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Tendências/Debates: Jorge Zaverucha: Novidades da guerra em Gaza
O ATAQUE israelense na faixa de Gaza contra o Hamas é uma ação "defensiva, e não ofensiva". Quem assim inovou foi o ministro das Relações Exteriores da República Checa, Karel Schwarzenberg, também presidente da União Europeia. Certamente sua memória sobre a ocupação soviética o torna menos tolerante com ditaduras laicas ou religiosas do que alguns de seus colegas europeus ocidentais.
Diplomaticamente, faz tempo que Israel não recebe tanto apoio da comunidade internacional. Há críticas verbais, mas estas são para efeito externo. Na prática, foi dada permissão para Israel enfraquecer o Hamas, desde que a operação militar não dure muito tempo nem que Gaza seja ocupada indefinidamente. E é exatamente isso que Israel almeja.
Não interessa nem à maioria dos países ocidentais nem aos países árabes "moderados" (Egito, Jordânia e Arábia Saudita, por exemplo) o fortalecimento de uma filial do Irã na faixa de Gaza. Uma coisa é o eixo Irã-Hamas-Hizbollah; outra é a causa palestina sob os auspícios da Autoridade Nacional Palestina.
A Turquia surpreende pela sua virulência anti-Israel, logo ela que não aceita a independência curda em seu território. Já o Egito inovou ao criticar publicamente o Hamas por dar o pretexto para a operação militar por meio de indiscriminados ataques de foguetes contra civis israelenses, muito embora boa parte das armas contrabandeadas para Gaza sejam feitas a partir de território egípcio.
O revide israelense está dentro dos cânones da lei internacional. Israel tem usado força proporcional à ameaça militar existente, visando, unicamente, acabar com a fonte da agressão. Infelizmente, isso gera a morte de inocentes que são usados como escudos humanos pelo Hamas.
Como o bombardeio aéreo não foi suficiente para neutralizar o lançamento de foguetes, fez-se necessário a operação terrestre sob o ponto de vista israelense. E, lamentavelmente, mais civis morrerão.
Quanto ao Egito, seu temor não é de pouca monta. Mubarak nega-se a abrir a passagem de Rafah para o Hamas enquanto a Autoridade Nacional Palestina não voltar a dominar Gaza.
O atual presidente egípcio já tem, internamente, problemas demais com o radicalismo islâmico. Foi um grupo fundamentalista que assassinou o presidente Sadat. O hoje braço direito de Bin Laden, Ayman al Zawahiri, participou do complô que matou o presidente egípcio que fez a paz com Israel e ganhou a península do Sinai em troca.
A irritação com Mubarak chegou ao ponto de o líder do Hizbollah, Hassan Nasrallah, ter pedido que a população egípcia derrubasse o presidente egípcio pela ajuda que estaria dando a Israel na luta contra o Hamas.
O Hizbollah e o Hamas são novos atores políticos não estatais no conflito e disputam proeminência com tradicionais Estados árabes. Mais um fator de instabilidade na região.
Outra novidade é a fratura exposta da liderança palestina durante a guerra contra Israel. O Hamas, embora democraticamente eleito pela população de Gaza, instaurou uma ditadura que, inclusive, matou e expulsou palestinos do grupo Fatah. Este é laico e, ao contrário do Hamas, reconhece o direito à existência do Estado de Israel.
O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, quer retomar o controle político sobre Gaza e sobre o processo de paz com Israel. Mas isso só será possível, paradoxalmente, caso Israel enfraqueça o fundamentalismo islâmico palestino.
É Israel, inclusive, que tem contribuído para que o Hamas não tome a Cisjordânia. Por cálculo político. O Fatah é esperança de retomada de negociações de paz, algo impossível com o Hamas. Afinal, Israel retirou-se unilateralmente de Gaza, em 2005, e o número de foguetes lançados pelo Hamas a território israelense cresceu em número e em abrangência.
O fortalecimento do Fatah vis-à-vis o Hamas poderá ser a novidade positiva do presente conflito. A depender do (in)sucesso militar de Israel.
