o clima geral no país. Era uma coisa subentendida. O Estado judeu não existiria com uma minoria árabe em seu território. E Ben Gurion estava certo, não condeno suas atitudes. O condenável é que, depois dos massacres, Ben Gurion calou-se. E os culpados não foram punidos.
Alguns analistas crêem que o fracasso em alcançar a paz pode levar os palestinos a mudar de estratégia, exigindo ser incorporados a Israel, que se transformaria num Estado binacional. Essa possibilidade existe?
MORRIS: Sim. É um dos maiores perigos enfrentados por Israel.
Se a ocupação na Cisjordânia for mantida, demograficamente não seremos mais um Estado judeu. Mas não acredito que os palestinos se transformariam em israelenses, eles viveriam aqui, mas sem cidadania.
Sou um defensor da idéia de dois Estados para dois povos, pois é a única alternativa para a expulsão dos israelenses, dos palestinos ou a destruição total. Infelizmente nesta geração pelo menos de 30% a 40% do público dos dois lados não aceitam esta solução. Sempre depois de uma pequena trégua, o terror e o conflito voltarão.
Estamos condenados a viver sob a espada.
Para um intelectual de esquerda, o senhor soa um tanto direitista e até mesmo pessimista...
MORRIS: Estou tentando ser realista. Sei que não é politicamente correto, mas tudo que é politicamente correto envenena a História e impede nossa capacidade de enxergar a verdade.
Eu me identifico com o filósofo Albert Camus. Ele era esquerdista e muito ético, mas, quando se referia ao problema da Argélia, mudava de tom. Preservar seu povo era mais importante que valores universais de moral e ética. Há um choque de civilizações em curso no mundo. O Islã e sua atitude bárbara com relação à liberdade, à democracia e à vida humana luta contra o mundo ocidental. O conflito israelensepalestino é somente uma vertente dessa guerra.
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