O Hamas subestimou a reação israelense. Com um primeiro-ministro enfraquecido e às vésperas de eleição parlamentar, o Hamas achou que poderia conseguir uma vitória política como a que o Hizbollah conquistou, recentemente, contra Israel na Guerra do Líbano.
Só que Israel aprendeu com seus erros. Militarmente, a operação está sendo bem conduzida. E os políticos, até o momento, estão unidos em torno do interesse estratégico do país. A saber, reembaralhar as cartas de tal modo que o Hamas não possa voltar a se armar como antes.
JORGE ZAVERUCHA, 53, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.
Mundo: Hamas deve ser responsabilizado por ataque a escola, diz analista
DO ENVIADO A SDEROT
Especialista em Oriente Médio, estratégia e comunicação da Universidade Bar-Ilan, Eitan Gilboa diz em entrevista à Folha que a culpa pelo ataque à escola da ONU, com vítimas civis, é do Hamas, que usa mulheres e crianças como escudo. (MARCELO NINIO)
FOLHA - O ataque a uma escola da ONU pode aumentar a pressão para que Israel interrompa a ofensiva?
EITAN GILBOA - Pode aumentar a pressão, mas ela não vai funcionar, porque desta vez, diferentemente do que ocorreu no Líbano, Israel está determinado a alcançar seus objetivos. Todos sabem que esse lugar em particular era usado como uma base militar e como um depósito de munição. Aviões israelenses não pilotados detectaram membros do Hamas usando a escola para disparar foguetes, com mulheres e crianças dentro para se proteger. Israel precisa explicar direito que essa não era só uma escola, que em Gaza uma mesquita não é uma mesquita e que a Universidade Islâmica deixou de ser só uma universidade, para virarem bases militares.
FOLHA - O presidente da Universidade Islâmica negou à Folha que lá houvesse atividade militar, e a ONU diz ter avisado Israel que a escola atacada ontem tinha civis.
GILBOA - Isso é absurdo. Essas escolas estão sendo usadas pelo Hamas para atacar Israel, há imagens provando isso. Quem mantém crianças nessa escola é que deve ser responsabilizado, não Israel. Concordo que Israel tem um enorme desafio para explicar isso, mas, se o mundo não entender, paciência. Se o outro lado não cumpre as regras básicas, Israel não pode ser culpado.
FOLHA - O sr, diz que não haverá mais Hamas depois da ofensiva, mas há um consenso de que é impossível derrubar o regime só com meios militares.
GILBOA - Por meios militares é possível derrubar qualquer regime. Em tempos recentes isso ocorreu em Kosovo, no Iraque, na Bósnia. Não é preciso eliminar completamente o Hamas, mas criar condições que o tornem ineficiente como inimigo.
Se o Hamas for enfraquecido o suficiente para aceitar as condições de Israel ou entrar numa aliança com o Fatah, tudo bem.
O Hamas não será mais capaz de ditar as regras do jogo.
FOLHA - Mesmo sem o Hamas, o sofrimento causado pela ofensiva aos civis de Gaza não pode se tornar uma arma contra Israel?
GILBOA - Espero que as pessoas em Gaza entendam que seu futuro não é com o Hamas. Uma mudança radical é necessária e ajudará a ambos os povos.
Mundo: Mãe palestina em Israel fica entre conforto e sofrimento
DO ENVIADO A ASHKELON
O lugar certo, no momento errado. Ou o oposto. Esse tem sido um dos dilemas da palestina Manal Shain, 36, desde que ela chegou ao hospital Barzilai, na cidade israelense de Ashkelon, há quase um mês.
Moradora do campo de refugiados de Jabaliya, em Gaza, Manal chegou ao hospital na segunda semana de dezembro com o filho de um ano e meio, com problemas respiratórios. Mas a ofensiva israelense a pegou de surpresa, e ela não conseguiu voltar para casa. Em Jabaliya a aguardam o marido, Ahmed, e outros três filhos.
Um detalhe torna a distância mais dramática: Manal está no nono mês de gravidez e já sabe que seu quarto filho nascerá em Israel. "Nunca pensei que teria meu filho aqui. Parece um sonho", diz em voz baixa, assustada com o interesse de dezenas de jornalistas estrangeiros.
Um sonho bom, diz Manal, que gosta da comida do hospital, agradece o tratamento que recebe dos israelenses e reconhece a sorte de poder ter o quinto filho em um lugar mais seguro do que Gaza.
Mas é um sonho que vira pesadelo quando ela pensa no marido e nos filhos, que estão em Jabaliya, onde fica a escola atingida ontem por disparos israelenses. "Sei que os israelenses sofrem com os foguetes, mas por que reagir com tanta violência?", pergunta.
Ajudada pelas enfermeiras, Manal conversa quando pode com o marido. Ahmed é pediatra em um hospital de Gaza, mas tem ficado em casa para cuidar das crianças. "Ele já me contou que a situação lá é muito difícil. Vários vizinhos morreram nos ataques e meu marido diz que é difícil achar comida para as crianças", diz ela. (MN)
Mundo: Artigo: Israel querer sobreviver é proporcional
ANDRÉ GLUCKSMANN
Diante de um conflito, as opiniões se dividem entre os incondicionais, as pessoas que decidiram de uma vez por todas quem está certo e quem está errado, e os circunspectos, as pessoas que julgam cada ação como oportuna ou inoportuna de acordo com as circunstâncias.
O confronto em Gaza deixa antever uma ponta de esperança, apesar das imagens de choque. O fanatismo dos incondicionais parece ser minoritário. A discussão entre os israelenses (era este o momento de agir? até que ponto?) se desenrola como é comum em uma democracia. O que surpreende é que um debate semelhante parece começar entre os palestinos e aqueles que os apoiam, a ponto de Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, ter ousado imputar ao Hamas, com a ruptura da trégua, a responsabilidade inicial pelo sofrimento dos civis de Gaza.
As reações da opinião pública mundial -a mídia, os diplomatas, as autoridades- é que infelizmente parecem defasadas. É importante enfatizar a palavra que mais se ouve entre os adeptos de uma incondicionalidade de terceiro tipo, os que condenam a reação de Israel como "desproporcional". A condenação a priori do excesso judaico regula o fluxo das reflexões.
Consulte o dicionário: "desproporcional é aquilo que está fora de proporção" -seja porque não existe uma proporção, seja porque esta se vê rompida.
É a segunda acepção que é utilizada para fustigar os israelenses. Subentende-se que existe um estado normal do conflito entre o Hamas e Israel e que a belicosidade israelense o desequilibra, como se o conflito não fosse, como todos os conflitos sérios, desproporcional desde a origem.
Qual seria a proporção justa? O Exército israelense não deveria usar sua supremacia técnica e se limitar a empregar as mesmas armas do Hamas - a guerra com foguetes imprecisos, ou a guerra dos atentados suicidas, da escolha deliberada da população civil como alvo? Ou Israel deveria simplesmente esperar com toda paciência até que o Hamas, graças à assistência do Irã e da Síria, pudesse "equilibrar" seu poder de fogo?
A menos que se deva levar em conta não apenas os meios militares, mas os objetivos almejados. Porque o Hamas, ao contrário da Autoridade Palestina, se obstina em não reconhecer o direito do Estado judaico a existir e sonha com a aniquilação de seus cidadãos, será que Israel deveria imitá-lo em seu radicalismo e promover uma limpeza étnica?
Não é possível trabalhar pela paz no Oriente Médio se não escaparmos às tentações da incondicionalidade, que perturbam tanto os fanáticos extremistas quanto as almas angelicais que concebem uma "proporção" ilusória.
No Oriente Médio, a luta não gira em torno de fazer respeitar a regra do jogo, mas sim de estabelecê-la.
É possível discutir a oportunidade de iniciativas militares ou políticas sem com isso supor que o problema estará resolvido com antecedência pela mão invisível da boa consciência mundial. Querer sobreviver não é desproporcional.
ANDRÉ GLUCKSMANN é filósofo. Este artigo foi publicado no "Monde"
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